Sergi Arola. O enfant terrible da cozinha que trocou a música por restaurantes em todo o mundo

Sergi Arola. O enfant terrible da cozinha que trocou a música por restaurantes em todo o mundo


Duas estrelas Michelin, sete países, vários restaurantes e uma paixão por Portugal.


O chefe catalão vai abrir um novo espaço para o público "mais grato" do mundo.

Foi numa conversa descontraída, nos sofás do Páteo da Galé vestido para o Peixe em Lisboa, que Arola revelou ao i que vai trazer um pouco de Madrid para Portugal. O chefe catalão vai abrir um novo espaço no Penha Longa, em Sintra, onde assina já a carta do Restaurante Arola. "Estou muito emocionado", disse entre sorrisos. "Já estou há sete anos com o Penha Longa e creio que estava na altura de fazer algo mais. Temos muitos clientes portugueses em Madrid. Temos uma clientela portuguesa que vai a Madrid, que gosta da minha cozinha, e decidimos criar um espaço mais singular no Penha Longa onde vamos apresentar uma oferta, uma cozinha mais parecida com a do restaurante de Madrid. E o resto é surpresa", conclui com uma gargalhada. Mas ainda conseguimos que confirmasse que a abertura do espaço está prevista para a última semana de Maio.

Sergi Arola, duas estrelas Michelin, é irreverente, focado, criativo. Actualmente com presença em sete países, quisemos saber como é que se consegue manter a qualidade e aumentar a criatividade quando se trabalha em ambientes tão díspares quanto Mumbai, São Paulo, Abu Dhabi ou Verbier, na Suíça

"Acima de tudo, é uma questão de personalidade", responde, num portunhol perfeito e sem pausa para pensar. "A minha personalidade, que quero e vou consolidando, é o mais importante. Tenho uma forma de entender o meu ofício e o que faço que me faz levar o meu trabalho ao limite. Não sou o melhor cozinheiro, mas acredito que sou dos melhores a motivar e a gerir equipas", explica. Aproveita para repetir a admiração que sente pelo chefe, também espanhol, Quique Dacosta – "um irmão para mim" -, mas sabe que nem só de humildade se faz o caminho que já percorreu. "Tenho outras coisas boas. Acho que abri caminhos à comunicação, para se entender melhor a cozinha, que era algo que antes não existia. E creio que tenho uma magnífica capacidade para gerir equipas", diz enquanto se recosta novamente no sofá.

NÚMEROS. Só em Espanha acumula seis restaurantes – quatro em Madrid e dois em Barcelona -, aos quais se juntam os espaços na Suíça, Turquia, Abu Dhabi, Brasil, Ibiza e Portugal. "Eu sei o que é que o público indiano procura porque estudei imenso o que ele procura antes de abrir o restaurante na Índia", explica. "Estudei muito bem o que o público português quer, antes de trazer, por exemplo, este novo projecto para o Penha Longa. Há um público português que gosta muito do que lhes vou dar. Eu sei disso. O mesmo se aplica a São Paulo ou a Abu Dhabi. Não chego a um lugar e abro um restaurante. Chego, estudo o que existe, estudo como se vive, com o que se vive." E só depois disso o projecto avança.

Ainda pensou em ser músico, com a mesma humildade – "se tocasse guitarra como cozinho, seria o Eric Clapton" -, mas trocou as cordas pelas panelas por uma questão bastante prática. "Não fui músico porque, em Espanha, ser músico era muito difícil e ser cozinheiro era mais fácil", responde de sorriso aberto. No entanto, acredita que na cozinha também "há um espírito rock'n'roll".

"Hoje em dia, a cozinha criativa é o mainstream, mas quando comecei a fazer isto, há 25 anos, era algo estranho. Aparecia vestido assim [calças de ganga, botas, blusão de cabedal], fazia uma cozinha criativa e as pessoas olhavam para mim e diziam 'Oh, meu Deus!'." A rebeldia, essa, veio para ficar, mesmo que agora haja mais chefes a apresentar cozinha de autor. "Tenho a mesma atitude inconformista que tinha há 30 anos. Só que cozinho muito melhor do que toco…", salienta o cozinheiro de 47 anos.

A música não ficou esquecida e a guitarra é ainda a melhor amiga quando chega a hora de descontrair. Arola garante que não queria que fosse de forma diferente. "Gosto de tocar sem pressão. Quando cozinho, sei que tenho de pagar contas, salários, enfim. Quando toco guitarra, estou só a tocar guitarra. E não quero mudar isso. Às vezes perguntam–me se não gostava de ser músico profissional, mas não… gasto a minha energia para ter nada mais a não ser aplausos" e o prazer de fazer música.

PALCOS. A gastronomia não salta para os mesmos espaços que a música, mas o mediatismo do ofício tem trazido desafios acrescidos a quem tem na cozinha a sua forma de vida. Para Arola, foi uma evolução natural e acha que "está muito bem como está". Quando pensa em países como Portugal ou Espanha, em que "os nossos avós não tinham possibilidade de ir a restaurantes e, quando tinham, não havia oferta", acredita que a arte da cozinha está no caminho certo. O mediatismo, realça, está intimamente ligado à classe média. E sente- -se zero pressionado pelo aumento do escrutínio, garante. "Um fenómeno de classe média desperta muito mais a atenção dos meios de comunicação social. Parece-me totalmente normal e não torna o meu trabalho mais difícil. É uma win-win situation. Acredito verdadeiramente que é um fenómeno interessante."

As rotinas não mudaram e assegura que continua a entrar na cozinha todos os dias, "absolutamente todos os dias": "Às vezes estou a cozinhar em Lisboa ao almoço e à noite estou a cozinhar em Madrid. Quando vou a Abu Dhabi ou quando vou ao Raffles [Istambul], não vou para os hotéis", diz entre gargalhadas. "Cozinho todos os dias e cozinho em todos os espaços. O meu escritório é a cozinha. Aliás, passo muito mais tempo na cozinha do Penha Longa do que as pessoas pensam."

É na família que encontra a maior inspiração, mesmo que não tenha muito tempo para lhe dedicar. Está fora de casa seis meses por ano, em média, mas garante que tenta sempre passar tempo da maior qualidade com as filhas e a mulher. As primeiras foram, aliás, quem o fez levantar "todas as manhãs e continuar a dar a cara" nos últimos anos, quando a crise não facilitou. "Durante estes anos, que foram tão complicados, que trouxeram tantos problemas, elas foram a razão para continuar a tentar", mesmo que isso tenha implicado muito esforço e algumas quedas.

AÇÚCARES. A única arte que não tenta melhorar é a de doceiro. Confessa que não gosta "de cozinhar sobremesas", mas garante que tem "sempre bons pasteleiros a trabalhar" nas suas cozinhas. O que o encanta, verdadeiramente, é o peixe e o marisco, e confessa que adora "cada vez mais cozinhar legumes".

Quanto ao público de que mais gosta, não tem muitas dúvidas. Depois de confessar que Lisboa é a sua cidade de eleição "a nível mundial", o lugar onde não se importava de se "exilar", Sergi Arola garante que quando se diz que portugueses e espanhóis não se dão, "a culpa é dos espanhóis". "O português, quando está em sintonia contigo, é incrível. Quando fazes o esforço para falar portunhol, quando queres realmente interagir, quando queres gostar de Portugal, os portugueses são muito mais generosos. O público é muito agradecido. Quando realmente te entregas, quando fazes as coisas a pensar no público português, ele devolve tudo com franqueza, com sinceridade. Creio que é dos públicos mais gratos que existem", conclui.