À deriva.  Não é só no Mediterrâneo que governos condenam refugiados

À deriva. Não é só no Mediterrâneo que governos condenam refugiados


UE estuda hipótese de destruir botes de migrantes, Malásia, Indonésia e Tailândia fecham portas aos Rohingya.


Ainda a Comissão Europeia não tinha apresentado a proposta de introdução de um sistema de quotas para o acolhimento de refugiados à deriva no Mediterrâneo e no mar Egeu e já vários estados-membros estavam a declarar que se recusam a participar – recusa repetida por países como o Reino Unido ou a Eslováquia assim que o plano foi apresentado, na quarta-feira passada.

O mesmo está a acontecer há várias semanas no Sudeste Asiático, onde a Tailândia, a Indonésia e a Malásia continuam a não resgatar os milhares de refugiados da minoria Rohingya e bangladeshianos que estão à deriva no mar de Andamão, em fuga da repressão violenta a que são submetidos na Birmânia.

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Enquanto os três países asiáticos anunciavam ontem uma reunião de emergência para definir um plano de acção, que não deverá passar por ajudar nem acolher estes migrantes, os conflitos dentro da UE continuavam a crescer perante a recusa de parte dos estados-membros em participar na resolução do problema nas entradas marítimas europeias.
Sob o sistema anunciado pelo executivo europeu serão criadas quotas de acolhimento de migrantes em fuga com base na dimensão do país, nos índices de desenvolvimento económico e outros indicadores, pondo a Alemanha no topo da lista dos que mais refugiados vão acolher. Mas ao contrário da maior economia europeia, e de países mais directamente afectados por esta crise, como a Itália e Malta, muitos membros, com o Reino Unido, Espanha e países da Europa de Leste à cabeça, recusam-se a participar.

O sistema de quotas delineado pela CE possibilita que os países que não concordam com ele não o apliquem, mas mesmo assim o executivo de Juncker já deixou ameaças latentes aos britânicos sobre a não participação, dizendo que está a considerar “parâmetros legais”da Convenção de Dublin para “alcançar uma distribuição mais justa dos que procuram asilo”.

Apesar da pressão positiva para que todos participem no programa de acolhimento, ontem foi noticiado que a UE está a estudar um plano de acção que passa por destruir os botes com migrantes em alto mar. A questão está em debate nos corredores de Bruxelas, numa tentativa de se alcançar assim o aval do Conselho de Segurança da ONU para uma intervenção militar na Líbia, com o argumento de que têm de se destruir as redes de tráfico humano.

À semelhança do caso europeu, em cujas entradas marítimas mais de 22 mil pessoas já perderam a vida desde 2000, também os governos do Sudeste Asiático estão agora sob fortes pressões da ONU, de outras ONG e dos EUApara acolher os muçulmanos Rohingya e bangladeshianos em fuga da Birmânia. Nas últimas semanas, mais de 8 mil já arriscaram a travessia do mar de Andamão para fugirem da repressão das autoridades birmanesas. A maioria tem sido abandonada pelos traficantes em alto mar e os governos vizinhos da Indonésia, da Malásia e da Tailândia têm mantido a inacção mesmo perante o elevado número de mortos e a situação aterrorizadora nos pequenos botes, onde não há comida nem água e onde as pessoas têm bebido a própria urina para sobreviver e entrado em lutas pela sobrevivência que acabam com elevados saldos de mortos.

Os que conseguem alcançar a costa de algum desses países falam em violações brutais (ver secundário). Ontem, com o agravamento da situação, as autoridades indonésias deram ordens à província de Aceh, onde mais de 1500 pessoas já chegaram nos pequenos barcos na última semana, de que não as acolham nem recolham corpos do mar. A mesma directiva foi posta em marcha pela Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), que há várias décadas vira a cara ao facto de cidadãos pertencentes à minoria Rohingya serem alvo de repressão e sanções patrocinadas pela Birmânia, que se recusa a dar-lhes cidadania apesar de terem nascido no país e serem descendente de várias gerações que vivem na Birmânia.

Esta quarta-feira, os ministros dos Negócios Estrangeiros desta região vão estar reunidos para discutir a situação. Numa antevisão desse encontro, o chefe da diplomacia malaia, Anifah Aman, repetiu ontem que o seu país “não se pode dar ao luxo de acolher” estes migrantes, dizendo que é a Birmânia que tem de encontrar uma solução. “Temos de zelar pelos nossos próprios interesses, temos os nossos problemas sociais e económicos”, disse Aman. Amaioria dos que estão em fuga pretendem chegar à Malásia, onde têm familiares fugidos ao longo de décadas.