Livro de Paulo Rangel: Jesus não é socialista

Livro de Paulo Rangel: Jesus não é socialista


O eurodeputado Paulo Rangel lançou ontem no Porto “Jesus e a política”.


Jesus é comunista? Socialista? Segundo Paulo Rangel, “um mau samaritano”, não é nem uma coisa nem outra. Nem de direita. No livro “Jesus e a Política. Reflexões de um mau samaritano”, que apresentou ontem no Porto, o eurodeputado põe em dúvida e “em crise” a “ideia da legitimidade da dedução de uma dimensão política programática no ensinamento de Jesus”.

Apesar de afirmar que “é inquestionável a preocupação cardeal de Jesus com os mais fracos, os mais pobres, os mais desfavorecidos, os mais rejeitados, os mais excluídos”, para Paulo Rangel não se pode arrancar “desta asserção”, a partir do legado de Jesus, “de um programa político ‘socializante’ ou até para uma admissão do enfrentamento entre classes ou ordens sociais”. Isso é para o autor – um cristão de cultura católica, como se autodefine – “uma inferência ilegítima”.

Paulo Rangel afirma que “Jesus não exclui ninguém e, por conseguinte, em momento algum exclui ou afasta os ricos e poderosos”. Exemplos: “Jesus come frequentes vezes em casa de gente rica e/ou prestigiada na vida social daquele tempo – lembremos o convite do fariseu Simão em que a pecadora lava os pés de Jesus e os enxuga com os cabelos; a amizade com um judeu proeminente como Nicodemo, a relação com José de Arimateia que era membro do Sinédrio; a disposição de Jesus para ficar em casa de Zaqueu, que era chefe dos publicanos, ou então o diálogo paciente e ilustrativo com o jovem rico”.

A mensagem de Jesus, escreve Rangel, “não se circunscreve aos pobres e excluídos, num sentido puramente económico ou social, mas antes se orienta para todos sem excepção, mesmo os que têm uma vida mais fácil e bem sucedida”.

Com base nestes pressupostos, Paulo Rangel conclui que “esta abrangência universal e englobante afasta, desde logo, uma qualquer leitura programática que arranque de uma identidade de posicionamento na escala social, económica, cultural ou outra”. “A proposta de Jesus dirige-se a cada um deles e a cada um de nós – a todos sem contemporizações nem excepções e, por isso, não convive facilmente com a segmentação e o fraccionamento que, por definição, alimenta a tensão política”.

Paulo Rangel defende que “a justiça de Jesus não é uma justiça redutoramente social ou política”. Os padrões do ensinamento de Jesus “casam mal com um programa que possamos apodar de ‘social’ ou de ‘socialmente equitativo’ no sentido político, doutrinário ou até idealmente filosófico do termo”. Isto porque “justamente as categorias de Jesus transcendem a política, os seus parâmetros e os seus pólos de tensão”.

Rangel dá exemplos: “Quando a viúva pobre lança apenas dois leptas no Tesouro e os outros jogavam maiores somas de dinheiro, Jesus observa que ela faz muito maior esforço do que todos os restantes. Ela dá tudo o que tem. E apesar daquele montante lhe fazer, a ela, ostensivamente falta, nós não ouvimos Jesus afirmar – como exigiria uma ideia humana e contemporânea de solidariedade e equidade político-social – que ela deveria estar dispensada de dar e que porventura deveria ainda receber dos outros (ou dos cofres públicos)”. Rangel dá vários exemplos de passagens dos Evangelhos. “Basta pensar na justiça paterno-filial do filho pródigo, no conformismo da afirmação de que ‘pobres sempre tereis convosco’, na aceitação do bálsamo ou do perfume caro derramado por Maria, irmã de Lázaro, no recurso sistemático à imagem dos servos sem se rebelar expressamente contra a servidão”.

“Política do amor”  Passando em revista vários episódios da vida de Jesus Cristo, Rangel conclui que fica “transparente que os seus critérios e parâmetros se situam num plano que não é nem pode ser o da forja ardente de um programa ou ideário político. Com efeito e na realidade, nada têm que ver com as exigências de organização social, de justiça distributiva, próprias da política e das suas demandas”. Para o político social-democrata – que chegou a ser candidato à liderança do PSD – “ao invés prendem-se com categorias e padrões de conversão pessoal, de generosidade, de entrega e amor”. “Ora dificilmente se pode estruturar uma opção política, com todo o seu lastro e a sua inércia, nessa força telúrica e vital dos humanos que é o amor”. A menos que se quisesse falar, “sem consequência e com evidente contradição nos termos, numa ‘política de amor’”. E essa é a de Jesus, mas não cabe “nas realidades e transcendências” que o autor está a tratar.