Sante subito!


A diplomacia vaticana sempre primou pela discrição, virtude difícil de conciliar com a opção pela comunicação emocional do actual bispo de Roma. E no entanto há momentos em que as duas se encontram com grande sucesso.”


A diplomacia vaticana sempre primou pela discrição, virtude difícil de conciliar com a opção pela comunicação emocional do actual bispo de Roma. E no entanto há momentos em que as duas se encontram com grande sucesso.

Foi o caso na recente canonização de duas palestinianas, as primeiras santas da Igreja católica nos tempos modernos. A linguagem simbólica presente neste gesto vale mais em termos de posicionamento diplomático e eficácia política do que os longos, dispendiosos e inúteis anos de Blair como representante do quarteto para o Processo de Paz no Médio Oriente.

E esta dupla canonização é também um trunfo de geopolítica religiosa, numa zona do mundo em que os católicos são perseguidos e em que o catolicismo perde facilmente para outra religião do livro em matéria de atracção de novos públicos, em particular dos públicos jovens. Nenhuma outra grande religião possui a vantagem comparativa de oferecer aos crentes que sejam reconhecidos por outros crentes (e pela hierarquia da Igreja…) uma nobilitação no além, com uma hierarquização clara, hierarquização que poderá depois ser sufragada pela participação popular nas celebrações dos feitos dos beatos e dos santos.

Mais de dois anos depois do início do seu pontificado, Jorge Mario Bergoglio já pode ser avaliado pelo seu desempenho como chefe de Estado. Na frente interna merece destaque a luta contra os “Príncipes da Igreja”, desde logo os que sempre viveram principescamente. Há aqui um contraponto entre a Igreja latino-americana e a Europeia, entre duas escolas de poder. Bergoglio não é apenas o primeiro papa jesuíta e o primeiro não europeu desde há muitos séculos, é o primeiro papa latino-americano.

A sua opção “franciscana” por habitar na Casa Santa Marta e não nos palácios vaticanos, é também uma opção de política interna, convertida a Casa Santa Marta numa cúria bis em concorrência com a cúria romana, menos romana, mais latino-americana e, sobretudo, mais fiel. A futura encíclica dedicada à protecção do ambiente terá sido objecto de “outsourcing” junto de alguns “compagnons de route” da América Latina o que exasperou sobremaneira a burocracia vaticana.

No plano internacional a linguagem simbólica e imediatista que o rito católico permite a um comunicador talentoso encaixa perfeitamente nos tempos televisivos e permite grande eficácia. Vale para a Palestina mas também para Cuba onde o Vaticano desempenhou um papel importante no fim do embargo americano. Mas o plano internacional também alimenta a política interna como atestam as nomeações recentes de cardeais eleitores que marcam a aposta em novos mercados para a política vaticana (África, Ásia, e claro, América Latina).

Francisco, como o fiel e obediente “Osservatore Romano” o baptizou sendo depois imitado por toda a classe jornalística, tem mostrado nula preocupação com as querelas dogmáticas. Para teólogo já basta o papa emérito, que tendo sido elevado à condição de bispo de Roma nunca deixou de se comportar como um teólogo excessivamente preocupado com a coerência dos dogmas da Igreja.

Claro que o descontentamento da burocracia vaticana alimenta as fugas de informação destinadas a tornar a vida de Francisco mais difícil. O facto de o Papa se ter referido a Mahmoud Abbas na sua recente audiência aquando da canonização das santas palestinianas como “um anjo da paz”, foi passado a um jornalista sem o cuidado de referir o contexto da habitual oferta pelo Papa de um medalhão com esse símbolo aos chefes de Estado e de Governo. A cúria romana pode ter perdido poder mas não está convencida de ter perdido a guerra…

Escreve à sexta-feira

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A diplomacia vaticana sempre primou pela discrição, virtude difícil de conciliar com a opção pela comunicação emocional do actual bispo de Roma. E no entanto há momentos em que as duas se encontram com grande sucesso.”


A diplomacia vaticana sempre primou pela discrição, virtude difícil de conciliar com a opção pela comunicação emocional do actual bispo de Roma. E no entanto há momentos em que as duas se encontram com grande sucesso.

Foi o caso na recente canonização de duas palestinianas, as primeiras santas da Igreja católica nos tempos modernos. A linguagem simbólica presente neste gesto vale mais em termos de posicionamento diplomático e eficácia política do que os longos, dispendiosos e inúteis anos de Blair como representante do quarteto para o Processo de Paz no Médio Oriente.

E esta dupla canonização é também um trunfo de geopolítica religiosa, numa zona do mundo em que os católicos são perseguidos e em que o catolicismo perde facilmente para outra religião do livro em matéria de atracção de novos públicos, em particular dos públicos jovens. Nenhuma outra grande religião possui a vantagem comparativa de oferecer aos crentes que sejam reconhecidos por outros crentes (e pela hierarquia da Igreja…) uma nobilitação no além, com uma hierarquização clara, hierarquização que poderá depois ser sufragada pela participação popular nas celebrações dos feitos dos beatos e dos santos.

Mais de dois anos depois do início do seu pontificado, Jorge Mario Bergoglio já pode ser avaliado pelo seu desempenho como chefe de Estado. Na frente interna merece destaque a luta contra os “Príncipes da Igreja”, desde logo os que sempre viveram principescamente. Há aqui um contraponto entre a Igreja latino-americana e a Europeia, entre duas escolas de poder. Bergoglio não é apenas o primeiro papa jesuíta e o primeiro não europeu desde há muitos séculos, é o primeiro papa latino-americano.

A sua opção “franciscana” por habitar na Casa Santa Marta e não nos palácios vaticanos, é também uma opção de política interna, convertida a Casa Santa Marta numa cúria bis em concorrência com a cúria romana, menos romana, mais latino-americana e, sobretudo, mais fiel. A futura encíclica dedicada à protecção do ambiente terá sido objecto de “outsourcing” junto de alguns “compagnons de route” da América Latina o que exasperou sobremaneira a burocracia vaticana.

No plano internacional a linguagem simbólica e imediatista que o rito católico permite a um comunicador talentoso encaixa perfeitamente nos tempos televisivos e permite grande eficácia. Vale para a Palestina mas também para Cuba onde o Vaticano desempenhou um papel importante no fim do embargo americano. Mas o plano internacional também alimenta a política interna como atestam as nomeações recentes de cardeais eleitores que marcam a aposta em novos mercados para a política vaticana (África, Ásia, e claro, América Latina).

Francisco, como o fiel e obediente “Osservatore Romano” o baptizou sendo depois imitado por toda a classe jornalística, tem mostrado nula preocupação com as querelas dogmáticas. Para teólogo já basta o papa emérito, que tendo sido elevado à condição de bispo de Roma nunca deixou de se comportar como um teólogo excessivamente preocupado com a coerência dos dogmas da Igreja.

Claro que o descontentamento da burocracia vaticana alimenta as fugas de informação destinadas a tornar a vida de Francisco mais difícil. O facto de o Papa se ter referido a Mahmoud Abbas na sua recente audiência aquando da canonização das santas palestinianas como “um anjo da paz”, foi passado a um jornalista sem o cuidado de referir o contexto da habitual oferta pelo Papa de um medalhão com esse símbolo aos chefes de Estado e de Governo. A cúria romana pode ter perdido poder mas não está convencida de ter perdido a guerra…

Escreve à sexta-feira