Há uma actividade que não pode ser feita à segunda-feira: consultar o Facebook ou o Twitter. A razão? O spoiling indecente, ou vontade de contar o que se passou do episódio da série “A Guerra dos Tronos” transmitido no dia anterior nos Estados Unidos e outros poucos países.
Apesar da importância e da relevância de uma potência como os Estados Unidos, alguém tem de avisar a população da existência de outros países que não vêem a série em simultâneo e que também gostavam de ter a oportunidade de achar nada menos que “inaceitável” aquilo que o psicofreak (novo distúrbio de personalidade que ainda não figura no DSM-V) do marido de Sansa Stark lhe fez.
Assim, quando vi o episódio na segunda passada, já estava à espera do que ia acontecer, até porque o “Washington Post”, maldito seja, tinha incluído num título a palavra “violação” acompanhada de uma imagem de Sansa e Ramsay, ela vestida de branco, num estilo noiva de Inverno, edição da “Vogue” de Dezembro de 413 d.C., e ele com aquele sorriso de quem se prepara para ser ele próprio. Como dizia, chego à noite, vejo o episódio e, nos últimos 40 segundos, lá acontece o que tinham passado o dia a dizer que ia acontecer. Na noite de núpcias, Ramsay Bolton viola a mulher, Sansa Stark. A novidade foi Ramsay ter obrigado Theon Greyjoy a assistir. Nós “vemos” a violação através dos olhos lacrimejantes de Theon, que cresceu com Sansa em Winterfell e traiu a sua família. Theon é um homem destruído por Ramsay, que o torturou, castrou e escravizou. Ramsay é cruel como o imperador Calígula, um bully, e até tem qualquer coisa de troll. É aquela insistência em se fazer notar, não sei.
Sempre que há uma violação, os espectadores exprimem em massa o seu desagrado nas redes sociais. Aconteceu depois da cena entre os irmãos Cersei e Jamie, aos pés de Joffrey (filho de ambos) já morto. Na altura, George R. R. Martin veio dizer que tinha sido consensual, mas o curioso nessa altura foi ter havido poucos comentários de repúdio ao incesto. Fascinante é este “diálogo” entre autor e espectadores em que os segundos reagem como se estivessem a viver uma história que foi criada e é manipulada pelo seu autor.
Desta vez, a indignação chegou ao ponto de haver apelos inflamados (sempre) ao boicote à série. Foi a gota de água que fez transbordar o oceano para a senadora democrata Claire McCaskill, que manifestou no Twitter repugnância pela cena. As críticas que se seguiram lamentaram que se tivesse “ultrapassado um limite”, não se sabe realmente qual, uma vez que, desde o primeiro episódio, a série é baseada na violência, própria da guerra e da conquista. Outras pessoas referiram que Sansa Stark é uma personagem forte e as sansanetes reclamam que não merece ser humilhada. Mas a história ainda não acabou. E o fim é que interessa.
Penso que à excepção dos apelos ao boicote, que são inúteis e estúpidos, os comentários indignados revelam que ninguém quer ver uma personagem inocente e amada a sofrer, e isso é bom. Ninguém quer que Ramsay triunfe. Também é bom. A ficção tem esta capacidade de nos reconciliar com a humanidade.
Escreve à segunda-feira