Uma é um pau de selfie em forma de mão amiga, para que pareça que temos companhia; a outra é uma urna em forma de dildo para guardar as cinzas de um grande amor. Podemos encarar estas duas manifestações artísticas como dois tristes ensaios sobre o solidão ou, como diz a amante do falecido depois de urinar na urna: “Cada um chora por onde tem mais saudades.”
O dildo, criado pelo holandês Mark Sturkenboom, não é apenas uma pequena urna fálica mas todo um mausoléu que inclui ainda um dispositivo que toca “a nossa” canção (previamente escolhida) e um outro que liberta o perfume outrora usado pelo amante morto. Por exemplo, a música do Titanic com cheiro a Old Spice. Tudo isto enquanto a viúva se alegra.
Assim de repente, pôr este objecto a uso parece-me só mórbido e sexualmente pouco empolgante, mas que posso eu dizer sobre a forma como cada um vive a sua perda? Nada, pois claro. Preocupa-me bem mais o que simboliza o braço de selfie do que o pénis de cinzas: é que no caso deste chora-se quem se perdeu e no outro celebra-se quem nunca se teve. Obviamente, estamos a falar – por enquanto – de peças de arte irónicas, mas nada me diz que não venham a aparecer nos escaparates das lojas chineses mais cedo ou mais tarde.
No meu tempo – quero dizer, há dois anos –, uma selfie era um auto-retrato espontâneo, tirado em frente ao espelho ou de braço estendido à falta de alguém que nos desse uma mãozinha. Muitos anos antes, no tempo dos rolos, já todos tirávamos selfies quando íamos de férias em casal e queríamos aparecer juntos numa foto. Podia o nariz irromper pela objectiva ou a testa tapar a Torre Eiffel lá atrás ou ficar um olho fora do enquadramento, mas o investimento era no registo daquele momento para memória futura. E o que era revelado no regresso era esse momento.
Com o pau de selfie lá se foi o momento. Tirar uma selfie tem agora toda uma técnica e está tão aperfeiçoada que até parece que alguém nos tirou a foto. Espera lá, então que tal pedirmos a alguém que nos tire uma foto? Não, porque não conheço aquela pessoa de lado nenhum e agora cala-te um bocadinho e deixa-me partilhar esta selfie impecável com os meus 2537 amigalhaços do coração.
Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado