Portugueses no divã. Conservadores na cama mas competentes no trabalho

Portugueses no divã. Conservadores na cama mas competentes no trabalho


Dividimos Portugal por áreas e fomos conhecer os portugueses pelos olhos de quem melhor nos consegue avaliar. 


O diagnóstico muda se falamos do português como estudante ou como trabalhador, em contexto familiar ou na relação amorosa. Se a nível sexual somos preconceituosos e conservadores, no trabalho procuramos sempre saber mais. Na justiça não nos aventuramos em crimes muito violentos e, mesmo nos pequenos delitos, justificamos os actos com o álcool e drogas. A sexóloga Vânia Beliz, o psicólogo Tiago Lopes Lino, a terapeuta familiar Cláudia Morais, a psicóloga Conceição Teixeira, o especialista em questões laborais Samuel Antunes e o psicólogo forense Rui Abrunhosa Gonçalves ajudam-nos a perceber como se comporta Portugal no sexo, no amor, em família, na escola, no trabalho e perante a justiça.

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No amor

Chegam sozinhos ao consultório, quando na maioria das vezes o problema é do casal. E sugerir que a consulta seja conjunta é motivo suficiente para que não regressem. Tiago Lopes Lino admite que grande parte dos casais que o procuram estão já numa fase terminal, e só o fazem quando estão esgotadas todas as outras hipóteses. “O mais interessante é que muitas vezes ainda há amor, ainda gostam um do outro, mas estão numa fase de grande saturação.” O psicólogo, que tem uma tese publicada sobre o amor, acredita que a crise deixou entrar a irritabilidade e a depressão em casa dos portugueses e que isso se reflecte nas relações amorosas. Além disso, nota uma tendência para um menor espírito de sacrifício, até porque “é preciso muito pouco para porem um ponto final nas relações”.

As queixas são as mesmas desde que o mundo é mundo. “Ele não cede, ela não me compreende, ele não me ajuda, são as frases que mais ouço dos meus clientes”, conta.

Para os casais portugueses, Tiago Lopes Lino aconselha aquilo que detecta como uma falha comum em quase todos: espaço. “É normal e é saudável que cada um tenha tempo para si e para estar com os amigos.” Uma cobrança sistemática não é saudável e o psicólogo acredita que esta falta de privacidade foi potenciada pelas redes sociais. Ao seu consultório chegam queixas de que o parceiro passa demasiado tempo agarrado ao computador ou ao telemóvel, casos de ciúmes ou de cobrança para ter acesso às passwords. Quanto a isso, o psicólogo deixa o alerta: “Quem procura o que quer, vê o que não quer.”

No sexo

Na hora de procurar ajuda para resolver questões sexuais, são os homens os primeiros a tomar a iniciativa. “Têm a sua intimidade muito centrada no desempenho e, quando algo não corre bem, querem resolver o problema da forma mais rápida possível.” A sexóloga Vânia Beliz obriga-se a fazer um exercício de análise, mal o cliente entra no seu consultório. “Tenho aqueles que chegam e dizem directamente: não consigo ter uma erecção. E aqueles que dizem: isto não funciona.” Basta esta diferença na linguagem para que a sexóloga perceba o à-vontade em falar sobre o assunto.

Apesar de lidar com diferentes tipos de pacientes ser um dos desafios para uma psicóloga clínica, é quando sai do consultório que Vânia se depara com as barreiras mais difíceis de ultrapassar: “Quando vou a escolas, não imagina a quantidade de miúdos que não sabem usar um preservativo, não sabem como tomar a pílula e os que nem conhecem a contracepção de emergência.” A informação que chega aos mais novos nem sempre é clara e torna-se difícil de filtrar com o acesso ilimitado à internet: “Temos jovens mais ansiosos e que, por exemplo, tomam medicamentos para melhorar o desempenho sexual.” Na vida adulta, Vânia sente que as dificuldades no trabalho e nas relações se reflectem na vida sexual, “mais não seja porque se recorre à toma de antidepressivos e todos sabemos o efeito negativo que têm no desempenho sexual”.

Na escola

Conceição Teixeira trabalha como psicóloga em contexto educativo há mais de 20 anos e consegue, por isso, fazer uma síntese da mudança no comportamento dos jovens ao longo dos últimos anos: “Estão menos preparados para os compromissos e emocionalmente mais imaturos.” A isso, a psicóloga, que presta serviços na empresa Territórios Internos, associa a excessiva protecção dos pais. “Fui criada para agradar aos meus pais, agora são os pais que se preocupam em agradar aos filhos”, diz, ironizando por um lado mas justificando por outro: “Os pais têm vidas muito complicadas, que os deixam sem tempo para a família.

Para compensar, dão brinquedos e não dizem não a quase nada.” O contacto com pessoas e com a natureza é aquilo que Conceição considera estar em falta entre as crianças portuguesas: “Se damos determinado brinquedo a uma criança, ela pergunta o que é que aquilo faz, enquanto nós de um pau fazíamos um avião.” O estarem mais ligados a telemóveis, tablets, computadores e televisões dá aos alunos de hoje a facilidade de lidar com o imediato, mas falta o desafio de lidar com a reflexão, algo que se vê, por exemplo, na dificuldade que têm em interpretar um texto na escola. Apesar de não gostar de “psicologizar”, Conceição Teixeira considera que é urgente uma maior presença de psicólogos nas escolas, que apoiem tanto os encarregados de educação como os alunos. “Os pais têm tendência para deixar o miúdo no psicólogo à espera que tratem dele quando, na maioria dos casos, o trabalho tem de ser feito com toda a família”, remata.

No trabalho

São os 30 anos em contacto directo com os trabalhadores portugueses que dão ao psicólogo Samuel Antunes a autoridade para traçar um perfil do português profissional. Organizado em forma de lista, o português é responsável, dedicado, empenhado, competente e preocupado com a qualidade do seu trabalho. A lista continua: é capaz de encontrar soluções mesmo que para isso tenha de improvisar, tem níveis de formação muitas vezes superiores ao necessário e a maioria procura evoluir na carreira.

Tudo isto seria perfeito, não fosse a lista de características das empresas portuguesas não ter o mesmo número de pontos positivos. “O trabalho está associado a insegurança, incerteza, precariedade e horários de trabalho alargados”, lembra o psicólogo, recorrendo a um estudo da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho que põe os portugueses entre os trabalhadores europeus que mais sofrem de stresse (59%). A par deste sintoma estão os quadros de pânico, as insónias, a ansiedade e a depressão, algumas das queixas mais comuns: “Claro que estas queixas psicológicas são muitas vezes acompanhadas de queixas físicas como dores de cabeça, dores musculoesqueléticas, problemas de pele ou cardiovasculares”, explica Samuel Antunes, para quem um trabalho de prevenção seria muito mais vantajoso, até porque o custo do stresse nas empresas é de 300 milhões de euros anuais.

Em família 

A sexualidade, o dinheiro e a educação dos filhos são os temas que mais dores de cabeça dão aos portugueses e que justificam mais idas ao psicólogo. A terapeuta familiar Cláudia Morais acredita que estes são assuntos transversais e aquilo que vai mudando é a dinâmica familiar. “Temos novas formas de família e isso traz novos desafios”, esclarece, lembrando que se nas famílias tradicionais os problemas tendem a surgir depois de algum tempo, nas famílias reconstruídas os desafios surgem logo no início. “As famílias vão-se adaptando, depois há quem tenha tendência a dramatizar e quem ultrapasse os problemas com mais facilidade”, refere a psicóloga.

Seja entre o casal ou na relação entre pais e filhos, é o sentimento de desconexão que mais leva a um pedido de ajuda profissional. “Precisamos de sentir de uma forma constante que a pessoa que temos ao nosso lado se preocupa com o que sentimos e responde com afecto às necessidades que somos capazes de verbalizar.”
Cláudia Morais não vê a crise como um factor de consequências generalizadas, até porque há casais que não são afectados por esse tipo de problemas. A psicóloga esclarece que “para muitos, as dificuldades levam a uma maior entreajuda e a uma resposta dada com afecto”.

Na justiça

A análise de Rui Abrunhosa Gonçalves faz apagar da memória algumas das manchetes que contam as histórias mais violentas do país. “No geral, somos um povo pacato e as nossas taxas de criminalidade são comparativamente mais baixas que a média europeia”, lembra o psicólogo forense, que aproveita para lembrar que são raros os crimes de violência extrema e as taxas de homicídio têm vindo a baixar, excepto na conjugalidade.

Ao traçar o perfil do criminoso português, Rui Abrunhosa Gonçalves refere-se a indivíduos de baixa escolaridade e pouco diferenciados profissionalmente que cometem crimes contra o património, em muitos casos sob o efeito de estupefacientes ou de álcool. Aliás, são os crimes contra o património – furtos e roubos – os mais comuns em Portugal. Ainda no top estão os crimes associados à droga e os que envolvem agressões físicas. Crimes sexuais e de colarinho branco são os que mais enchem as prisões, apesar de não se enquadrarem no perfil traçado para o criminoso comum.