A Irlanda votou favoravelmente a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Foi para mim, tenho de o confessar, uma surpresa. Surpresas à parte, o referendo teve um mérito: permitir que de forma frontal os cidadãos dissessem o que pensavam. A isso chama-se democracia e democracia leal e com rosto. Seria por certo um exemplo a seguir em Portugal.
E um exemplo que não se ficasse pelas meias-tintas, coloridas aqui e ali por artigos que exultam com a coragem e a lição da Irlanda, escritos muitas vezes por pessoas que navegam entre um mundo de aparente conservadorismo tradicionalista e a circunstância de não dizerem o que pensam e o que são. Pessoas que gostam de ter o voto de quem é contra o casamento entre indivíduos do mesmo sexo, ainda que a sua ideia, opinião e opção seja diametralmente oposta.
Para que não haja equívocos, respeitando quem pensa o contrário, se um referendo dessa natureza viesse a ocorrer entre nós eu votaria não, mas esperaria que os que ficaram felizes com a vitória do sim irlandês, principalmente os que se dizem de direita, não se limitassem a proferir declarações cheias de nada. E já agora que tivessem a ousadia de elevar o debate libertando-se de slogans imbecis como aqueles que ainda ontem Paulo Rangel apresentava no jornal “Público”, para classificar quem pensa de forma diferente de si.
A democracia não se consolida com anátemas de radicalismo lançado sobre quantos se revêem em valores distintos. Bem pelo contrário, a democracia cresce com a possibilidade de existir debate e de se permitir que o voto decida em função de escolhas livres. Espero assim que Paulo Rangel e tantos outros que em silêncio o acompanham estejam disponíveis para promover em Portugal um referendo igual ao da Irlanda. Até para que não se diga que os irlandeses são mais democráticos e corajosos que os portugueses.
Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
Escreve à quarta-feira