A Cerveja e a Amizade


Estamos a falar de um anúncio a cerveja, um dos poucos prazeres na vida que não dá mesmo nada que pensar. Quando muito dá que arrotar.


“O que se passa com a amizade” é o mote para uma nova campanha publicitária de uma marca de cerveja – cuja rival, devo admitir, prefiro. Mas isso não vem ao caso. Apetece-me apenas discorrer sobre o poder dos anúncios – e deste, em particular, que já vi partilhado por várias pessoas nas redes sociais, acompanhado por comentários mais entusiásticos como “BRUTAL” ou mais filosóficos como “Dá que pensar”.

O reclame televisivo, que pode ser visto integralmente no YouTube, reflecte sobre estes tempos modernos em que, iludidos por uma proximidade tecnológica, estamos cada vez mais afastados dos nossos amigos. “Dá que pensar”. Só que estamos a falar de um anúncio a cerveja, um dos poucos prazeres na vida que não dá mesmo nada que pensar. Quando muito dá que arrotar.

Admito que a mensagem do anúncio seja de louvar: quanto mais assisto à vida dos meus amigos no Facebook, menos me sinto impelida a ligar-lhes para irmos beber uns canecos. Isto faz com que os meus amigos reais sejam cada vez mais imaginários: primeiro, nas redes sociais, eles só mostram o que querem mostrar; depois eu, ao interpretar o que eles mostram, também acabo por só ver o que quero ver. Se uma amiga minha publicar uma foto dos seus pezinhos na praia, eu nunca irei adivinhar que, dos pés para cima, ela se está a sentir profundamente sozinha e miserável.

Nos tempos que correm, esta reflexão parece-me bastante mais banal do que “BRUTAL”. Mas, admitamos que isto me dava mesmo que pensar e eu, de repente, adiava todos os meus compromissos, esquecia todas as desculpas e ligava àquela minha amiga que tinha estado com os pezinhos na praia mas tinha tudo o resto na merda. É nesta altura que olho para o anúncio e penso: sim, a publicidade serve não para vender cerveja, mas para vender sonhos. E, por acaso, se bebermos muita cerveja, até podemos acreditar que eles se venham a concretizar.

Seria muito pouco provável que eu e a minha amiga nos divertíssemos tanto em câmara lenta, muito menos que bebêssemos com moderação, como é aconselhado em letras pequeninas. O mais provável, aliás, era que ela rapidamente bebesse demais e me começasse a cobrar a minha ausência de forma passivo-agressiva.

Se calhar, devíamos ir ver o que se passa com a amizade naquela tasquinha da esquina, onde nenhum daqueles senhores, que todos os dias ali se encontram para beber umas minis, tem Facebook.

Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado

A Cerveja e a Amizade


Estamos a falar de um anúncio a cerveja, um dos poucos prazeres na vida que não dá mesmo nada que pensar. Quando muito dá que arrotar.


“O que se passa com a amizade” é o mote para uma nova campanha publicitária de uma marca de cerveja – cuja rival, devo admitir, prefiro. Mas isso não vem ao caso. Apetece-me apenas discorrer sobre o poder dos anúncios – e deste, em particular, que já vi partilhado por várias pessoas nas redes sociais, acompanhado por comentários mais entusiásticos como “BRUTAL” ou mais filosóficos como “Dá que pensar”.

O reclame televisivo, que pode ser visto integralmente no YouTube, reflecte sobre estes tempos modernos em que, iludidos por uma proximidade tecnológica, estamos cada vez mais afastados dos nossos amigos. “Dá que pensar”. Só que estamos a falar de um anúncio a cerveja, um dos poucos prazeres na vida que não dá mesmo nada que pensar. Quando muito dá que arrotar.

Admito que a mensagem do anúncio seja de louvar: quanto mais assisto à vida dos meus amigos no Facebook, menos me sinto impelida a ligar-lhes para irmos beber uns canecos. Isto faz com que os meus amigos reais sejam cada vez mais imaginários: primeiro, nas redes sociais, eles só mostram o que querem mostrar; depois eu, ao interpretar o que eles mostram, também acabo por só ver o que quero ver. Se uma amiga minha publicar uma foto dos seus pezinhos na praia, eu nunca irei adivinhar que, dos pés para cima, ela se está a sentir profundamente sozinha e miserável.

Nos tempos que correm, esta reflexão parece-me bastante mais banal do que “BRUTAL”. Mas, admitamos que isto me dava mesmo que pensar e eu, de repente, adiava todos os meus compromissos, esquecia todas as desculpas e ligava àquela minha amiga que tinha estado com os pezinhos na praia mas tinha tudo o resto na merda. É nesta altura que olho para o anúncio e penso: sim, a publicidade serve não para vender cerveja, mas para vender sonhos. E, por acaso, se bebermos muita cerveja, até podemos acreditar que eles se venham a concretizar.

Seria muito pouco provável que eu e a minha amiga nos divertíssemos tanto em câmara lenta, muito menos que bebêssemos com moderação, como é aconselhado em letras pequeninas. O mais provável, aliás, era que ela rapidamente bebesse demais e me começasse a cobrar a minha ausência de forma passivo-agressiva.

Se calhar, devíamos ir ver o que se passa com a amizade naquela tasquinha da esquina, onde nenhum daqueles senhores, que todos os dias ali se encontram para beber umas minis, tem Facebook.

Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado