Ingredientes para um processo mediático (1)


Para um caso ser mediático é necessário ter um arguido com relevância política, social ou económica, ou então dizer-se que ele a tem… mesmo que não tenha.


Na passada semana demonstrou-se que um caso ser, ou não, de corrupção é totalmente irrelevante para a respectiva mediaticidade. Cabe, portanto, indicar quais os ingredientes necessários para obter um processo mediático… já que o facto de ser de corrupção não integra a lista de compras da secção Justiça.

Ora, os ingredientes são facílimos de identificar. Estão à vista de toda a gente: aliás, as mais básicas regras de marketing e até de vitrinismo utilizadas por publicitários e organizadores de prateleiras de supermercados permitem encontrar resposta à questão. 

Para que um produto se venda mais, não há como colocá-lo na montra do estabelecimento, bem apresentado, como gourmet ou rodeado de fotos sexualmente apelativas de jovens de qualquer sexo, mais ou menos desnudados. Se de prateleiras de supermercado se tratar, deixar uma grande quantidade do produto nas prateleiras do corredor, mas criar as chamadas “gôndolas” ou “topos” de fila, pelas quais as marcas pagam o que for preciso.

Todos sabemos que o consumidor compra por impulso, as mais das vezes guiado pelo vendedor: aquilo que vê primeiro, porque seleccionado para estar numa gôndola ou num topo de fila, é o que irá comprar. Associar um produto ou serviço a um status de sofisticação, apresentá-lo como “in”, atribuir-lhe as qualidades sócio-místicas atribuídas ao poder social, económico ou cultural, também é boa forma de o vender. 

Ora, é precisamente isso que se passa na relação da Justiça com a Comunicação Social. Falta é saber quem joga que papel. I.e., se no consumo de detergente para a loiça temos o produtor, o vendedor e o consumidor, necessário será determinar, para a próxima semana, quem nos casos de notícias de justiça tem cada um dos ditos papéis…

Antes, porém, ficou por concluir sobre quais os ingredientes para tornarem qualquer caso num caso mediático. De corrupção ou de qualquer outra “coisa”. 

Como dito atrás, tal lista de compras está à vista de toda a gente: basta que um qualquer dos intervenientes tenha relevância política, social, económica, e o caso será mediático. Outra via é atribuir-se ao arguido tal estatuto… mesmo que o não tenha. Por exemplo, chamar-lhe “o milionário”… ou numa foto fazer um círculo à volta dos sapatos indicando que custarão algumas centenas de euros.

Temos, pois, determinado o que necessário é para que um caso seja mediático: é ter um arguido mediático ou poderoso, seja política, económica ou socialmente. Se o não for, basta que alguém faça crer que ele o é (e este alguém pode ser múltiplo, sendo que a respectiva determinação é tema que daria só por si uma tese de mestrado de Bolonha). 

Se assim se fizer, está instalado o circo mediático em torno do caso. Se for de corrupção, o escândalo oficial é grande, dir-me-ão… mas também o seria se fosse um crime relativo à mais privada da sua intimidade (v.g., uns maus-tratos entre cônjuges, que fazem sempre o gáudio mediático).
 
Advogado
Escreve à sexta-feira

(1) Extraído de Apresentação feita nas “Jornadas sobre Corrupção – Justiça, Comunicação Social e Aspectos Processuais”, Figueira da Foz, 20.06.2015.

Ingredientes para um processo mediático (1)


Para um caso ser mediático é necessário ter um arguido com relevância política, social ou económica, ou então dizer-se que ele a tem… mesmo que não tenha.


Na passada semana demonstrou-se que um caso ser, ou não, de corrupção é totalmente irrelevante para a respectiva mediaticidade. Cabe, portanto, indicar quais os ingredientes necessários para obter um processo mediático… já que o facto de ser de corrupção não integra a lista de compras da secção Justiça.

Ora, os ingredientes são facílimos de identificar. Estão à vista de toda a gente: aliás, as mais básicas regras de marketing e até de vitrinismo utilizadas por publicitários e organizadores de prateleiras de supermercados permitem encontrar resposta à questão. 

Para que um produto se venda mais, não há como colocá-lo na montra do estabelecimento, bem apresentado, como gourmet ou rodeado de fotos sexualmente apelativas de jovens de qualquer sexo, mais ou menos desnudados. Se de prateleiras de supermercado se tratar, deixar uma grande quantidade do produto nas prateleiras do corredor, mas criar as chamadas “gôndolas” ou “topos” de fila, pelas quais as marcas pagam o que for preciso.

Todos sabemos que o consumidor compra por impulso, as mais das vezes guiado pelo vendedor: aquilo que vê primeiro, porque seleccionado para estar numa gôndola ou num topo de fila, é o que irá comprar. Associar um produto ou serviço a um status de sofisticação, apresentá-lo como “in”, atribuir-lhe as qualidades sócio-místicas atribuídas ao poder social, económico ou cultural, também é boa forma de o vender. 

Ora, é precisamente isso que se passa na relação da Justiça com a Comunicação Social. Falta é saber quem joga que papel. I.e., se no consumo de detergente para a loiça temos o produtor, o vendedor e o consumidor, necessário será determinar, para a próxima semana, quem nos casos de notícias de justiça tem cada um dos ditos papéis…

Antes, porém, ficou por concluir sobre quais os ingredientes para tornarem qualquer caso num caso mediático. De corrupção ou de qualquer outra “coisa”. 

Como dito atrás, tal lista de compras está à vista de toda a gente: basta que um qualquer dos intervenientes tenha relevância política, social, económica, e o caso será mediático. Outra via é atribuir-se ao arguido tal estatuto… mesmo que o não tenha. Por exemplo, chamar-lhe “o milionário”… ou numa foto fazer um círculo à volta dos sapatos indicando que custarão algumas centenas de euros.

Temos, pois, determinado o que necessário é para que um caso seja mediático: é ter um arguido mediático ou poderoso, seja política, económica ou socialmente. Se o não for, basta que alguém faça crer que ele o é (e este alguém pode ser múltiplo, sendo que a respectiva determinação é tema que daria só por si uma tese de mestrado de Bolonha). 

Se assim se fizer, está instalado o circo mediático em torno do caso. Se for de corrupção, o escândalo oficial é grande, dir-me-ão… mas também o seria se fosse um crime relativo à mais privada da sua intimidade (v.g., uns maus-tratos entre cônjuges, que fazem sempre o gáudio mediático).
 
Advogado
Escreve à sexta-feira

(1) Extraído de Apresentação feita nas “Jornadas sobre Corrupção – Justiça, Comunicação Social e Aspectos Processuais”, Figueira da Foz, 20.06.2015.