Um ponto no i


Tenho sempre presente a juventude, o dinamismo e a criatividade de um grupo de gente corajosa, bem-disposta, mal paga, mas que deitava tudo para trás das costas quando o dia começava para preparar a edição de amanhã.


Pedem-me umas palavras sobre a minha passagem pelo i enquanto diretor, o que faço com tristeza dadas as circunstâncias. Foram cerca de três anos durante os quais uma redação dedicada produziu um jornal diário em dificuldades, mas com vendas aceitáveis, um online ganhador e uma informação que era sistematicamente citada nas televisões e outros meios pelas suas cachas. A essa indiscutível influência juntava um grafismo irreverente e único que valeu prémios nacionais e internacionais sucessivos. O convite do Mário Ramires para dirigir o jornal teve a ver com um longo conhecimento mútuo e, infelizmente, com o estado de saúde do meu antecessor, o grande jornalista António Ribeiro Ferreira, que, depois de recuperado, ainda voltou à casa com todo o seu talento, até que a doença o levou para sempre. A experiência no i, no qual já escrevia como colunista, que voltei a ser depois de deixar o cargo, foi gratificante. Viveram-se, claro, momentos tensos de luta pela manutenção de postos de trabalho e pela existência de meios por parte de uma equipa competentíssima de jornalistas, fotojornalistas, gráficos, comerciais e quadros administrativos e de logística. Resistiu-se tanto quanto possível, mantendo qualidade jornalística, pluralismo e pluralidade, coisas de que ninguém abdicava. Inovador, moderno e descomplexado, traços mantidos até hoje, o i liderava, por exemplo, no desvendar do devastador caso BES/GES, originando pressões e ameaças de censura. Resistia-se em bloco e o ambiente, pontualmente tenso como em qualquer redação que se preze, era de união quando o produto noticioso causava engulhos aos diversos poderes. Tenho sempre presente a juventude, o dinamismo e a criatividade de um grupo de gente corajosa, bem-disposta, mal paga, mas que deitava tudo para trás das costas quando o dia começava para preparar a edição de amanhã. O projeto do i para que me convidaram era mais vasto do que o jornal. Visava criar uma informação multiplataformas que, obviamente, iria fazer com que o jornal impresso perdesse o terreno que se ganharia com rádio, vídeo, uma forte aposta digital e uma opinião de referência. Falhou o investimento, mas não os que produziam a informação. Muitos deles estão ativos no grupo do i ou noutros meios. Só podem estar orgulhosos do contributo que deram ao jornalismo, um pilar essencial da Democracia, que está em perigo devido à proliferação de radicalismos de esquerda e de direita e à massificação e manipulação das redes sociais, que tudo fazem para dispensar a mediação dos jornalistas.

Ex-diretor

Um ponto no i


Tenho sempre presente a juventude, o dinamismo e a criatividade de um grupo de gente corajosa, bem-disposta, mal paga, mas que deitava tudo para trás das costas quando o dia começava para preparar a edição de amanhã.


Pedem-me umas palavras sobre a minha passagem pelo i enquanto diretor, o que faço com tristeza dadas as circunstâncias. Foram cerca de três anos durante os quais uma redação dedicada produziu um jornal diário em dificuldades, mas com vendas aceitáveis, um online ganhador e uma informação que era sistematicamente citada nas televisões e outros meios pelas suas cachas. A essa indiscutível influência juntava um grafismo irreverente e único que valeu prémios nacionais e internacionais sucessivos. O convite do Mário Ramires para dirigir o jornal teve a ver com um longo conhecimento mútuo e, infelizmente, com o estado de saúde do meu antecessor, o grande jornalista António Ribeiro Ferreira, que, depois de recuperado, ainda voltou à casa com todo o seu talento, até que a doença o levou para sempre. A experiência no i, no qual já escrevia como colunista, que voltei a ser depois de deixar o cargo, foi gratificante. Viveram-se, claro, momentos tensos de luta pela manutenção de postos de trabalho e pela existência de meios por parte de uma equipa competentíssima de jornalistas, fotojornalistas, gráficos, comerciais e quadros administrativos e de logística. Resistiu-se tanto quanto possível, mantendo qualidade jornalística, pluralismo e pluralidade, coisas de que ninguém abdicava. Inovador, moderno e descomplexado, traços mantidos até hoje, o i liderava, por exemplo, no desvendar do devastador caso BES/GES, originando pressões e ameaças de censura. Resistia-se em bloco e o ambiente, pontualmente tenso como em qualquer redação que se preze, era de união quando o produto noticioso causava engulhos aos diversos poderes. Tenho sempre presente a juventude, o dinamismo e a criatividade de um grupo de gente corajosa, bem-disposta, mal paga, mas que deitava tudo para trás das costas quando o dia começava para preparar a edição de amanhã. O projeto do i para que me convidaram era mais vasto do que o jornal. Visava criar uma informação multiplataformas que, obviamente, iria fazer com que o jornal impresso perdesse o terreno que se ganharia com rádio, vídeo, uma forte aposta digital e uma opinião de referência. Falhou o investimento, mas não os que produziam a informação. Muitos deles estão ativos no grupo do i ou noutros meios. Só podem estar orgulhosos do contributo que deram ao jornalismo, um pilar essencial da Democracia, que está em perigo devido à proliferação de radicalismos de esquerda e de direita e à massificação e manipulação das redes sociais, que tudo fazem para dispensar a mediação dos jornalistas.

Ex-diretor