Praticou halterofilismo, futsal e atletismo mas é no futebol que dá cartas. Não como jogadora, onde assume não ser grande espingarda, mas como selecionadora nacional de futebol feminino. Com ela no comando, Portugal sobe no ranking – estamos no lugar 36 – e a modalidade cresce. Agora, Mónica Jorge é diretora do futebol feminino na Federação Portuguesa de Futebol, a primeira mulher de sempre neste organismo. Eis o percurso da menina que aprendeu futebol no campo da Briosa e que hoje é um nome incontornável na afirmação do futebol feminino nacional.
Como nasceu a paixão pelo futebol?
A minha paixão pelo futebol começou como começam muitas meninas, a jogar na rua. Eu vivia numa aldeia na margem do Mondego em Coimbra e a atividade que tínhamos para fazer era jogar a bola. Tinha muitos primos rapazes e então se não me adaptasse àquilo que eles faziam era posta de lado. Mas depois o meu pai também era socio da académica e como não tinha rapazes, levava me a mim a ver os jogos de futebol. Eu inicialmente até ia elas pevides, pelos amendoins, aquelas coisas. A académica naquela altura tinha uma mística muito engraçada, os fados, etc. Eu comecei a perceber as jogadas desde novinha e na rua juntamente com a atividade nasceu aquela paixão. Mas eu gostava de outros desportos, já era uma maria “arrapazada” portanto tudo o que era desporto fora do normal experimentava mas depois na faculdade acabei por escolher aquilo que mais gostava, o futebol.
E a carreira de treinadora?
Quando entrei para a faculdade, escolhi a parte do futebol, principalmente para treinar os miúdos. Na altura, falei com o professor José Peseiro e disse-lhe “Olha um estágiozinho na federação era engraçado” e ele disse “mas eles tem seleção feminina”. E eu nem sabia disso , era um bocado ingénua na altura. E aquilo ficou. Depois, estavam a precisar de selecionadora e fiquei adjunta. Fui ficando, ficando. Eu era uma jogadora razoável, não tinha habilidade para ser craque. A mim a parte da liderança e da gestão de grupos interessava-me um bocadinho. Comecei a treinar o Rio Maior, a treinar os miúdos. Era quase a madrinha de muitos meninos, apaparicavam-me muito.
E como chegou a selecionadora?
Quando apareceu o convite tinha 27 anos, mas já tinha sete anos como assistente de seleções. Foram cinco anos muito bons, a nível de emoções e sensações. Subimos 11 lugares no ranking e começámos a ganhar jogos. As meninas que eu conhecia das camadas jovens, acabei por chamá-las á seleção A. Foi uma família. Foi o inicio de coisas muito boas para o futebol feminino. Agora há que dar continuidade com o novo selecionador.
Depois foi chamada para a federação.
A meio do meu quinto ano como selecionadora, surgiu o convite, não estava a espera. Ia haver eleições na federação, as pessoas que me contactaram eu não as conhecia, mas quando falaram comigo achei que era um passo muito importante, uma mulher na federação. O presidente apresentava um projeto engraçado, e arrisquei. Aceitei, independentemente de saber se ia ganhar ou não. Eu ainda estava como selecionadora, se não ganhasse sabia que perderia a posição como selecionadora. O nosso presidente fez uma aposta grande no futebol feminino e foi o primeiro a convidar uma mulher para a federação. Deixei de ser selecionadora num bom momento da seleção, mas sabia que ter alguém na federação a representá las era muito mais importante para o futuro delas, e espero que não me arrependa no futuro, espero que tenha sido um passo que tenha aberto portas para mais mulheres na federação.
Considera existir discriminação entre o futebol feminino e o masculino?
Não há bem uma discriminação. Nalguns países é mais pela cultura. Nos EUA o desporto é muito vivido no feminino. Em Portugal o futebol está enraizado masculinarmente, a nova geração de pais esta muito mais aberta a por uma menina a jogar futebol, e antigamente isso não acontecia. Muitas vezes a discriminação não e propositada, e porque esta enraizado culturalmente e demora gerações a mudar. Por isso nós aqui na federação temos que ter alguma responsabilidade e mostrar às pessoas que o futebol feminino pode ser bonito e vale a pena os pais meterem as crianças a verem e a jogarem futebol. A minha mãe só agora começou as ver jogos porque eu era a selecionadora. Eu pratiquei halterofilismo e não é muito normal ver mulheres na modalidade. Eu nunca me senti discriminada nesta modalidade mas também e porque é nova. O futebol esta enraizado na nossa cultura como algo masculino.
Como inverter esta tendência?
Temos que investir nas próximas gerações, temos que dar visibilidade à modalidade, temos que ganhar o respeito das pessoas pelo futebol feminino, não só a nível da seleção mas dos próprios clubes, que tem que mostrar aos pais e às meninas que podem jogar futebol sem perder o lado feminino. Mostrar que o futebol feminino pode ser credível, como o atletismo ou o andebol por exemplo. Se o clube fizer uma opção pela modalidade, na área, usar o sistema ligado ao marketing e comunicação na escola, se o clube tiver uma boa imagem junto das crianças, facilmente as coisas mudam. Os pais já dão uma maior liberdade a escolha dos filhos para jogarem futebol e por aí será o caminho.
Ainda existe muito a ideia das marias-rapazes.
Já está bem melhor porque agora as meninas que jogam futebol já não se apresentam tão masculinamente, quer dizer, notam-se que são meninas, são bonitas, apresentam-se bem. Mas é uma ideia que persiste. No outro dia um familiar meu virou-se durante um jogo e disse sobre uma das meninas: “Estás a ver? É outra maria arrapazada como tu!” Mas está a aparecer uma nova geração com nova postura.
Qual o balanço deste mundial?
Bem, nove das equipas nos oitavos jogaram contra Portugal na Algarve CUP e isso demonstra que temos um dos melhores torneios de futebol feminino a nível mundial. A Inglaterra foi a surpresa. Também gostei muito de ver a Colômbia, tem jogadores que conheço muito bem. A Austrália também fez grande campeonato e a França, fiquei muito triste de terem sido eliminadas daquela maneira, mas como o próximo mundial vai ser em casa delas pode ser que tenham mais sucesso. Do Japão podemos sempre esperar tudo. A Alemanha sofreu muitas lesões mas mesmo assim acrescenta jogadoras com muita qualidade
Como justifica o sucesso das seleções femininas de países como EUA, Canadá, Austrália?
Bem campeonato americano começa em maio estão fresquinhas, assim como o inglês que decorre no Verão. São países que encaminham todos os esforços para o futebol feminino. As chinesas são jogadoras muito espertas e muito astutas, esperam para ver o que acontece para reagirem. Nestes países o futebol masculino está pouco desenvolvido e encaminham-se os esforços para o feminino. A china está se a tornar uma potência na Ásia, ao lado do Japão.
Será possível no futuro termos a seleção portuguesa feminina nas grandes competições?
Este momento o nosso foco e o aumento de praticantes. O número de equipas e de atletas tem vindo a aumentar. A nível distrital temos já quase 63 equipas e existe uma estratégia assente no desporto escolar, com torneios inter-escolas, por exemplo. E este ano vai ser realizado o primeiro campeonato nacional de juniores. O campeonato aberto começou com 20 equipas e já vai com 50. Temos nos esforçado e dado apoio mas não podemos dá-los sempre. A partir do momento que tiramos o apoio a equipa morre. Estamos esperançados que com os novos programas aumente o número de opções para jogar futebol a nível regional. Com isto acabam por aparecer clubes mais competentes com mais qualidade física e técnico táctica. A seleção ganha com isso e nas próximas qualificações as jogadoras estão mais preparadas para o embate físico. Já estamos melhor. Fomos aos penalties com china e só perdemos 1-0 com frança. As nossas atletas estão mais preparadas para a competição mas ainda falta um pouco de qualidade.
A FIFA negligencia o futebol feminino?
Preferia no responder porque pertenço ao comité da uefa. Eticamente não posso fazer. Tenho que responder la e não aqui. A fifa tem dado alguns passos no futebol feminino. Este projeto da festa do futebol feminino tem o apoio da fifa – com o live your goals, um apoio pros jovens, que normalmente vai para federações que tem problemas de desenvolvimento. Tudo o que nós pedimos a fifa tem nos sido facultado e isso e fantástico inclusive tem dão apoios as nossas equipas do campeonato nacional. Cada vez mais, as pessoas q tao na fifa lutam muito por esta defesa, mas como e óbvio não tem muitas receitas porque as seleções masculinas e que rendem, as qualificações trazem retorno financeiro. Se a seleção não tiver um patrocinador que ajude e complicado. A fifa depende de outros projetos a nível masculino que conseguem compensar o lado feminino. O campeonato do mundo de futebol feminino do Canadá e óbvio q mexe do ponto de vista financeiro, mas o masculino é talvez 3 ou 4 vezes mais, com televisão e patrocinadores. A fifa gere o seu património em virtude da disponibilidade financeira que tem.
Qual tem sido o investimento da FPF no futebol feminino?
Nem sempre e fácil a gente investir muito, porque as seleções femininas ainda não tem retorno financeiro na federação. Sempre q temos algum retorno vamos investindo. Todos os agentes sociais ligados a modalidade ajudaram nos a chegar ao fim do plano estratégico. É que agora no final o plano apresenta muitos programas mas neste momento só temos 4 ou 5 para poderem avançar já. Torna-se muito difícil quando não existe um patrocinador que apoie o futebol feminino. As vezes tem q ser a própria federação a ajudar a modalidade.
As atletas conseguem conciliar o lado familiar com a modalidade?
Há varias atletas que já foram mães e que estão no campeonato do mundo. No algarve cup muitas das atletas levaram o marido, os filhos, a ama, e ficam no hotel ao lado. Mesmo no atletismo há atletas que já foram mães. Ainda agora a Jessica Augusto foi mãe. Felizmente hoje em dia o companheiro já compreende. Antigamente a mulher tinha q ficar em casa a tomar conta do lar e dos filhos. Hoje em dia a mulher consegue ser mãe, atleta e ainda ter outro emprego. São super mulheres e super homens também porque nem todos os maridos aceitam ter uma companheira assim do seu lado. Muitas vezes os maridos e os filhos estão a ver as atletas em campo e a apoia las e é um apoio muito importante.
Como lidam as atletas com situações de gravidez?
Já aconteceu. São aqueles 4 meses no fim da gestação e quatro meses depois. É um ano de paragem, vá. E às vezes as atletas voltam mais fortes apos este ano. As atletas gerem bem isso, tem filhos numa época mais competitiva e voltam mais fortes, gerem o stress de maneira diferente.
O futebol feminino pode igualar o masculino?
O futebol já e para ambos os sexos. No futuro o futebol feminino pode chegar ao patamar do futebol masculino? Sim, mas não sei se será bom. Há coisas “top”, mas há coisas que já não são boas. O futebol feminino nos últimos 10 anos cresceu imenso, algumas jogadoras são quase estrelas de cinema, como as atletas dos eua que já são grandes referencias. Cada vez mais o futebol caminha para esse lado e o futebol feminino já movimenta alguns milhões. Tem vantagens e desvantagens. Nunca vamos é ter o mesmo tipo de futebol. Não e igual, não e o mesmo corpo, não e a mesma cabeça. É como a final dos 100m masculinos e feminino. É igual? Há expectativa? Da nas televisões? Sim. Apesar dos prémios diferirem um bocadinho, o mediatismo é igual, apesar de terem tempos diferentes. O futebol feminino vai ter o mesmo mediatismo, vai é ter menos intensidade, devido a aspectos biológicos do corpo da mulher, porque não somos todos iguais e ainda bem.