Aprender ou mostrar-se inteligente?


O medo de falhar paralisa a aprendizagem e empurra os alunos para o caminho mais seguro, mesmo que esse caminho signifique abdicar de compreender a matéria. Quem nunca recorreu a resumos em vez de ler o livro completo?


A frase de que “A educação não é o enchimento de um balde, mas o acender de uma chama”, atribuída por alguns autores a William Butler Yeats, exprime bem o que pretendemos com o processo educativo. No entanto, observamos que os estudantes do ensino superior parecem estar cada vez mais focados em encher o balde com uma boa nota do que na chama resultante da aprendizagem. A disponibilização de modelos de linguagem de grande escala com capacidade de raciocínio, como o ChatGPT-5, ameaça agravar este problema, transformando a educação na busca de um atalho para a solução.

Durante décadas, a cultura académica tem promovido a mentalidade fixa identificada pela psicóloga Carol Dweck: a ideia de que somos inatamente inteligentes ou burros. O estudante esforça-se por mostrar que é inteligente, evitando o fracasso a qualquer custo. Nesta lógica, o esforço é sinal de burrice, e os erros são vistos como uma condenação. O medo de falhar paralisa a aprendizagem e empurra os alunos para o caminho mais seguro, mesmo que esse caminho signifique abdicar de compreender a matéria. Quem nunca recorreu a resumos em vez de ler o livro completo? O que é diferente hoje é que a inteligência artificial (IA) torna esta prática exponencialmente mais fácil e sofisticada, levantando um desafio inédito ao sistema educativo.

A IA atua como acelerador desta crise. Ao oferecer em segundos respostas aparentemente perfeitas, reforça a ideia de que o resultado importa mais do que o processo. A transformação em curso está bem descrita no artigo mais recente de Ethan Mollick: a IA deixou de ser apenas “co-inteligência” — um parceiro que colabora connosco — para assumir o papel de “mago”, uma entidade opaca que produz resultados mágicos sem revelar o processo. O estudante passa de participante ativo a espetador. Recebe o produto final pronto, mas perde a oportunidade de perceber o processo e desenvolver as suas próprias competências. Cada vez que entrega uma tarefa resolvida pelo “mago”, abdica de aprender a aprender, e isso compromete a aquisição de uma das capacidades mais valiosas para o futuro: a de avaliar criticamente o conhecimento.

O papel do professor torna-se, por isso, ainda mais central. A resposta não deve ser proibir a IA, mas mudar a pedagogia. É aqui que entra a mentalidade de mentor, conceito desenvolvido por David Yeager no seu livro “10 to 25: The Science of Motivating Young People”. Esta mentalidade equilibra o desafio de padrões elevados com a segurança do apoio permanente. O mentor acredita no potencial do estudante, desafia-o a ir além do que considera possível, mas fornece as ferramentas e o suporte necessários para que lá consiga chegar. Um estudo mostrou que o simples gesto de mostrar que o professor acredita na capacidade do aluno, duplicou a sua motivação para rever e melhorar o seu trabalho. O foco da avaliação deve mudar do produto final para o processo. A pergunta: “Como chegaste a esta resposta?” valoriza o processo de pensamento e não apenas o resultado.

O recente episódio do podcast “Hard Fork”, dedicado à IA na escola, mostra o seu potencial para se tornar uma ferramenta educativa poderosa se for alinhada com uma mentalidade de crescimento: a crença de que as nossas capacidades podem ser cultivadas através do esforço, da experiência e da aprendizagem. Esta mentalidade traz vantagens transformadoras: cria uma paixão por aprender e por se desafiar, redefine o esforço como o processo que transforma o talento em realização, e encara o fracasso não como uma sentença, mas como uma oportunidade de aprendizagem que fomenta a resiliência. Keith, um estudante de Princeton, usou a IA para colmatar lacunas de conhecimento que o professor não conseguia atender individualmente. Esta pode ser também uma ferramenta de autoavaliação, como experimentou Greta, estudante do MIT, ao pedir à IA resumos e questionários personalizados a partir das suas notas das aulas. Nestes casos, o “mago” não substitui o aluno, mas apoia a sua aprendizagem, reforçando o desenvolvimento de competências.

Para que este potencial se concretize, os estudantes precisam desenvolver uma nova literacia: a capacidade de se tornarem apreciadores críticos dos resultados produzidos pela IA. Saber distinguir quando a resposta é útil e fiável e quando é ilusória será uma competência fundamental. A missão do professor é ensinar o aluno a verificar, a questionar e a desconfiar, cultivando um espírito crítico que o protege da passividade.

Mas nenhuma destas mudanças acontecerá sem motivação genuína dos alunos. A chave está no respeito e na autonomia. Quando um professor demonstra acreditar que um aluno pode atingir padrões elevados, envia uma mensagem de estatuto e reconhecimento que desbloqueia a motivação intrínseca. Por outro lado, quando os estudantes usam a IA para criar os seus próprios planos de estudo ou explorar áreas de interesse, assumem o controlo do seu percurso, ficando responsáveis pela própria aprendizagem. Importa mudar a narrativa: não se trata de “não fazer batota”, mas de não se enganar a si mesmo.

A IA não é apenas mais uma ferramenta tecnológica; é um catalisador que expõe as fragilidades do modelo atual. Podemos permitir que transforme as universidades em fábricas de diplomas, ou podemos aproveitar este momento para recentrar a educação no que realmente importa: formar pessoas capazes de pensar, de aprender e de se reinventar. Com a adoção de uma mentalidade de mentor pelos professores e de crescimento pelos alunos, a IA pode deixar de ser um atalho vazio e tornar-se a melhor oportunidade que já tivemos para voltar a acender a chama.

Professor do Instituto Superior Técnico

Aprender ou mostrar-se inteligente?


O medo de falhar paralisa a aprendizagem e empurra os alunos para o caminho mais seguro, mesmo que esse caminho signifique abdicar de compreender a matéria. Quem nunca recorreu a resumos em vez de ler o livro completo?


A frase de que “A educação não é o enchimento de um balde, mas o acender de uma chama”, atribuída por alguns autores a William Butler Yeats, exprime bem o que pretendemos com o processo educativo. No entanto, observamos que os estudantes do ensino superior parecem estar cada vez mais focados em encher o balde com uma boa nota do que na chama resultante da aprendizagem. A disponibilização de modelos de linguagem de grande escala com capacidade de raciocínio, como o ChatGPT-5, ameaça agravar este problema, transformando a educação na busca de um atalho para a solução.

Durante décadas, a cultura académica tem promovido a mentalidade fixa identificada pela psicóloga Carol Dweck: a ideia de que somos inatamente inteligentes ou burros. O estudante esforça-se por mostrar que é inteligente, evitando o fracasso a qualquer custo. Nesta lógica, o esforço é sinal de burrice, e os erros são vistos como uma condenação. O medo de falhar paralisa a aprendizagem e empurra os alunos para o caminho mais seguro, mesmo que esse caminho signifique abdicar de compreender a matéria. Quem nunca recorreu a resumos em vez de ler o livro completo? O que é diferente hoje é que a inteligência artificial (IA) torna esta prática exponencialmente mais fácil e sofisticada, levantando um desafio inédito ao sistema educativo.

A IA atua como acelerador desta crise. Ao oferecer em segundos respostas aparentemente perfeitas, reforça a ideia de que o resultado importa mais do que o processo. A transformação em curso está bem descrita no artigo mais recente de Ethan Mollick: a IA deixou de ser apenas “co-inteligência” — um parceiro que colabora connosco — para assumir o papel de “mago”, uma entidade opaca que produz resultados mágicos sem revelar o processo. O estudante passa de participante ativo a espetador. Recebe o produto final pronto, mas perde a oportunidade de perceber o processo e desenvolver as suas próprias competências. Cada vez que entrega uma tarefa resolvida pelo “mago”, abdica de aprender a aprender, e isso compromete a aquisição de uma das capacidades mais valiosas para o futuro: a de avaliar criticamente o conhecimento.

O papel do professor torna-se, por isso, ainda mais central. A resposta não deve ser proibir a IA, mas mudar a pedagogia. É aqui que entra a mentalidade de mentor, conceito desenvolvido por David Yeager no seu livro “10 to 25: The Science of Motivating Young People”. Esta mentalidade equilibra o desafio de padrões elevados com a segurança do apoio permanente. O mentor acredita no potencial do estudante, desafia-o a ir além do que considera possível, mas fornece as ferramentas e o suporte necessários para que lá consiga chegar. Um estudo mostrou que o simples gesto de mostrar que o professor acredita na capacidade do aluno, duplicou a sua motivação para rever e melhorar o seu trabalho. O foco da avaliação deve mudar do produto final para o processo. A pergunta: “Como chegaste a esta resposta?” valoriza o processo de pensamento e não apenas o resultado.

O recente episódio do podcast “Hard Fork”, dedicado à IA na escola, mostra o seu potencial para se tornar uma ferramenta educativa poderosa se for alinhada com uma mentalidade de crescimento: a crença de que as nossas capacidades podem ser cultivadas através do esforço, da experiência e da aprendizagem. Esta mentalidade traz vantagens transformadoras: cria uma paixão por aprender e por se desafiar, redefine o esforço como o processo que transforma o talento em realização, e encara o fracasso não como uma sentença, mas como uma oportunidade de aprendizagem que fomenta a resiliência. Keith, um estudante de Princeton, usou a IA para colmatar lacunas de conhecimento que o professor não conseguia atender individualmente. Esta pode ser também uma ferramenta de autoavaliação, como experimentou Greta, estudante do MIT, ao pedir à IA resumos e questionários personalizados a partir das suas notas das aulas. Nestes casos, o “mago” não substitui o aluno, mas apoia a sua aprendizagem, reforçando o desenvolvimento de competências.

Para que este potencial se concretize, os estudantes precisam desenvolver uma nova literacia: a capacidade de se tornarem apreciadores críticos dos resultados produzidos pela IA. Saber distinguir quando a resposta é útil e fiável e quando é ilusória será uma competência fundamental. A missão do professor é ensinar o aluno a verificar, a questionar e a desconfiar, cultivando um espírito crítico que o protege da passividade.

Mas nenhuma destas mudanças acontecerá sem motivação genuína dos alunos. A chave está no respeito e na autonomia. Quando um professor demonstra acreditar que um aluno pode atingir padrões elevados, envia uma mensagem de estatuto e reconhecimento que desbloqueia a motivação intrínseca. Por outro lado, quando os estudantes usam a IA para criar os seus próprios planos de estudo ou explorar áreas de interesse, assumem o controlo do seu percurso, ficando responsáveis pela própria aprendizagem. Importa mudar a narrativa: não se trata de “não fazer batota”, mas de não se enganar a si mesmo.

A IA não é apenas mais uma ferramenta tecnológica; é um catalisador que expõe as fragilidades do modelo atual. Podemos permitir que transforme as universidades em fábricas de diplomas, ou podemos aproveitar este momento para recentrar a educação no que realmente importa: formar pessoas capazes de pensar, de aprender e de se reinventar. Com a adoção de uma mentalidade de mentor pelos professores e de crescimento pelos alunos, a IA pode deixar de ser um atalho vazio e tornar-se a melhor oportunidade que já tivemos para voltar a acender a chama.

Professor do Instituto Superior Técnico