Os resultados acumulados das sondagens, as análises dos comentadores e a percepção geral colhida nas ruas indiciam, nesta altura, que António Costa não vai obter a maioria absoluta nas legislativas.
Existe apenas, e mesmo assim com alguns sectores reticentes, a convicção de que o PS deverá ser mais votado do que a coligação PSD/CDS, o que, convenhamos, é o serviço mínimo que se pode exigir a Costa e que já estava, na prática, garantido pela liderança de António José Seguro.
Depois de ter apoiado Seguro a seguir à vitória deste nas autárquicas, António Costa deu a ideia de que poderia ambicionar um “resultadão” que levasse o PS a uma razia eleitoral ao jeito de Sócrates ou, vá lá, de Guterres na versão de empate em número de assentos na Assembleia.
Mas foi sol de pouca dura. Aos poucos, perdeu gás. Ficou sem discurso empolgante. Entrou no campo das promessas. Recuou depois quando confrontado com a realidade, ao ponto de admitir um programa que mexe na TSU. Centrou-se num discurso mais reactivo do que diferenciador e afirmativo. O próprio líder socialista já não fala sequer em maioria absoluta. Baixou a fasquia. As suas iniciativas, convenções e intervenções não tiveram chama. Para alterar as coisas, ainda tem tempo mas vai ter de dar muita corda aos sapatos, para usar uma expressão que voltou à baila.
Há várias explicações para este fenómeno imprevisto. Primeira, que Costa está a retrair-se estrategicamente para melhor atacar depois e ir em crescendo. É, digamos, a versão optimista, que não pode, naturalmente, ser descartada. Segunda, que a coligação está a dar mais luta do que se esperava, através de um discurso frontal e realista, beneficiando da ideia (verdadeira ou falsa) de que o pior já passou e que o PS pode deitar tudo a perder outra vez. Terceira, que o universo à esquerda do PS está a pulverizar-se e o PCP a afirmar-se cada vez mais, o que impede o crescimento do PS nessas águas. Qualquer das duas últimas tem, obviamente, fundamentos políticos e sociológicos fortes.
Mas há outro argumento que está a ser cada mais usado. É o de que o caso Sócrates prejudica muito o PS e pode ainda fazer mais mossa. Com devido respeito por quem a defende, essa tese pode não ter sustentação. Isto porque a situação de Sócrates e até uma eventual acusação conhecida no tempo da campanha eleitoral acabaria por atingir praticamente toda a classe política e não só o PS. Desde logo, porque uma segunda onda de choque teria alta probabilidade de ter o efeito de desmobilizar ainda mais eleitores. Provavelmente atingiria mais os partidos do arco constitucional e governativo, deixando de fora o PCP, o PDR e as organizações mais à esquerda.
A avaliação dos portugueses sobre o caso Sócrates não iliba o ex-governante, mas fundamenta a tese de que os políticos são todos iguais e uma corja que vive à grande, à conta dos pequeninos. Trata-se mais disto do que de focar culpas num único partido.
Aliás, ninguém ignora que em todos os partidos de poder houve casos escabrosos e escandalosos dos quais apenas uma ínfima parte levou a condenações judiciais. Só essa situação gerou uma percepção de que a corrupção é generalizada em Portugal e noutros países, como a Espanha aqui ao lado. E, apesar de tudo, não foi por isso que entre nós as eleições deixaram de ser ganhas em alternância pelos mesmos partidos.
O tema Sócrates não é um caso só do PS. É, na realidade, um assunto de regime que tem fatalmente de mexer com toda a classe política e com os interesses económicos com que esta promiscuamente convive.
Salvaguardadas todas as proporções, pode-se recordar que o PS, precisamente com Sócrates na liderança, não deixou de vencer as eleições com uma inédita maioria absoluta de esquerda de um só partido, depois de um dos seus altos dirigentes ter sido preso preventivamente na sequência do caso Casa Pia, relativamente ao qual não foi acusado. Depois disso, ainda mudou de líder, o que naturalmente agitou as águas. Haveria pior cenário para um partido? Certamente que não. E, no entanto, foi o que se viu.
Nos últimos dias, muitos comentadores acharam entretanto que a notícia da possível libertação de Sócrates revelada pelos seus advogados terá abafado importantes reuniões socialistas, prejudicando profundamente António Costa e o PS. Falou-se mesmo de vingança por parte de Sócrates. Talvez. Mas na verdade não foi esse o motivo que levou a comunicação social a desviar atenções. O que na realidade esmagou mediaticamente tudo e mais alguma coisa foi a transferência de Jorge Jesus para o Sporting.
No estado actual das coisas, para recuperar a pedalada perdida, António Costa só tem uma solução: pegar na bicicleta e dar muito à perna com metas lúcidas, claras e exequíveis. E já se viu que quando ele está em forma consegue bons resultados. Foi assim com a sua dupla eleição em Lisboa, entrando no eleitorado de centro- -direita. Não há que saber: basta repetir a estratégia em vez de complicar, embora a verdade mande dizer que Passos Coelho não é propriamente Fernando Seara. É outra loiça.
Jornalista
Director da Newshold
Escreve à quarta-feira