Pensar a corrupção torna-se cada vez mais um exercício fastidioso. O fastio é causado pela constatação de que nesta subárea da minha prática se verificam sempre os mesmos vícios que impedem que a jurisdição faça a Justiça que resultaria dos princípios proclamados pela Constituição e das evidentes normas da Lei Ordinária.
Explico-me começando pela conclusão: sendo esta a terceira vez que, em 2015, sou chamado a pensar o tema da Corrupção, sempre de uma nova perspectiva, apercebi-me uma vez mais de que, no que respeita à prevenção e ao combate à corrupção, está quase tudo errado – seja a política legislativa e a legiferação, seja a prática forense, seja a relação da Justiça com a divulgação pública da sua actuação. Passo à fundamentação da conclusão anunciada.
Em conferência destinada a analisar o fenómeno da corrupção, seu combate e prevenção num plano de estrita circunscrição típica penal e contra-ordenacional, vi-me “meta-odo-logicamente” obrigado a concluir que os tipos ou padecem de inconstitucionalidade, ou foram político-criminalmente mal pensados, ou admitem causas de isenção ou redução de punibilidade que direccionariam a comunidade em sentido inverso ao que aconselham os textos fundamentais sobre a questão – “houve uma tarde e uma manhã: foi o primeiro dia”.
Noutra conferência, em que o encargo assumido foi o de analisar a corrupção no estrito âmbito da função política e administrativa, a reflexão desenvolvida não me deixou senão concluir que inexistiu sempre qualquer verdadeira e intrínseca preocupação social, política, político-legislativa e político-administrativa no sentido de combater aquilo que os autores menos comprometidos com “o sistema” afirmam ser o carácter endémico e cultural dos comportamentos corruptivos de um país latino, relativamente atrasado quanto ao “dever ser” que emerge dos princípios – “houve uma tarde e uma manhã: foi o segundo dia”… “houve uma tarde e uma manhã: foi o terceiro dia”.
Por fim, num seminário em que o objecto de análise era a Justiça Constitucional, no campo da fiscalização concreta da constitucionalidade na área do processo penal, tive oportunidade de ver a quase total irrelevância da jurisprudência constitucional para a criação e o desenvolvimento dos Direitos, Liberdades e Garantias postos em causa em sede de processo penal. Encontrei decisões não só mais avessas aos Direitos, Liberdades e Garantias do que as decisões das jurisdições comuns, como até juízos de constitucionalidade que totalmente se afastam do que é a constitucionalidade principial. Casos em que o princípio é afastado se os contornos do caso concreto assim o impuserem – “houve uma tarde e uma manhã: foi o quarto dia”… “houve uma tarde e uma manhã: foi o quinto dia”.
Porém, ao contrário do Deus do Génesis, findo o quinto dia, não pude concluir como ele, que segundo as Escrituras Sagradas terá visto “que era bom”! Neste papel de Demiurgo analítico-reflexivo conclui o oposto: que é mau! Mas tal como a Criação do Mundo não parou ao “quinto dia”, fui ao “sexto dia” chamado a pensar a Corrupção na perspectiva da Relação da Justiça com a Comunicação Social. Esse será o objecto das próximas crónicas.
(1) Extraído de Apresentação feita nas “Jornadas sobre Corrupção – Justiça, Comunicação Social e Aspectos Processuais”, Figueira da Foz, 20.06.2015.
Advogado
Escreve à sexta-feira