Diogo M. Borges. O contador de histórias

Diogo M. Borges. O contador de histórias


Decore este nome porque ainda vai ouvir falar muito nele. Se estiver em Lisboa, pode assistir hoje à sua primeira curta, “Emília”, no Teatro do Bairro. Um filme nomeado para o NY Portuguese Short Film Festival.


É a jóia da coroa. Chama-se “Emília” e é a primeira curta de Diogo M. Borges, um jovem realizador de 27 anos. Retrata a crise do seu país, da sua geração, os medos e as inquietações. Metade do guião foi escrito em Londres, onde vive há sete anos, a outra metade no Porto, onde nasceu.

“Foi importante vir a Portugal para perceber a atmosfera, sentir o estado de espírito.” A crítica concordou que valeu a pena e o filme, votado para o NY International Film Festival, já esteve em Nova Iorque, Londres, Cascais, Macau, Sydney, New Bedford, Vancouver e, agora, Lisboa.

Recolher os louros é simpático, mas o caminho não foi sempre fácil. No entanto, Diogo parece ter-se esquecido das partes gagas. Os momentos complicados evaporaram-se e, como que por magia, ficaram apenas as boas recordações, as lembranças das pessoas “fantásticas” com quem trabalhou, dos “bons profissionais” com que se cruzou. “Fui abençoado”, assegura.

Terá sido, quem somos nós para duvidar, a começar pelo seu imenso talento. Mas e o financiamento, por exemplo? Bem, houve um processo de crowdfunding (financiamento colectivo). Ah pois, uma conta bancária, um NIB, uma rede social, família, amigos, amigos de amigos, conhecidos, muita fé e alguma insistência. Foram meses um tanto aflitos, mas tudo acabou por se resolver.

“Sempre acreditei que quem muda as coisas são os políticos e os cientistas. Os cineastas retratam histórias para ajudar a reflectir”

Diogo concorda que o dinheiro é um dos problemas do cinema, sobretudo do português, que não tem dimensão. Vasco Pulido Valente, que foi secretário de Estado da Cultura, diria que “nenhum filme português pode recuperar o que gastou, a não ser um filme cheio de malabarismos que consiga um orçamento muito baixo”. E ainda que “em Portugal o cinema não tem público para pagar um filme normal, uma longa-metragem ou mesmo uma curta. Portanto, tem de ser sempre subsidiado. Por um lado não tem público; por outro, à conta da liberdade estética, pode fazer-se o que se quiser – o que levou, por exemplo, o senhor César Monteiro a fazer um filme inteiro a preto, expôs a película. Lata não lhe faltava”.

Talvez. Mas isso era dantes. Diogo faz parte de outra geração e vai provar o contrário. Para já, não se resigna. “Tenho visto muito e bom cinema português e começa a haver interesse também por parte de produtoras, mesmo a nível internacional. Temos de aprender a captar novos públicos. O que não podemos, em qualquer dos casos, é deixarmo–nos acomodar.” E foi isso que fez: deitou mãos à obra e foi muito além do argumento, da realização e da montagem da sua curta.

A Central Film School London, onde se licenciou, tem esta grande vantagem: “No final, o processo de ensino é muito real, como se estivéssemos já no mercado de trabalho, com tudo o que exige uma equipa para produzir um filme a sério, do guião ao director de fotografia”, conta. E foi essa experiência, o seu trabalho de assistente-editor, a sua participação na longa-metragem “Breakfast with Jonny Wilkinson” e o facto de ter terminado o contrato com a Bullion que o levaram a achar que era tempo de avançar com o seu projecto pessoal.

“Emília” (Diana Costa e Silva), que estará hoje e amanhã em exibição no Teatro do Bairro, em Lisboa, retrata a vida de uma arquitecta de 29 anos que, no último dia do seu estágio, irá saber se terá ou não um lugar na empresa onde trabalha. Nesse mesmo dia, diversos protestos ocorrem um pouco por todo o país e a jovem sente-se obrigada a reprimir o sentimento de revolta para alcançar os seus objectivos. Mas, se a posição não for sua, tudo pode mudar.

“A inspiração para este filme veio dos meus próprios medos e preocupações, como parte da geração de desempregados ou da geração ‘nem--nem’”, explica Diogo M. Borges. Mas nunca pretendeu mudar nada. “Sempre acreditei que quem muda as coisas são os políticos e os cientistas. Os cineastas retratam histórias para ajudar a reflectir. E esta era uma história que precisava de ser contada, não para incitar à revolta, mas antes para criar compaixão.”

E é isto que Diogo quer continuar a fazer, a contar histórias no grande ecrã. O próximo projecto já está em marcha: uma longa-metragem, se tudo correr como esperado, para co-produzir em Portugal – o “Emília” foi todo filmado no Porto. “Temos um belíssimo país para gravar em termos cinematográficos, pela luz e pela beleza. E existe também um enorme talento em Portugal: actores, realizadores, tudo. Só temos de saber conciliar isso com o público, que é cada vez mais inteligente.”