Paulo Morais.  As dez regras fundamentais de um verdadeiro sushi-man

Paulo Morais. As dez regras fundamentais de um verdadeiro sushi-man


Porque há sempre alguém que sabe mais, decidimos participar num workshop a propósito do Sushi Fest.


Paulo Morais foi dos primeiros chefes em Portugal a dedicar-se ao sushi e aprendeu à “maneira japonesa”, a observar um chefe japonês, no restaurante Furusato, em Matosinhos. É o próprio Paulo que confirma que os aprendizes, no Japão, passam anos a fazer as limpezas e o arroz, enquanto observam os sushi-men. Um dia são chamados para prestar provas. Esta semana, Paulo Morais organizou um workshop de sushi na sua “School” (escola de sushi), em Lisboa, a cerca de um mês e meio do Sushi Fest, o primeiro festival de sushi da Europa, que entre os dias 2 e 4 de Julho acontece no Palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras. O chefe, com mais 25 anos de carreira e vários estágios no Japão, deu-nos dez dicas essenciais para fazer um bom sushi.

Arroz Paulo Morais recorda que este é o produto essencial. Sublinha os anos que os aprendizes passam, no Japão, a preparar o arroz, antes de poderem prestar as provas que os levam mais longe. A própria palavra sushi significa arroz avinagrado – Su (vinagre), shi (arroz). Paulo esclarece que um bom sushi-man deve saber fazer o Kome (arroz cru), Gohan (arroz cozido) e Meshi (arroz com temperos ou misturas). Os chefes devem saber prepará- -los antes de os juntar a outros produtos.

Qualidade É obrigatório que os produtos tenham qualidade. O peixe fresco, por exemplo, é a diferença entre um bom ou um mau sushi. A experiência de Paulo Morais já lhe permite olhar para “o brilho de um peixe” e perceber quase imediatamente se está em condições. Por exemplo, quando se abre a sardinha ao meio, o interior deve ter uma coloração vermelha. Há mais de 20 anos, quando a cozinha japonesa chegou a Portugal, quase todos os peixes eram importados do Japão. Hoje, o salmão é dos poucos peixes que continua a vir de fora. Há produtos utilizados no sushi que continuam a ser importados mas, actualmente, muitos vêm de companhias japonesas que têm empresas espalhadas pelo mundo.
 

Técnica Apesar da longa carreira, Paulo Morais garante que “há sempre espaço para aprender”. Insiste nos pequenos detalhes e nas técnicas que fazem a diferença. Entre outras, o ikejime é a forma de matar os peixes sem sofrimento e sem stresse, o que os torna mais saborosos – uma técnica divulgada por um chefe considerado dos melhores do mundo, o norte-americano Tomo. No essencial, mergulha-se o peixe em água gelada para o adormecer, espeta-se um ferro acima dos olhos que o mata instantaneamente e, posteriormente, um arame abaixo da medula para lhe extrair o sangue. Sem o sangue, garante Paulo, “a carne fica mais macia”.
Respeito “Pelos ingredientes, pela matéria-prima, pelos animais, pelo cliente e pelos colegas”, atira Paulo Morais. Entre outros exemplos, o respeito pela sazonalidade das espécies é um factor a ter em conta. Paulo Morais garante que actualmente não usa atum, desde que o peixe foi considerado em vias de extinção. A utilização de produtos com qualidade e a correcta confecção acaba por se tornar no respeito pelos clientes, aponta Paulo Morais, que acrescenta o respeito pelos trabalhadores na cozinha. Para o chefe, a consideração pelos colegas passa pela partilha dos conhecimentos.

Facas É fácil imaginar que as facas são importantes no sushi. Paulo Morais explica que há diferentes modelos para diferentes produtos e diversas variantes de cada um deles. Para o especialista em sushi, a faca terá de ser em aço temperado e possuir um equilíbrio perfeito. Coloca um dedo a seguir ao cabo, junto à lâmina, e apercebe-se do equilíbrio. Paulo tem inúmeras facas em casa e até confessa que está proibido pela mulher (que, por acaso, também é chefe) de comprar mais. O sushi-man explica que existem boas facas portuguesas, mas talvez as japonesas tenham um aço com mais qualidade. “Percebe-se pelo desgaste mais acentuado nas facas nacionais”, aponta. No restaurante-escola Everything About Sushi, em Lisboa, onde dá formação, os alunos utilizam facas de aço com cabos antibacterianos.

Ingredientes O tratamento, confecção e escolha dos ingredientes assumem, para Paulo Morais, a maior importância. Qualquer peixe deve ser bem preparado e escolhido. Os peixes de rio, por exemplo, são normalmente cozinhados por causa dos parasitas. Há espécies que não são tão adequadas ao sushi, como a garoupa e o tamboril. Paulo Morais recorda que o peixe-balão, altamente venenoso, é cortado em pedaços muito finos para que as doses de veneno nunca cheguem a ser fatais. No sushi de carne, Paulo utiliza sobretudo magret, foie gras e novilho.

Wasabi O “perigoso” wasabi não pode faltar. No início da carreira, Paulo Morais recorda que era comum brincarem entre eles pelo picante que o wasabi contém. Até ao dia em que um colega chegou a sentir-se mal. “Acabaram-se as brincadeiras desde aquele dia.” Não há sushi sem o tubérculo, que é “sempre” usado no Japão. Uma das qualidades de um sushi-man japonês é perceber a quantidade de wasabi e soja em cada um dos pratos, sem possibilidade de escolha por parte do cliente. Em Portugal utiliza-se frequentemente o wasabi misturado com o molho de soja. Paulo Morais refere que deve ser utilizado com conta e medida, de forma a não alterar o sabor dos alimentos.

Harmonia A harmonia entre sabores é um ponto importante para o chefe. Mais ou menos vinagre no arroz, os molhos, o tempero da soja, tudo tem de estar perfeito. Paulo Morais lembra-se da melhor peça de sushi que provou. Foi um nigiri em Londres que tinha bem presente essa harmonia: arroz morno, cogumelo grelhado morno, pequenas lascas de trufa, espuma de cogumelo e wasabi. “Para uma harmonia perfeita é preciso que se percebam todos os sabores”, garante.
Soja O molho de soja não podia deixar de figurar entre os essenciais do sushi. A soja, salgada, surge como o ingrediente que puxa pelos outros sabores. “Os sabores explodem”, refere Paulo, que acrescenta que o molho de soja não pode “dar banho aos produtos, mas apenas temperá-los”. Paulo Morais não utiliza a soja pura por ser muito salgada. A técnica é usar o sake (aguardente de arroz) ou o mirin (vinho de arroz), depois de fervidos para retirar o álcool, para temperar a soja. 

Louça/empratamento A cozinha japonesa veio alterar os serviços tradicionais de pratos que, em muitos casos, se limitavam a aumentar de tamanho conforme se serviam aperitivos, sopas ou pratos principais. Paulo Morais mistura diferentes formatos e materiais. Em louça, ardósia, redondos, rectangulares, quadrados, todos podem ser usados no sushi, mas com algumas regras. Por exemplo, o sushi que sai em formato redondo ficará mais bem empratado em recipientes quadrados ou rectangulares. Por outro lado, independentemente dos recipientes, o chefe Paulo Morais não tem dúvida em referir que o sushi, com as suas cores, formatos e texturas, “é a comida mais fotogénica do mundo”.