O condomínio europeu e a fracção portuguesa


Não é aceitável que as assembleias de condóminos se transformem em sessões de bullying.


A situação da Europa tem pontos de semelhança com o que por vezes sucede em condomínios. No caso, um condomínio de luxo, daqueles fechados, com piscina e ginásio.

Vai-se a ver e ocorre amiúde que alguns dos ilustres proprietários não têm as contas em dia e, por mais que se insista, não pagam. Normalmente, isso acontece porque os proprietários da fracção não contavam com um aperto e ficaram sem ter dinheiro sequer para fazer face à prestação do empréstimo da casa, quanto mais do condomínio.
 A culpa, muitas vezes, não é de ninguém, mas o facto é que a conta do prédio fica desequilibrada e pouco há a fazer a não ser os outros condóminos aguentarem o défice permanente, utilizando o fundo de reserva para garantir o funcionamento regular em vez de o aplicar em obras, a fim de evitar a degradação do prédio. 

Há casos em que se juntam duas circunstâncias: uma, a fatalidade da conjuntura; e outra, a permanente tentativa de não pagar o que se deve. Há muita gente assim. Não se pode confundir os Estados com o povo, mas a verdade é que a Grécia (com o apoio de países europeus e de grandes consultoras) pouco ou nada fez desde a adesão à União Europeia para criar mecanismos de cobrança de impostos no país. Por isso mesmo, os cortes na despesa e a austeridade avassaladora só agravaram a situação. Fiscalmente, o quadro grego é semelhante ao que acontecia em Portugal onde, há não muitos anos, as profissões liberais não pagavam impostos – isto para não ir ao tempo da bandalheira do imposto complementar.

Nesta fase, só há uma solução para os restantes membros do condomínio do euro: esperar que o vizinho arranje um acordo bancário para pagar a casa, os juros, a manutenção do edifício e a alimentação enquanto procura emprego.
E interessa pouco saber se há outros condóminos que são donos do banco e querem receber dos dois lados, até porque, na prática, ninguém pode ser posto fora do prédio antes de uma longa acção judicial. Também um Estado não pode ser corrido do condomínio europeu. Quando muito (e, mesmo assim, tem de se ver como), pode ser proibido de ter acesso à zona mais selecta, como a piscina ou ginásio, ou seja, o equivalente à zona euro.

Apesar de se tratar de um exemplo forçado, é melhor pensar que este tipo de comparação não é um delírio. É verdade que é irritante ver o tipo do lado, todo lampeiro, a usar os elevadores para cima e para baixo quando sabemos que, se tivesse tido mais rigor, poderia não estar agora a passar tão mal. Mas isso não torna aceitável que as assembleias de condóminos se transformem numa sessão de bullying, com ameaças de expulsão do prédio por parte dos outros senhorios, particularmente daqueles que têm casas com maior permilagem.

A FRACÇÃO PORTUGUESA
Ainda que mais arrumadinho e educado, o vizinho do lado pode não ter razão quando se acha um exemplo de virtude e não se cansa de o proclamar, verberando o incumpridor.

Não há nada pior do que alguém se achar um caso de sucesso quando apenas tem a felicidade de ter algum rendimento que permita ir pagando as despesas de cada mês, acumulando mesmo assim um passivo regular que só não é maior porque conta com o apoio nos negócios de amigos africanos, de vizinhos espanhóis e de uns turistas a quem aluga quartos. Hoje em dia, ter um negócio ou um trabalho estável tem, por vezes, mais a ver com a sorte que com o mérito.

Só estão na condição de riqueza os que têm a casa paga e ainda possuem outras que alugam a terceiros, e mais umas quantas para férias no estrangeiro, de preferência em países solarengos, seguros e a dar para o pobrezinho, daqueles que dão condições fiscais melhores do que o país de origem dos donos.

Melhor ainda estão os que, além disso, têm dinheiro num banco sólido, do qual são donos, e que fazem dinheiro à conta de empréstimos e de juros altos. Recuperam o capital ao emprestar mais e exigem sempre maiores garantias reais, até ficarem com a casa do devedor que, depois, vendem a um chinês.

Mas até isso pode não ser eterno. Viram-se estoiros monumentais nos últimos anos, em termos mundiais, e outros mais pequenos mas devastadores à nossa escala, como o BES, o BPN e o BPP, e mais aquilo que pode estar para vir.

Jornalista
Director da Newshold
Escreve à quarta-feira 


O condomínio europeu e a fracção portuguesa


Não é aceitável que as assembleias de condóminos se transformem em sessões de bullying.


A situação da Europa tem pontos de semelhança com o que por vezes sucede em condomínios. No caso, um condomínio de luxo, daqueles fechados, com piscina e ginásio.

Vai-se a ver e ocorre amiúde que alguns dos ilustres proprietários não têm as contas em dia e, por mais que se insista, não pagam. Normalmente, isso acontece porque os proprietários da fracção não contavam com um aperto e ficaram sem ter dinheiro sequer para fazer face à prestação do empréstimo da casa, quanto mais do condomínio.
 A culpa, muitas vezes, não é de ninguém, mas o facto é que a conta do prédio fica desequilibrada e pouco há a fazer a não ser os outros condóminos aguentarem o défice permanente, utilizando o fundo de reserva para garantir o funcionamento regular em vez de o aplicar em obras, a fim de evitar a degradação do prédio. 

Há casos em que se juntam duas circunstâncias: uma, a fatalidade da conjuntura; e outra, a permanente tentativa de não pagar o que se deve. Há muita gente assim. Não se pode confundir os Estados com o povo, mas a verdade é que a Grécia (com o apoio de países europeus e de grandes consultoras) pouco ou nada fez desde a adesão à União Europeia para criar mecanismos de cobrança de impostos no país. Por isso mesmo, os cortes na despesa e a austeridade avassaladora só agravaram a situação. Fiscalmente, o quadro grego é semelhante ao que acontecia em Portugal onde, há não muitos anos, as profissões liberais não pagavam impostos – isto para não ir ao tempo da bandalheira do imposto complementar.

Nesta fase, só há uma solução para os restantes membros do condomínio do euro: esperar que o vizinho arranje um acordo bancário para pagar a casa, os juros, a manutenção do edifício e a alimentação enquanto procura emprego.
E interessa pouco saber se há outros condóminos que são donos do banco e querem receber dos dois lados, até porque, na prática, ninguém pode ser posto fora do prédio antes de uma longa acção judicial. Também um Estado não pode ser corrido do condomínio europeu. Quando muito (e, mesmo assim, tem de se ver como), pode ser proibido de ter acesso à zona mais selecta, como a piscina ou ginásio, ou seja, o equivalente à zona euro.

Apesar de se tratar de um exemplo forçado, é melhor pensar que este tipo de comparação não é um delírio. É verdade que é irritante ver o tipo do lado, todo lampeiro, a usar os elevadores para cima e para baixo quando sabemos que, se tivesse tido mais rigor, poderia não estar agora a passar tão mal. Mas isso não torna aceitável que as assembleias de condóminos se transformem numa sessão de bullying, com ameaças de expulsão do prédio por parte dos outros senhorios, particularmente daqueles que têm casas com maior permilagem.

A FRACÇÃO PORTUGUESA
Ainda que mais arrumadinho e educado, o vizinho do lado pode não ter razão quando se acha um exemplo de virtude e não se cansa de o proclamar, verberando o incumpridor.

Não há nada pior do que alguém se achar um caso de sucesso quando apenas tem a felicidade de ter algum rendimento que permita ir pagando as despesas de cada mês, acumulando mesmo assim um passivo regular que só não é maior porque conta com o apoio nos negócios de amigos africanos, de vizinhos espanhóis e de uns turistas a quem aluga quartos. Hoje em dia, ter um negócio ou um trabalho estável tem, por vezes, mais a ver com a sorte que com o mérito.

Só estão na condição de riqueza os que têm a casa paga e ainda possuem outras que alugam a terceiros, e mais umas quantas para férias no estrangeiro, de preferência em países solarengos, seguros e a dar para o pobrezinho, daqueles que dão condições fiscais melhores do que o país de origem dos donos.

Melhor ainda estão os que, além disso, têm dinheiro num banco sólido, do qual são donos, e que fazem dinheiro à conta de empréstimos e de juros altos. Recuperam o capital ao emprestar mais e exigem sempre maiores garantias reais, até ficarem com a casa do devedor que, depois, vendem a um chinês.

Mas até isso pode não ser eterno. Viram-se estoiros monumentais nos últimos anos, em termos mundiais, e outros mais pequenos mas devastadores à nossa escala, como o BES, o BPN e o BPP, e mais aquilo que pode estar para vir.

Jornalista
Director da Newshold
Escreve à quarta-feira