Rule of law (II)


Resultante dos muitos casos, a exigência social a respeito do “rule of law” aumentou no nosso país


O meu interesse sobre as percepções actuais do “rule of law” não resultou tão-só de ter deparado com o admirável ensaio de Goldston, que aqui abordei no artigo anterior.

Foi, sim, a situação portuguesa que suscitou esse interesse e que, precisamente, me conduziu à sua leitura.

Nós, portugueses, temos sido, desde o 25 de Abril, confrontados com visões diversas sobre o “rule of law”.

Essas diferenças podem ser observadas tanto no modo como os órgãos do poder político perspectivam na prática o âmbito de tal conceito, como na forma como a jurisprudência dos diversos tribunais – neles avultando a do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional – o vai interpretando.

Tal dispersão de perspectivas é, claramente, consequência da maneira como a sociedade encara o respeito pelo “rule of law”, mas influencia, ela própria, a sua exigência relativamente a ele.

Para se alcançar a visão social actual sobre o âmbito do “rule of law”, importa compreender não só as suas múltiplas interpretações conceptuais como as derivas oportunistas que a sua concretização circunstancial foi assumindo nos planos político, legislativo ou judicial.

Hoje, fruto dos muitos casos que evidenciaram o desrespeito sistemático a que o “rule of law” foi sujeito no nosso país e das consequências graves que tal desacatamento implicou para os portugueses, a exigência social a seu respeito aumentou.

Essa reivindicação não se refere, contudo e apenas, ao rigoroso respeito formal pelas normas legais – o que já não seria pouco –, mas projecta-se também numa dimensão cada vez mais abrangente do que ele deve ser no plano substantivo e na forma como os tribunais o fazem, de facto, cumprir.

Perante a dimensão da crise que afectou o país, mesmo que muito limitadamente, o nosso Tribunal Constitucional foi conduzido a aceitar uma leitura muito mais ampla de tal princípio, rasgando assim algumas fronteiras procedimentais e formalistas em que, entre nós, a jurisprudência o encerrara.

Por ora, o desconforto com essa abertura e com e a exigência social crescente relativamente ao respeito pelo “rule of law” parece estar controlado e – há que reconhecer –, contrariamente ao que sucede noutras áreas, não se tem reflectido em projectos legislativos que esvaziem a iniciativa e os poderes dos órgãos constitucionais e jurisdicionais de controlo.

Não é, porém, certo que essa contenção se mantenha. Daí a necessidade geral de esclarecimento e a óbvia exigência de uma clarificação dos projectos políticos sobre a justiça e o seu papel na concretização do “rule of law”.

Em 2004, o então secretário-geral da ONU definiu assim o “rule of law”: “um princípio de governo relativamente ao qual as pessoas, instituições e entidades, públicas e privadas, nelas se incluindo o Estado, são responsáveis ante a lei publicamente promulgada, lei aplicada com igualdade, sujeita a uma apreciação judiciária independente, e que, além do mais, seja condicente com as normas e princípios sobre os direitos humanos. Isso requer, portanto, medidas para assegurar o princípio da supremacia da lei, igualdade ante ela, prestação de contas pelo seu cumprimento, equidade na sua aplicação, separação de poderes, participação na sua feitura, certeza conceptual, possibilidade de revogação dos actos arbitrários e transparência legal e procedimental”.

Eis aqui, pois, uma definição quase perfeita e que, em tempo de eleições, poderá proporcionar também as coordenadas para um questionário político visando o esclarecimento do nosso futuro.

Escreve à terça-feira


Rule of law (II)


Resultante dos muitos casos, a exigência social a respeito do “rule of law” aumentou no nosso país


O meu interesse sobre as percepções actuais do “rule of law” não resultou tão-só de ter deparado com o admirável ensaio de Goldston, que aqui abordei no artigo anterior.

Foi, sim, a situação portuguesa que suscitou esse interesse e que, precisamente, me conduziu à sua leitura.

Nós, portugueses, temos sido, desde o 25 de Abril, confrontados com visões diversas sobre o “rule of law”.

Essas diferenças podem ser observadas tanto no modo como os órgãos do poder político perspectivam na prática o âmbito de tal conceito, como na forma como a jurisprudência dos diversos tribunais – neles avultando a do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional – o vai interpretando.

Tal dispersão de perspectivas é, claramente, consequência da maneira como a sociedade encara o respeito pelo “rule of law”, mas influencia, ela própria, a sua exigência relativamente a ele.

Para se alcançar a visão social actual sobre o âmbito do “rule of law”, importa compreender não só as suas múltiplas interpretações conceptuais como as derivas oportunistas que a sua concretização circunstancial foi assumindo nos planos político, legislativo ou judicial.

Hoje, fruto dos muitos casos que evidenciaram o desrespeito sistemático a que o “rule of law” foi sujeito no nosso país e das consequências graves que tal desacatamento implicou para os portugueses, a exigência social a seu respeito aumentou.

Essa reivindicação não se refere, contudo e apenas, ao rigoroso respeito formal pelas normas legais – o que já não seria pouco –, mas projecta-se também numa dimensão cada vez mais abrangente do que ele deve ser no plano substantivo e na forma como os tribunais o fazem, de facto, cumprir.

Perante a dimensão da crise que afectou o país, mesmo que muito limitadamente, o nosso Tribunal Constitucional foi conduzido a aceitar uma leitura muito mais ampla de tal princípio, rasgando assim algumas fronteiras procedimentais e formalistas em que, entre nós, a jurisprudência o encerrara.

Por ora, o desconforto com essa abertura e com e a exigência social crescente relativamente ao respeito pelo “rule of law” parece estar controlado e – há que reconhecer –, contrariamente ao que sucede noutras áreas, não se tem reflectido em projectos legislativos que esvaziem a iniciativa e os poderes dos órgãos constitucionais e jurisdicionais de controlo.

Não é, porém, certo que essa contenção se mantenha. Daí a necessidade geral de esclarecimento e a óbvia exigência de uma clarificação dos projectos políticos sobre a justiça e o seu papel na concretização do “rule of law”.

Em 2004, o então secretário-geral da ONU definiu assim o “rule of law”: “um princípio de governo relativamente ao qual as pessoas, instituições e entidades, públicas e privadas, nelas se incluindo o Estado, são responsáveis ante a lei publicamente promulgada, lei aplicada com igualdade, sujeita a uma apreciação judiciária independente, e que, além do mais, seja condicente com as normas e princípios sobre os direitos humanos. Isso requer, portanto, medidas para assegurar o princípio da supremacia da lei, igualdade ante ela, prestação de contas pelo seu cumprimento, equidade na sua aplicação, separação de poderes, participação na sua feitura, certeza conceptual, possibilidade de revogação dos actos arbitrários e transparência legal e procedimental”.

Eis aqui, pois, uma definição quase perfeita e que, em tempo de eleições, poderá proporcionar também as coordenadas para um questionário político visando o esclarecimento do nosso futuro.

Escreve à terça-feira