Não ter filhos é um acto de maturidade


Sou pai de dois filhos de um primeiro casamento, fiquei-me infelizmente por aí. Mas tenho a pretensão de ser responsável, de fazer o que posso e não o que gostaria, sobretudo quando está em causa a vida de pessoas que dependem de mim. Senti (sinto) que não poderia arriscar mais filhos. Tornar-se-ia difícil. Não herdei,…


Sou pai de dois filhos de um primeiro casamento, fiquei-me infelizmente por aí. Mas tenho a pretensão de ser responsável, de fazer o que posso e não o que gostaria, sobretudo quando está em causa a vida de pessoas que dependem de mim. Senti (sinto) que não poderia arriscar mais filhos. Tornar-se-ia difícil. Não herdei, não tenho dinheiro que me permita viver sem trabalhar (o que acontece com a larga maioria dos portugueses), não me posso dar ao luxo, verdadeira ousadia, de partir do princípio de que em nenhum momento da vida não ficarei desamparado.

É um mundo inseguro e nervoso. A democracia evoluiu para um jogo desgastante em que eleitos e eleitores são inimigos, e não parte de uma comunidade que deseja o mesmo. Os eleitos precisam do nosso voto e especializaram-se em não dizer toda a verdade nas campanhas eleitorais. Depois, alcançado o objectivo, governam de uma outra maneira – é o mesmo que comprarmos um belo livro de poesia e, quando o abrimos, sai-nos uma prosa maçuda e burocrática. Diz-se uma coisa e a outra, perdeu-se o valor das coisas. A realidade é apreendida como mais um episódio de uma série de ficção, os mesmos comentadores dizem hoje uma coisa e o seu inverso. Perdeu-se a confiança.

Por bizarro que lhe possa parecer falo, desde a primeira linha, da natalidade. Ou, se preferir, dos problemas que nos levaram a ter aportado ao porto em que estamos: o país perde dezenas de habitantes por dia, nunca nascemos tão poucos. A vida de todos nós é uma emanação do resto. Do que acontece no interior dos poderes ou no mercado de trabalho. Nas empresas, como o reconhecemos, deixou de existir trabalho para a vida. Quando recebi o meu primeiro ordenado, senti que poderia estar tranquilo e, com sorte, permanecer no mesmo lugar. A minha geração (dos quarentas) nasceu com uma ideia que não se concretizou, ficámos destrambelhados e sem terra firme. Já os nossos filhos cresceram na insegurança, enquanto os seus avós não sabem que mundo é este, não sabem simplesmente de que raio de tempo se está a falar.

Também as famílias deixaram de ser para a vida. As relações estão em crise porque as pessoas exigem maior autonomia para as suas vidas, exigem ter vida própria e não ser satélites da vida do parceiro. Além disso, as mulheres pagam um preço elevado apenas por o serem, recebem menos, em média, do que os homens, apesar de possuírem mais habilitações. As coisas pioram um pouco quando têm filhos: são prejudicadas profissionalmente mesmo que a lei as proteja. Porque Portugal é um país em que os poderes e as empresas são grandes defensores dos direitos das mulheres e da família, da igualdade de oportunidades, mas depois penalizam quem não tem toda a disponibilidade.

Neste contexto, não ter filhos é um acto de responsabilidade e maturidade. Tudo o que os senhores deputados possam dizer sobre isso são amendoins numa refeição que se espera em dia de apetite. Servem para entreter, mas não nos matam a fome. Precisamos de crianças a nascer, mas precisamos primeiro de reerguer o mundo, de o tornar seguro e estável, e não um sítio onde sobreviver é, tantas vezes, uma profissão de fé.