Conheça um “herói anónimo do 25 de Abril”, uma ficção de desfecho imprevisível, assinada por um escritor mistério. “Facebook 1974” é o projecto do Teatro Maria Matos, uma viagem no tempo e uma história de amor para acompanhar até à efeméride da Revolução
Há um sítio onde de certeza não estava no 25 de Abril de 1974: no Facebook. Mas é lá que pode encontrar Pedro Xavier, que vai narrando a sua saga para reencontrar Luiza, em vésperas da Revolução dos Cravos. Até ao dia em que se assinalam os 40 anos da histórica data, um escritor mistério (cuja identidade só será revelada quando o projecto chegar ao fim) veste a pele do estudante que arrisca sair do exílio em França para voltar a Portugal e procurar a apaixonada, que um dia, misteriosamente, deixa de responder às suas cartas. Veja como se escreve o romance e o país, que à época mais parecia uma ficção, como esta. Falámos com o personagem.
Que fazia o Pedro antes de se exilar em Paris?
Terminei os estudos – o sétimo ano – no Verão passado e tinha começado a trabalhar pouco depois como estafeta no Banco Português do Atlântico.
Que memórias guarda de França, antes de voltar a Portugal?
Acima de tudo guardo a ideia de viver sem medo, de não me sentir vigiado pelos outros, de qualquer pessoa poder dizer o que pensa. Também guardo a hospitabilidade dos portugueses que lá vivem. Tanto os exilados por motivos políticos como aqueles que a pobreza obrigou a deixarem o país. Fiquei também com boa recordação de alguns parisienses; estive lá pouco tempo, não tive oportunidade de conhecer assim tantas pessoas. Mas ainda estive em muitos sítios que tinha visto nos livros: o jardim da tulherias, a torre Eiffel, o Sena, o arco do triunfo, os Champs Elysées. Tudo ainda mais lindo do que nos livros.
Porque decidiu correr o risco de voltar?
Por causa da Luiza. Tenho de a encontrar. Não posso viver sem ela. Conhecemo-nos pouco antes de eu me ir embora e no instante em que nos vimos soubemos que existimos um para o outro. Isto parece coisa de um livro ou de um filme mas é real. Gostávamos tanto de estar um com o outro que quis desistir de dar o salto para França. A Luiza prometeu-me que iria lá ter comigo. Escrevemo-nos durante meses até que qualquer coisa a fez deixar de me dar notícias. Não podia ficar em França sem saber o que lhe aconteceu.
Que pensaram os seus pais sobre o seu regresso?
Ficaram apreensivos. Preocupa-os a ideia de que algum vizinho ou conhecido me veja e me denuncie. Os meus pais não ignoram que quem é apanhado depois de fugir à tropa é mandado para os piores sítios de combate, passa a ser carne para canhão.
Que país encontra em Março de 1974?
Não estive assim tanto tempo fora. O país não pode estar muito diferente. Mas não sei se é da minha vontade de que as coisas mudem, a verdade é que sinto – ou melhor, pressinto – que este regime não vai durar muito. Apesar do conformismo e até do medo que continua a orientar a maioria das acções de cada um de nós, acho que há qualquer coisa a mudar. Tem de haver qualquer coisa a mudar.
Por que é que a Luiza não foi com o Pedro para França?
Já tinha tudo combinado para partir quando a conheci. Não é fácil ir para outro país. Especialmente quando não se tem dinheiro como é o nosso caso. Combinámos que a Luiza iria ter comigo a Paris, assim que fosse possível.
Como espera reencontrar a Luiza sem redes sociais?
Redes sociais? O que quer dizer com isso? Redes de amigos? Nunca desistirei de procurar a Luiza. Para tanto irei aos lugares mais recônditos, seguirei as pistas mais disparatadas. Não sei o que aconteceu, porque está desaparecida, o que a tem impedido de me dar notícias. Mas sei que a Luiza também nunca desistirá de me encontrar.
Em que sítios já a procurou?
Não deve haver sítio nenhum de Lisboa onde não tenha ido, onde não a tenha procurado. Também já fui a Burgau, a terra da Luiza, no Algarve, onde os pais vivem. Não sabiam nada dela mas também ainda não tinham dado conta do desaparecimento. Vivem isolados. As cartas são raras e os telefonemas ainda mais. Um país miserável.
De que cabine tentou ligar-lhe?
Não tenho para onde ligar-lhe. A Luiza vivia num quarto alugado, na Avenida da Igreja, e não recebia telefonemas. Enquanto estive em Paris mantivemo-nos em contacto por carta. As vezes que falámos por telefone, foi a Luiza que ligou para casa onde fiquei a viver.
E se descobrir que ela arranjou outro, como o seu amigo Carlos sugere?
A Luiza não pode ter arranjado outro. Pertencemo-nos. O Carlos não pode saber isso mas eu e a Luiza sabemos que pertencemos um ao outro.
Já experimentou ver se ela anda pelo largo do Carmo?
Porquê o Largo do Carmo? Sabe de alguma coisa que eu não sei? Já passei por lá várias vezes mas não a encontrei. Se souber de alguma coisa, diga-me, por favor.
O que lhe vai dizer quando/se a encontrar?
Nada. Qualquer palavra estaria a mais. O verdadeiramente importante é dito sem palavras.
Veja o trailer do projecto em http://vimeo.com/89894614 e siga a página: www.facebook.com/pedroxavier1974