Doentes com cancro têm nova esperança

Doentes com cancro têm nova esperança


O i falou com um dos médicos envolvidos no ensaio que está a gerar uma onda de entusiasmo.


Resultados “espectaculares”. Um “murro poderoso” contra uma das formas mais agressivas de cancro. Uma “mudança no jogo” no tratamento da doença. As conclusões de um ensaio clínico publicado no domingo na edição online da revista médica “New England Journal of Medicine” e a discussão de um novo tipo de medicamentos num congresso internacional de oncologia em Chicago, onde não se poupou no entusiasmo, está a fazer correr tinta em todo o mundo. Pela primeira vez, a combinação de dois medicamentos oferece uma hipótese de cura inédita a casos muito graves de melanoma metastizado. Por agora os resultados mais tangíveis são mesmo nesta forma agressiva de cancro da pele, que mata mais de 200 pessoas por ano em Portugal. Mas há outras moléculas do mesmo tipo em estudo para outros tumores

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Em causa estão os resultados de um ensaio clínico de fase 3 para a eficácia do tratamento de melanoma metastizado com a combinação de dois medicamentos, o ipilimumab e o nivolumab. Todos os anos são diagnosticados mais de mil melanomas em Portugal e a maioria resolve-se com cirurgia, mas quando isso não funciona e a doença alastra é preciso recorrer a medicação. Além da quimioterapia, em 2011 o ipilimumab foi aprovado na Europa como o primeiro medicamento específico para esta doença em estado avançado. Já o nivolumab, que também está a ser avaliado para tratar cancro do pulmão, aguarda aprovação para ser comercializado na Europa.

Segundo o estudo publicado no “NEJM”, é contudo a combinação dos dois que parece mais promissora. Entre os doentes que tomaram os dois medicamentos, o tratamento funcionou em 57,5%, ou seja, numa maioria dos casos o tumor encolheu. Nos doentes tratados apenas com ipilimumab – a terapia que hoje já está disponível – o tratamento resultou em apenas 19%. Já os que usaram o nivolumab, medicamento que ainda não é comercializado a nível europeu, a taxa de resposta foi de 43,7%.

Mas mais promissora ainda foi a duração da resposta. Nos doentes que tomaram a combinação, o tempo médio em que a doença não progrediu foi de 11,5 meses, contra 6,9 meses no nivolumab e 2,9 meses no ipilimumab separadamente. Se os resultados se confirmarem a longo prazo e a doença não regressar, significaria melhorar significativamente o prognóstico mesmo nos casos mais graves de uma doença que tem vindo ser cada vez mais frequente devido ao pouco cuidado com a exposição ao sol.

Que revolução é esta? Lars Bastholt, médico dinamarquês e um dos autores do artigo no NEJM, diz que os resultados inéditos justificam o burburinho em torno da notícia. “Para um médico que trate melanoma, isto é fantástico. Há dez anos todos os doentes com melanoma metastizado morriam da doença”, disse ao i.

João Oliveira, director clínico do IPO de Lisboa, considera também que são boas notícias, mas sublinha que importa esperar para ver os resultados a longo prazo e se de facto estes medicamentos alteram a história natural da doença. Ou seja, se o melanoma se torna uma doença crónica e não fatal. “Ainda é cedo para sabermos”, disse ao i.

Para já, os dois medicamentos são a concretização mais palpável daquela que é considerada a promessa do tratamento de oncologia: a imunoterapia. Em vez de impedir as células cancerígenas de se dividirem destruindo os tecidos (o papel da quimioterapia convencional), estes medicamentos funcionam ligando-se a células do sistema imunitário dos doentes para reforçar a resposta contra os tumores e tornar mais eficaz a destruição das células malignas. No fundo, na mesma linha das investigações que pretendem criar vacinas contra o cancro ou mesmo transfusões de células do próprio doente manipuladas no exterior, como é o caso das famosas células dendríticas.

Só que tudo isto tem revezes: o estudo publicado do NEJM concluiu por exemplo que a incidência de efeitos adversos é maior nos doentes que tomaram a combinação, tudo aspectos que têm de ser avaliados para um novo tratamento ser aprovado.

João Oliveira admite por isso que esta promessa não é para concretizar “amanhã”, já que serão precisos mais dados para a Agência Europeia do Medicamento aprovar a combinação.

Segundo o especialista, além do nivolumab, há mais moléculas do mesmo género em estudo que poderão funcionar noutros tumores, do pulmão, da próstata ou do intestino, que terão de seguir o mesmo caminho. Em cinco anos, contudo, apenas é de esperar que possam substituir a quimioterapia no melanoma avançado. Depois da aprovação a nível europeu, os países terão ainda de negociar com a indústria farmacêutica até que a medicação chegue de forma generalizada aos hospitais.

Por exemplo, depois de o ipilimumab ser aprovado a nível europeu a farmacêutica pedia 80 mil euros por tratamento. O medicamento foi aprovado no SNS em 2014 e actualmente ronda os 35 mil euros por doente, sendo usado apenas nos casos avançados. A quimioterapia convencional para esta doença, que funciona menos vezes e por menos tempos, custa em média 800 euros/doente, pelo que se percebe o desafio financeiro que os sistemas de saúde têm pela frente se quiserem adoptar as inovações que fazem diferença na vida dos doentes. “Como é que se vai conseguir pagar? Não sei. O que posso dizer é que, apesar de serem caríssimos, até agora não vimos um limite na vontade de pagar por parte do Estado. Não sei como vai ser no futuro”, diz Oliveira.