Sónar. Químicos, iPhones roubados e a dose certa de electro

Sónar. Químicos, iPhones roubados e a dose certa de electro


O festival de electrónica de Barcelona aconteceu no fim-de-semana passado pela 22.ª vez.


“Estes gajos aqui ainda são mais fascistas que no Boom”, ouve-se, em português, ao nosso lado. Demasiada coisa a acontecer para nos voltarmos a lembrar disso a não ser alguns dias depois. O Sónar é assim, demasiada coisa a acontecer.

O festival em Barcelona, que cumpriu agora a sua 22.a edição, dura três dias e realiza-se em dois recintos diferentes, um durante o dia, com uma relva sintética que nos faz ter saudades de rebolar no Primavera Sound do Porto, e outro para a noite, na Gran Fira, uma espécie de hangar gigantesco que lembra a FIL, longe do centro da cidade e onde couberam este ano perto de 119 mil pessoas, estimativas da organização.

“O que vais escrever no teu artigo, já sabes?”, insiste um rapaz de Boston, mas com pais portugueses e a viver em Andorra – multiculturalidade é isto – que conhecemos no autocarro para o recinto. “A única coisa que tenho a apontar é o método de pagamento. Este ano não aceitam dinheiro, temos de carregar as pulseiras [com até 300 euros de cada vez] e isso é ridículo.” Pelo menos no Boom ainda aceitam dinheiro, deverão outros pensar.

O Sónar é um mundo. O mundo da electrónica onde cabe um pouco de tudo, desde Bomba Estéreo, uma banda de cumbia electrónica que costuma fazer o circuito de festivais world music (Sines incluído), aos DJ que poucos dias depois estarão a abrir as festas de Verão em Ibiza, com bilhetes de entrada a 70 euros. Depois também há o Sónar+D, outro espaço com concertos e palestras de tecnologia avançada adaptada à música, onde se mostram novos instrumentos como a reacTable, uma mesa de som accionada por cubos que parecem de brincar.

Mas ninguém está aqui para brincadeiras. Até porque o Sónar deste ano tinha Chemical Brothers como cabeças-de-cartaz e o novo álbum, que deverá surgir já em Julho, prometia aguçar-nos o apetite durante mais de uma hora. Ainda assim, preferiram manter a nostalgia com êxitos como “Hey Boy, Hey Girl” ou “Galvanize” e um espectáculo de vídeo e lasers como se ainda estivéssemos em 2006 num Sudoeste qualquer. Apesar de ser futurista, o Sónar faz-nos sempre lembrar o passado. Ou não estivessem lá os Duran Duran a destoar um bocado. E já agora, um pedido, para quando Daft Punk?

Os Hot Chip, tal como os Chemical Brothers, tiveram direito a dois concertos em dias distintos que também não deixaram passar os hits – aliás, fizeram-se disso. A$AP Rocky manteve-nos “Wild For The Night”, embora sem Skrillex no palco, como muitos podiam pensar – esse só tocaria mais tarde. FKA Twigs continua hipnotizante como a vimos há semanas no Primavera Sound, e Róisín Murphy, que estará em Lisboa para o Alive, trouxe um álbum mais parado que o habitual, “Hairless Toys”, mas que ainda assim merece a nossa devoção.

E agora é tempo de agarrar bem todos os pertences porque os Die Antwoord já estão no palco (aliás, são habitués no festival) e os carteiristas estão mais activos que no eléctrico 28. Primeiros saltos de “I Fink U Freeky” e já há mochilas rasgadas com facas e objectos pelo chão. Mais ainda, iPhones desaparecidos, um relógio de 400 euros arrancado do pulso e a segurança em alerta.

No dia seguinte, o “El País” descrevia a saga de sair do recinto ao amanhecer, com a segurança a revistar as malas de todos os que saíam porta fora devido ao “roubo maciço de telemóveis” – a nossa foi pela porta do fundo, mas não roubámos. Isto não é mesmo para brincadeiras.

“Um hipster sente-se beto aqui”, dizia alguém e com razão. Há quem faça do biquíni e botas a farda oficial do festival, há quem caminhe descalço e só de calções pelo recinto às tantas da noite e há quem ande a preparar o traje há semanas para levar – e certamente incluirá alguma coisa fluorescente e pinturas faciais.

As drogas também marcam presença todos os anos e até se fala numa época de seca generalizada na cidade, nessa altura – fora do festival, entenda-se, porque aqui ninguém fica sóbrio. Nem que seja pela música, como no set de Jamie XX com o seu incrível “In Colour”, lançado este mês. Para fechar, Laurent Garnier, um clássico do Sónar, a voltar às origens.
O festival que já se tornou um franchising irá percorrer a América Latina ainda durante este ano, em São Paulo, Buenos Aires, Santiago e Bogotá no mês de Dezembro. No próximo ano regressa, como sempre, à casa de partida, Barcelona, com datas marcadas para 16, 17 e 18 de Junho.