O casamento de um político pode até ser digno de fazer capa das revistas cor-de--rosa do seu país. Manchetes em todo o mundo, só no caso de se tratar de um casamento homossexual protagonizado por um chefe de governo, que só não é caso único porque, em 2010, a antiga primeira-ministra da Islândia casou com a jornalista Jonina Leosdottir. Voltando a 2014 e dando nome e rosto às personagens da história, falamos concretamente de Xavier Bettel, o primeiro-ministro do Luxemburgo, que casa hoje com o namorado, o arquitecto Gauthier Destenay. O casal vive em união de facto desde 2010 e esperou para que o casamento entre pessoas do mesmo sexo fosse aprovado para oficializarem a relação, numa cerimónia vetada aos media, apesar do interesse mostrado por vários órgãos em ter o exclusivo.
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Quando chegou ao governo, em 2013, Xavier comprometeu-se a modernizar a sociedade do país, vontade posta em prática com os referendos marcados para dia 7 de Junho e que vão pôr em discussão temas tão polémicos como a limitação dos mandatos dos políticos e a alteração do voto para os 16 anos.
O esforço deste governo liberal para mudar o país vê-se nas medidas políticas, mas até na sua própria composição. O Luxemburgo é o primeiro país com um primeiro-ministro e um vice-primeiro--ministro – Etienne Schneider – assumidamente homossexuais. Quando assumiu o poder, depois de derrotar os 18 anos de liderança de Jean-Claude Juncker, o governo liberal propôs uma alteração da lei para legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo que acabou aprovada pelo parlamento em Junho de 2014, com apenas quatro votos contra.
E se fosse em Portugal? Foi a pergunta que colocamos a Jorge Nuno Sá, o antigo líder da JSD que em 2011 protagonizou o primeiro casamento gay da política nacional. “Teria uma vida desgraçada”, foi a resposta atirada como que em forma de desabafo. “Se eu [na altura, membro do conselho nacional do PSD] ouvi comentários e senti uma enorme intromissão na minha vida, imagino um primeiro-ministro.”
O social-democrata alerta para o facto de existirem mais homossexuais do que aqueles que o assumem publicamente, não só na política, mas em todos os sectores da sociedade. “O problema é que vivemos num país onde a homossexualidade foi considerada crime durante muitos anos e a mentalidade é algo que não muda de um dia para o outro”, diz.
No seu círculo de relações mais fechado sempre se sentiu apoiado, realidade bem diferente quando alarga esse perímetro à parte laboral. “Depois do meu casamento, senti que não era levado tão a sério”, admite, acrescentando ter sido impossível deixar de notar uns “olhares estranhos” no primeiro congresso nacional do partido depois de casado. “Não sei se as pessoas esperavam que chegasse de plumas e lantejoulas”, brinca, lembrando que nunca escondeu as suas escolhas, nunca mentiu quando lhe perguntaram a sua orientação sexual, mas simplesmente “não andava com um cartaz na testa”.
Apesar de o facto de ser membro de um partido de direita não o ter demovido de assumir a sua homossexualidade, Jorge acredita que “quem quer agradar ao eleitorado mais conservador tem mais tendência a esconder”. Já a deputada Isabel Moreira tende a pensar no “coming out” como um acto “profundamente individual”, apesar de admitir que existem factores externos que influenciam a sua concretização.
Isabel Moreira, conhecida também pela sua ligação às questões LGBT, admite que existe homofobia no país em geral e na política em particular. Além de apontar as decisões do governo sobre a adopção de crianças por casais do mesmo sexo ou a procriação medicamente assistida como prova do preconceito, Isabel lembra que a homofobia é visível até nos boatos sobre a vida pessoal dos políticos. “Como as pessoas me vêem muito ligada à defesa dos direitos LGBT, enviam-me mensagens acusando-me de ser lésbica”, conta ao i. Para a deputada socialista, isso apresenta dois traços graves: assumir que chamar lésbica é um insulto e acreditar que quem defende os direitos dos homossexuais tem de ser homossexual. “Seria o mesmo que dizer que os brancos que marcharam com Martin Luther King tinham de ser negros”, ironiza.
Apesar de não perder a esperança de ver o exemplo do Luxemburgo repercutido em Portugal, Isabel Moreira lembra um facto histórico que, segundo a deputada, “dá que pensar”: 41 anos depois do 25 de Abril, Miguel Vale de Almeida foi o único deputado a assumir-se publicamente como gay.