Lei aprovada num dia coloca Zelensky sob pressão

Lei aprovada num dia coloca Zelensky sob pressão


O presidente ucraniano assinou uma lei que levou, pela primeira vez desde o início da guerra, milhares de pessoas à rua. Os parceiros europeus também não estão satisfeitos e consideram a decisão um tiro no pé.


Milhares de cidadãos ucranianos saíram esta semana à rua em protesto contra uma lei que, segundo as críticas, coloca em xeque a independência dos órgãos nacionais responsáveis pelo combate à corrupção. As manifestações acontecem num momento em que a Rússia intensifica os seus ataques ao país e onde uma saída para o conflito que coloca em causa a própria soberania da Ucrânia parece estar longe. Chefe de Estado de um país que luta pela sobrevivência há já quase três anos e meio, Volodymyr Zelensky vê-se assim a braços com uma polémica da qual poderá sair fragilizado e que poderá minar as pretensões ucranianas de integrar formalmente as instituições ocidentais.

A lei em causa, aprovada pelo Parlamento ucraniano e assinada pelo presidente Volodymyr Zelensky, coloca as organizações de combate à corrupção – o Gabinete Anticorrupção da Ucrânia (NABU) e a Procuradoria Especializada de Combate à Corrupção (SAPO) -, criadas na sequência da Euromaidan, sob a tutela do procurador-geral da Ucrânia. Uma manobra que acabará por resultar no esvaziamento da sua independência, uma vez que o cargo de procurador-geral é nomeado pelo próprio Presidente.

A polémica vem na sequência de uma guerra entre a procuradoria geral e estes organismos, que atingiu outra magnitude durante esta semana. Como noticiado pela CNN, os serviços de segurança levaram a cabo «dezenas de buscas contra as localizações do NABU». Em concreto, «mais de 80 localizações da unidade responsável pelo combate à corrupção foram alvo de buscas» e «foram abertos casos contra 19 funcionários do NABU». Ainda segundo o mesmo canal de notícias, as buscas ficaram marcadas pela violência: «Ruslan Mahamedrasulov, chefe dos investigadores do NABU, detido por alegadas ligações à Rússia, chegou ao Tribunal Distrital de Pecherskyi, em Kiev, com uma marca na cabeça». A maioria das investigações prende-se com a questão de ligações à Rússia.

Para além do conteúdo da medida, foi também a velocidade relâmpago com que foi aprovada que causou celeuma. Como noticiou a CNN, foi «aprovada pela comissão parlamentar, aprovada pela legislatura, assinada pelo presidente do parlamento, Ruslan Stefanchuk, e por Volodymyr Zelensky, tudo num único dia». No Parlamento registaram-se 263 votos a favor e 13 contra. «Hoje, 263 alegres deputados legalizaram a corrupção. A mensagem era simples: podem levar o que quiserem, desde que se mantenham leais», disse Yaroslav Zheleznyak, membro da oposição.

Como escreveu a Deustche Welle, agência de notícias alemã, desde 2015 que a Ucrânia tem adotado «uma postura mais dura contra a corrupção, tanto como pré-requisito para ingressar na União Europeia quanto para tranquilizar os seus aliados que enviam ajuda em tempos de guerra».

Machadada no sonho europeu
Bruxelas não demorou a críticar o executivo ucraniano. «A Presidente von der Leyen transmitiu as suas fortes preocupações relativamente às consequências das alterações e solicitou explicações ao Governo ucraniano», disse o porta-voz da Comissão Europeia, Guillaume Mercier, ao Politico. «O respeito pelo Estado de direito e a luta contra a corrupção são elementos fundamentais da União Europeia. Enquanto país candidato, espera-se que a Ucrânia respeite plenamente estas normas. Não pode haver um meio-termo», acrescentou.

A condenação, e o aviso de que, assim, a tão desejada entrada da Ucrânia na União Europeia fica em xeque, chegou também de vários Estados-membros. Johan Wadephul, ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, escreveu na rede social X que «limitar a independência dos organismos de luta contra a corrupção dificulta a aproximação da Ucrânia à UE». Foi também através do X que os ministros dos Negócios Estrangeiros checo e polaco, Jan Lipavský e Radoslaw Sikorski, respetivamente, se manifestaram. «A Ucrânia pertence à Europa e o nosso apoio vai para o seu povo. Mas o nosso apoio nunca foi e nunca será um cheque em branco para quaisquer ações do governo», disse Lipavský. Sikorski partilhou uma publicação de Marta Kos, Comissária Europeia para o Alargamento, onde mostra estar «seriamente preocupada com a votação (…) O desmantelamento das principais salvaguardas que protegem a independência da NABU é um grave passo atrás. Organismos independentes como a NABU e o SAPO são essenciais para o percurso da Ucrânia na UE».