Mobilidade sem clivagens


O mau desempenho dos transportes públicos é um tema recorrente nos nossos jornais. Os vários especialistas esforçam-se por apontar o mau desempenho dos transportes publicos, modo a modo, como se de um campeonato da mediocridade se tratasse. 


A mobilidade individual motorizada continua a aumentar, não obstante investimentos de melhoria de qualidade dos veículos e estações, e da redução de tarifários, entre outras medidas que têm vindo a ser tomadas.

O mau desempenho dos transportes públicos é um tema recorrente nos nossos jornais. Os vários especialistas esforçam-se por apontar o mau desempenho dos transportes publicos, modo a modo, como se de um campeonato da mediocridade se tratasse. 

Muitos falam, mas raros são os que aprofundam as causas e propõem soluções. Criticar é fácil, rapido e atraente, propor soluções exige maturidade cívica e política, e muita competência técnica, tanto restrita e especializada quanto transversal e holística. 

Mas afinal onde começa o problema?

É preciso compreender a essência e o propósito de ação das políticas de mobilidade, é aqui que está a raiz do desempenho. A essência é sistémica e transcende os transportes, o propósito de ação é a acessibilidade. Ambas contribuem para a complexidade do problema. 

O desempenho de cada modo é sem dúvida um fator crítico, com vários problemas e falhas específicas de cada modo, mas não é o único. O que o cidadão vê e experimenta é uma cadeia de mobilidade que, ou lhe proporciona uma boa relação qualidade/custo (direto e indireto), ou a sua escolha cai inevitavelmente para a motorização individual, que lhe oferece uma acessibilidade porta-a-porta, a custos razoavelmente controlados. E é esta perceção de qualidade do cidadão que comanda a sua decisão. Mas os critérios de qualidade não são universais, cada segmento da população tem prioridades específicas

No contexto das políticas de mobilidade é necessária uma interação com os setores que dominam os motivos da necessidade de acessibilidade: residência; emprego; educação; saúde; lazer. Em todos estes setores é a localização que está na génese da necessidade de acessibilidade, para os residentes, para a população idosa, para o acesso aos empregos, para infraestruturas de saúde, para infraestruturas de educação, para lazer, para turismo, etc.

A conectividade entre os vários pontos geradores de mobilidade tem de ser assegurada por uma rede de acessibilidade, planeada de acordo com a evolução do território, e não como uma rede que cresce de forma reativa, com decisões de difícil reversibilidade e forte clivagem entre modos.

Isto significa que o planeamento de cada um dos setores referidos tem de ser articulado com a rede de acessibilidades, que tem de ter um gestor para cada espaço geográfico receptor das origens e destinos dos cidadãos, e muitas vezes não coincidente com as divisões administrativas do território. Cabe a esse gestor a integração da rede, para garantir que a cadeia de mobilidade serve bem as necessidades do cidadão. Cabe aos decisores políticos reconhecerem a virtude das decisões integradas.  

Na prática, isto significa que quando um edifício é projetado no território é necessário avaliar quais as necessidades de acessibilidade da funcionalidade que vai ter, e quais as implicações para a rede existente. Se tudo isto for objeto de reflexão estratégica, então os gestores das redes integradas de acessibilidade terão potencial para projetar bons desempenhos, e os vários modos de mobilidade saberão qual o seu papel na rede, e qual o desempenho que têm de manter, investimentos a fazer, etc. Mais importante que tudo, o cidadão vai entender qual a melhor opção para a sua necessidade de acessibilidade e será induzido a tomar as decisões individuais que mais e melhor contribuem para a sustentabilidade dos territórios. 

Enquanto as decisões forem tomadas em clivagem modal e setorial, não chegaremos a bons desempenhos, por mais investimento que se faça. O problema está na genese da acessibilidade e exige reconhecimento de que a mobilidade é um sistema territorial complexo, transversal a vários setores da sociedade.

Rosário Macário
Professora do Instituto Superior Técnico

Mobilidade sem clivagens


O mau desempenho dos transportes públicos é um tema recorrente nos nossos jornais. Os vários especialistas esforçam-se por apontar o mau desempenho dos transportes publicos, modo a modo, como se de um campeonato da mediocridade se tratasse. 


A mobilidade individual motorizada continua a aumentar, não obstante investimentos de melhoria de qualidade dos veículos e estações, e da redução de tarifários, entre outras medidas que têm vindo a ser tomadas.

O mau desempenho dos transportes públicos é um tema recorrente nos nossos jornais. Os vários especialistas esforçam-se por apontar o mau desempenho dos transportes publicos, modo a modo, como se de um campeonato da mediocridade se tratasse. 

Muitos falam, mas raros são os que aprofundam as causas e propõem soluções. Criticar é fácil, rapido e atraente, propor soluções exige maturidade cívica e política, e muita competência técnica, tanto restrita e especializada quanto transversal e holística. 

Mas afinal onde começa o problema?

É preciso compreender a essência e o propósito de ação das políticas de mobilidade, é aqui que está a raiz do desempenho. A essência é sistémica e transcende os transportes, o propósito de ação é a acessibilidade. Ambas contribuem para a complexidade do problema. 

O desempenho de cada modo é sem dúvida um fator crítico, com vários problemas e falhas específicas de cada modo, mas não é o único. O que o cidadão vê e experimenta é uma cadeia de mobilidade que, ou lhe proporciona uma boa relação qualidade/custo (direto e indireto), ou a sua escolha cai inevitavelmente para a motorização individual, que lhe oferece uma acessibilidade porta-a-porta, a custos razoavelmente controlados. E é esta perceção de qualidade do cidadão que comanda a sua decisão. Mas os critérios de qualidade não são universais, cada segmento da população tem prioridades específicas

No contexto das políticas de mobilidade é necessária uma interação com os setores que dominam os motivos da necessidade de acessibilidade: residência; emprego; educação; saúde; lazer. Em todos estes setores é a localização que está na génese da necessidade de acessibilidade, para os residentes, para a população idosa, para o acesso aos empregos, para infraestruturas de saúde, para infraestruturas de educação, para lazer, para turismo, etc.

A conectividade entre os vários pontos geradores de mobilidade tem de ser assegurada por uma rede de acessibilidade, planeada de acordo com a evolução do território, e não como uma rede que cresce de forma reativa, com decisões de difícil reversibilidade e forte clivagem entre modos.

Isto significa que o planeamento de cada um dos setores referidos tem de ser articulado com a rede de acessibilidades, que tem de ter um gestor para cada espaço geográfico receptor das origens e destinos dos cidadãos, e muitas vezes não coincidente com as divisões administrativas do território. Cabe a esse gestor a integração da rede, para garantir que a cadeia de mobilidade serve bem as necessidades do cidadão. Cabe aos decisores políticos reconhecerem a virtude das decisões integradas.  

Na prática, isto significa que quando um edifício é projetado no território é necessário avaliar quais as necessidades de acessibilidade da funcionalidade que vai ter, e quais as implicações para a rede existente. Se tudo isto for objeto de reflexão estratégica, então os gestores das redes integradas de acessibilidade terão potencial para projetar bons desempenhos, e os vários modos de mobilidade saberão qual o seu papel na rede, e qual o desempenho que têm de manter, investimentos a fazer, etc. Mais importante que tudo, o cidadão vai entender qual a melhor opção para a sua necessidade de acessibilidade e será induzido a tomar as decisões individuais que mais e melhor contribuem para a sustentabilidade dos territórios. 

Enquanto as decisões forem tomadas em clivagem modal e setorial, não chegaremos a bons desempenhos, por mais investimento que se faça. O problema está na genese da acessibilidade e exige reconhecimento de que a mobilidade é um sistema territorial complexo, transversal a vários setores da sociedade.

Rosário Macário
Professora do Instituto Superior Técnico