“A democracia, actualmente, funciona como uma desresponsabilização das pessoas.” Luís Miguel Cintra
2015 é o ano em que, na Europa, vários países foram, nuns casos, e irão, noutros, a votos. São muitas as eleições que já se realizaram em alguns países. E serão ainda muitas mais aquelas que irão realizar-se até ao final do ano. Eleições que ocorrem num ano em que a democracia europeia e os seus sistemas políticos estão (e vão continuar a estar, cada vez mais) a ser postos à prova. Num tempo europeu cheio de problemas, inquietações, frustrações e, acima de tudo, incertezas.
Muitos dos elementos estruturantes da democracia europeia, de base demoliberal, foram, estão e vão continuar a ser testados na sua relação com os cidadãos e os particulares e instituições em geral. Elementos estruturantes, esses, como os sistemas eleitorais e os sistemas de partidos. Que na base das suas diferenças e semelhanças, de país para país, continuam a não conseguir saber lidar com vários bloqueamentos dos sistemas jurídico-políticos nacionais. Desde logo, com as altas taxas de abstenção na generalidade dos países, que têm vindo a assumir-se como um enquistamento muito grave. Colocando fora da participação política milhões de cidadãos, muitos deles essenciais para o reforço da democracia política, cultural, económica e social em vários Estados europeus.
A abstenção tem várias causas, motivações e impactos. De entre as quais subjaz a pior espécie que existe de alheamento político. Aquilo que poderemos qualificar como uma espécie de apatia racional dos eleitores. Uma categoria de abstenção devidamente pensada e decidida. Por parte de cidadãos e cidadãs com opinião bem estruturada relativamente a várias matérias da actualidade. De pessoas oriundas dos sectores mais dinâmicos, com actividades profissionais muito associadas à cultura, à inovação e a actividades em que as industrias criativas estão em maioria. Gente essencial para a modernidade das sociedades europeias.
Este divórcio (que silenciosamente se tem acentuado) entre o voto e esta categoria de cidadãos tem vindo a degenerar numa espécie de apatia racional dos eleitores, algo de muito diferente da abstenção e do alheamento político, mais clássico. Na Europa e em Portugal, para combater este tipo de “nova” abstenção, em tempo eleitoral, a psicologia eleitoral, o discurso político, o posicionamento mediático, as refregas programáticas são quem mais e melhor pode fazer para combater esta apatia racional dos eleitores.
No nosso caso temos pouco tempo para fazer esse caminho. Um caminho que nos conduza à elevação do debate político e programático, sem demagogias e populismos dispensáveis e sem ruídos e polémicas estéreis.
Eu sei que fazer estas mudanças a tão pouco tempo de actos eleitorais importantes não é fácil. E tenho a consciência de que quem o propõe está em minoria. Mas no meu caso, sou ingénuo e, por isso, ando a tratar-me. Porque a nossa cultura política (e não só) está pelas ruas da amargura. E não me resigno ao protesto pelo protesto, a agendas mediático-políticas básicas, carregadas de irrealismo e de negação da realidade. E resultando de disfuncionalidades mediático-políticas que se alimentam do escândalo, da justiça do cárcere, do império das corporações e de um cunho mesquinho e de curto prazo no que diz respeito à governança nacional.
Não é esse, creio, o país da maioria dos portugueses. E é também por esse país que a apatia racional dos eleitores tem de ser travada e revertida. Correndo o risco, se nada for feito, de termos cada vez mais os melhores dos portugueses alheados da participação não só eleitoral, mas também política na defesa dos superiores interesses de Portugal.
Escreve à segunda-feira