Há a expectativa que as empresas deeptech sejam o futuro da Europa, mas fora do palco do hype, continuam a ser tratadas como hobbies académicos com pretensões empresariais. Faltam investidores dispostos a esperar que elas cresçam.
Nas universidades nascem tecnologias transformadoras, inovações e tecnologias deeptech baseadas em investigação científica avançada. No entanto, uma parte significativa deste conhecimento nunca chegará ao mercado. Fica preso entre artigos científicos, patentes não licenciadas e protótipos que não ultrapassam a fase laboratorial. São soluções reais para problemas reais, mas levam anos a maturar. São inovações como nanomateriais de elevada qualidade e propriedades únicas, materiais inteligentes para energia ou dispositivos quânticos para comunicações seguras. São tecnologias com risco, mas também com potencial de impacto global.
A sociedade alimenta a fantasia de que estas tecnologias, transformadas em spin-offs académicos serão unicórnios de sucesso rápido e retorno imediato. A realidade? Para cada sucesso mediático, há centenas de projetos estagnados, limitados pelo financiamento escasso, pela impaciência dos investidores e por um mercado que exige retornos rápidos de tecnologias que ainda estão em fase de prova de conceito. Como escreveu Alex Lazarow na Harvard Business Review, “Startups, está na altura de pensar como camelos, não como unicórnios”. As startups deeptech são mais parecidas com um camelo: resistente, paciente e capaz de sobreviver a longas jornadas em condições difíceis.
O problema central está no descompasso entre o tempo da ciência e o tempo do capital. A maioria das tecnologias deeptech segue ciclos de maturação longos, imprevisíveis e altamente técnicos. Mesmo assim, algumas são frequentemente empurradas para o mercado pelo hype mas acabam por colapsar ao primeiro contacto com a realidade industrial. A ironia é que muitas funcionam, mas não no calendário do investidor tradicional.
Falta capital paciente. O venture capital continua a privilegiar modelos de negócio digitais, escaláveis e de rápido retorno, deixando de lado tecnologias de elevado impacto, mas com capital inicial intensivo e ciclos de desenvolvimento de cinco ou dez anos. Em muitas áreas deeptech, os mercados são fortemente regulados e cumprir todas as regras demora. Isso atrasa a entrada no mercado, e pesa na viabilidade e no acesso a investimento. É mais fácil captar investimento para mais uma plataforma de informática do que para uma tecnologia que pode ser transformadora, mesmo que o segundo tenha potencial para redefinir sectores inteiros.
O sistema de inovação atual não recompensa o mérito científico ou a maturidade tecnológica, recompensa boas histórias. O hype, profundamente ligado a expectativas sociais, visões mediáticas do futuro e o poder da promessa de transformação radical, sobrepõe-se à maturidade tecnológica. Tecnologias com promessas irresistíveis, mesmo sem provas de viabilidade a curto ou médio prazo, atraem financiamentos milionários enquanto tecnologias sólidas e escaláveis, já validadas em laboratório e com aplicação industrial clara, permanecem invisíveis e continuam a lutar para captar os primeiros 500 mil euros. Combater o culto do hype é essencial para construir expectativas realistas, tanto junto dos investidores como da sociedade em geral.
Mesmo quando a tecnologia está pronta, falta quase sempre o mais difícil: uma aplicação irresistível que faça a tecnologia arrancar. Esta killer application é o catalisador que justifica o esforço, o risco e o investimento necessários para levar a tecnologia ao mercado. Sem uma aplicação clara, irresistível e economicamente óbvia, a deeptech permanece como uma solução à procura de um problema. Encontrá-la exige mais do que boa ciência, exige indústria curiosa, disposta a experimentar e a co-desenvolver antes de tudo estar pronto e validado. E exige financiamento. Apostar em deeptech sem incentivar que exista um ecossistema industrial que promova esse encaixe mercado-tecnologia é como alimentar um camelo para atravessar o deserto… sem saber se há um oásis no fim.
As universidades são ótimas a gerar conhecimento, mas por missão não estão vocacionadas para gerar negócios. A transferência de tecnologia continua a ser lenta, complexa e com os interesses de quem faz ciência desalinhados de quem quer transformar essa ciência em produtos ou serviços. Precisamos de pontes reais para o mercado: estruturas híbridas, spin-outs com governança profissional, equipas com cientistas empreendedores e apoio operacional a sério. E sobretudo um ecossistema de investidores com capital paciente.
Não há spin-off sem fundadores que dominem a fundo a tecnologia, conheçam as suas limitações e saibam como fazê-la evoluir. Mas é irrealista pedir a um cientista que abandone estabilidade e carreira por incerteza e risco, sem apoio real. Se queremos investigadores a empreender, precisamos de capital que pague o risco, com salários dignos, cofundadores experientes e estruturas que facilitem a transição do laboratório para o mercado. Esperar que saltem sem rede é a melhor forma de matar a inovação à nascença.
As deeptech universitárias não deveriam precisar de vestir a pele de unicórnio para merecer investimento. Se queremos transformar conhecimento em impacto, temos de parar de exigir retorno imediato de tecnologias com potencial, mas que requerem investimento paciente para maturar. É preciso abandonar o culto do pitch e investir com a paciência e resistência de um camelo. O verdadeiro unicórnio deeptech não corre, caminha devagar, mas muda o mundo.
Investigador do Instituto Superior Técnico
/Presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear







