A liberdade criativa de um dos mais importantes criadores de moda, o francês Christian Lacroix, pode ser visitada a partir de hoje no Museu do Design e da Moda (MUDE), integrada no ciclo “Tesouros da Colecção de Alta-Costura”. Com o nome “ Caleidoscópio – A Alta-Costura de Christian Lacroix”, a exposição apresenta 16 “tesouros” franceses – uma das instalações com mais obras expostas no museu – que contam a história por detrás das horas e horas que o estilista francês passou, desde os anos 80 até ao século XXI, a costurar e a reinventar um género que foi desaparecendo pelas mãos do pronto-a-vestir.
Pensou dedicar a sua veia artística à conservação de museus quando frequentou a Escola do Louvre, em França, mas a moda resgatou-o e em 1987 criou a sua casa de costura, a par da sua primeira marca. Nos anos seguintes tornou-se um dos elementos mais influentes do mundo da moda da segunda metade da década de 1980, caracterizando-se por pegar nos pergaminhos da alta-costura e desenhá-los novamente. Para a directora do MUDE, Bárbara Coutinho, o criador simboliza a “ chave de ouro” que abre o ciclo, incluído no trabalho que tem vindo a ser feito por parte da entidade desde 2009 na Colecção Francisco Capelo. As peças podem ser visitadas na sala de cofres do museu – ou não fosse o edifício do MUDE a antiga sede do Banco Nacional Ultramarino –, uma decisão que, segundo a directora, permite aproximar a alta-costura do público interessado, algo em que o museu apostou noutras exposições que já montou. A responsável acrescenta ainda que este ciclo é uma tentativa de mostrar “a representatividade temporal e de linguagem de cada estilista”, com uma perspectiva que abranja todo o trabalho dos criadores escolhidos a que o MUDE tem acesso. Este ano está presente o trabalho de Lacroix, mas nos próximos prevê-se que nomes como Madame Grès, Christian Dior, Balenciaga, Jean-Paul Gaultier ou John Galliano possam também ser conhecidos pelo público que passe pelo único museu da Rua Augusta.
Com curadoria de Anabela Becho, a ordem cronológica não foi o fio condutor. A estrutura da exposição foi pensada para que cada divisão, da antecâmara à sala principal, permitisse um enquadramento visual para quem entra na sala de cofres. Para esta primeira rubrica, a curadora divulgou que a ideia é reflectir sobre as influências que acompanharam a vida deste criador francês: “Ele vai beber à história da moda e dá-lhe uma nova identidade”, conta. O nome Caleidoscópio surgiu de “ forma natural” para Anabela, porque todas as inspirações de cor, motivos e influências de Christian encontram-se espelhados nesta mostra, sobressaindo uma “orientação solar das suas peças”, em que a luz dos holofotes que iluminam estas obras reflecte nas dezenas de cofres espalhados, criando o principal efeito aumentado deste objecto óptico. Segundo a curadora, há uma surpresa que poderá agradar aos mais curiosos pela cultura da moda: todas as peças estão numeradas pela ordem original de desfile nas passarelas, característica importante na tradição da alta-costura (e os números são muitos).
Nascido em Arles, no sul de França, em 1951, este homem que “reflecte sobre aquilo que vê” desenrola a sua obra por diversas tradições e formas de arte. As suas peças vão desde um lado mais negro, representado nos antigos trajes do circo, passando pela cultura escocesa e por uma colecção dedicada à paisagem pelo olhar do pintor Van Gogh, até peças “boémias” com inspirações ciganas, como Lacroix as descreve nas suas notas pessoais, que estarão ao lado destes 16 modelos. Na fase mais tardia da sua carreira, com a entrada do novo milénio, a ruptura com a antiguidade e o olhar virado para a arte contemporânea, através do uso de materiais como o plástico, personificam uma mudança de paradigma estilístico para o autor, deixando marcada uma irreverência e subversão de que foi pioneiro. Mas as memórias de infância da sua terra natal são a característica que mais interesse pode despertar, lembrando os tempos em que observava as vestes do mundo que o rodeava, como os seus amigos ou a sua família (passou horas a observar o avô, dândi assumido). Uma dessas imagens do memorial infantil do criador pinta-se mesmo ao sabor dos seus sabores favoritos em criança: morango e chocolate.
O método artesanal e meticuloso de Christian Lacroix permitiu-lhe reinventar os moldes da alta-costura e continuar actual, mesmo depois de a tecnologia tomar o mundo pela mão. França, pela obra deste criador, acrescentou um caleidoscópio estilístico eterno à história da moda. Esta “loucura mais forte ” do que ele, como o criador expressou, estará patente até dia 30 de Agosto.