Quando as linhas vermelhas se transformam em rosa


 Poderia ser de outra forma? Poderia, mas talvez implicasse perceber que o não e o sim continuam a valer mais do que o talvez.


Para Isaac D’Israeli, a política era a arte de governar a humanidade, enganando-a.

Estávamos perante uma tese não muito distante daquela que mais tarde Ambrose Bierce viria a sustentar, quando classificou a actividade política como uma guerra de interesses mascarada de luta de princípios. O que importará perceber é que a política, pelo menos no sentido mais comum do termo, é a constante luta pelo poder, uma luta que se trava para o conquistar e, tão ou mais importante do que isso, uma luta que se trava para o manter.

Se no primeiro momento, no momento da conquista, avaliamos princípios, ideais, propostas de acção, já no segundo, uma vez alcançada a vitória, o que maioritariamente está em causa é conservar aquilo que se conquistou. Foi assim no passado, é assim no presente e continuará a ser no futuro.

À direita como à esquerda, a política deixa de ser a arte do desejável para ser a arte do possível, a tal de que Bismarck falou. Só o possível e não o desejável: é esta a única condição essencial para se governar. Algo, afinal, que a direita em nome do realismo cedo descobriu, que uma parte da esquerda mais tarde aprendeu e que a esquerda romântica começa rapidamente a aprender e a descobrir.

Não é assim de estranhar que se fale em linhas vermelhas inultrapassáveis, para que a aparente ligação aos princípios não desapareça. Os políticos sabem que apesar da fria realidade, os valores e a sua defesa continuam a ser importantes na dialéctica comunicacional com os cidadãos.

Por isso, sem negarem o que tem de ser, pretendem sempre argumentar que o poder não justifica a venda da alma ao diabo e que há causas que jamais abandonarão. Fazem-no com ar solene e determinado, jurando a sua diferença e a sua inconfundível postura, mesmo que no minuto seguinte dêem o dito por não dito. Há desses políticos em Portugal, na direita e na esquerda, e surgiram na Grécia.

Lá como cá, as linhas vermelhas há muito se transformaram em linhas rosa, e o que era impossível pela exaltação dos discursos manifestou-se incontornável pela frieza dos números e pela persistência de quem verdadeiramente manda. Poderia ser de outra forma? Poderia, mas talvez implicasse perceber que o não e o sim continuam a valer mais do que o talvez.

Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
Escreve quinzenalmente à quarta-feira

Quando as linhas vermelhas se transformam em rosa


 Poderia ser de outra forma? Poderia, mas talvez implicasse perceber que o não e o sim continuam a valer mais do que o talvez.


Para Isaac D’Israeli, a política era a arte de governar a humanidade, enganando-a.

Estávamos perante uma tese não muito distante daquela que mais tarde Ambrose Bierce viria a sustentar, quando classificou a actividade política como uma guerra de interesses mascarada de luta de princípios. O que importará perceber é que a política, pelo menos no sentido mais comum do termo, é a constante luta pelo poder, uma luta que se trava para o conquistar e, tão ou mais importante do que isso, uma luta que se trava para o manter.

Se no primeiro momento, no momento da conquista, avaliamos princípios, ideais, propostas de acção, já no segundo, uma vez alcançada a vitória, o que maioritariamente está em causa é conservar aquilo que se conquistou. Foi assim no passado, é assim no presente e continuará a ser no futuro.

À direita como à esquerda, a política deixa de ser a arte do desejável para ser a arte do possível, a tal de que Bismarck falou. Só o possível e não o desejável: é esta a única condição essencial para se governar. Algo, afinal, que a direita em nome do realismo cedo descobriu, que uma parte da esquerda mais tarde aprendeu e que a esquerda romântica começa rapidamente a aprender e a descobrir.

Não é assim de estranhar que se fale em linhas vermelhas inultrapassáveis, para que a aparente ligação aos princípios não desapareça. Os políticos sabem que apesar da fria realidade, os valores e a sua defesa continuam a ser importantes na dialéctica comunicacional com os cidadãos.

Por isso, sem negarem o que tem de ser, pretendem sempre argumentar que o poder não justifica a venda da alma ao diabo e que há causas que jamais abandonarão. Fazem-no com ar solene e determinado, jurando a sua diferença e a sua inconfundível postura, mesmo que no minuto seguinte dêem o dito por não dito. Há desses políticos em Portugal, na direita e na esquerda, e surgiram na Grécia.

Lá como cá, as linhas vermelhas há muito se transformaram em linhas rosa, e o que era impossível pela exaltação dos discursos manifestou-se incontornável pela frieza dos números e pela persistência de quem verdadeiramente manda. Poderia ser de outra forma? Poderia, mas talvez implicasse perceber que o não e o sim continuam a valer mais do que o talvez.

Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
Escreve quinzenalmente à quarta-feira