Taxas turísticas assustam mais os portugueses

Taxas turísticas assustam mais os portugueses


Taxas turísticas variam consoante a cidade e pode depender da época do ano. Hoteleiros acreditam que a tendência é para aumentar mas criticam falta de regulação que pode levar à tentação de receitas fáceis.


A aplicação das taxas turísticas poderá levar à ‘fuga’ de alguns turistas nacionais por serem «mais sensíveis ao fator preço», diz ao Nascer do SOL,  Cristina Siza Viera, presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP). E dá exemplos: «Nas estadias familiares, este encargo adicional tem um impacto significativo e pode ser um fator de decisão, sobretudo nos meses de verão».

Uma situação que, de acordo com a responsável, poderia ser equacionada, no sentido de haver uma eventual isenção para residentes. No entanto, admite que «tem de ser avaliada com seriedade, tendo em conta o impacto real no mercado interno e a sustentabilidade da taxa turística em si».

Daí a posição da AHP em relação a esta matéria tem sido bastante crítica. «Defendemos que, do ponto de vista legal, as taxas turísticas deveriam ser previstas na Lei das Finanças Locais, para que possa haver rigor nos critérios quer na sua criação, que na sua aplicação. De resto, as taxas turísticas são uma realidade em muitas cidades do mundo onde há forte pressão turística. O que nos preocupa, em Portugal, é a sua aplicação generalizada, mesmo em contextos que não o justificam», referindo que «só em situações onde seja necessário compensar essa forte pressão, as mesmas possam ser usadas como instrumento de gestão, a par de outras medidas, e sempre considerando o impacto que possam ter na competitividade dos destinos».

Ainda assim reconhece que, «se forem efetivamente aplicadas, é essencial garantir total transparência na sua gestão, assegurando que os fundos arrecadados são efetivamente reinvestidos no setor – seja na promoção turística, na melhoria de infraestruturas ou na sustentabilidade dos territórios».

Um cenário que nem sempre se verifica, uma vez que, a AHP considera que há em muitos municípios, uma grande falta de escrutínio na forma como as verbas da taxa turística são aplicadas. «Isto é, estas verbas entram nos orçamentos gerais das câmaras e servem para as despesas correntes ou outras, de caráter geral. Daí insistirmos na necessidade de um escrutínio rigoroso e de uma prestação de contas clara por parte das autarquias, sobre, recorde-se, estes tributos, que as autarquias alegam serem ‘taxas’ e não impostos», salienta.

Como solução e para evitar estes problemas, Cristina Siza Vieira, defende que seria vantajoso que as câmaras municipais explicassem publicamente onde e como estão a usar este dinheiro. «Na verdade, é nossa convicção que a taxa está a ser encarada como uma outra qualquer receita fiscal, sem ligação direta, nem à prestação de serviço ao turista, nem à qualificação do destino. E, ao contrário, nos tempos que correm, esta taxa pode ser uma oportunidade para comunicar junto da comunidade residente o impacto positivo do turismo, ajudando a reduzir o desfasamento entre aquilo que os residentes percecionam e o que os turistas ‘pesam’», admite.

Aumenta a pressão

É certo que de Norte a Sul do país são muitos os municípios que cobram taxas turísticas e quase todos eles já aumentaram ou querem aumentar esse valor. De acordo com as contas da AHP, neste momento, são já mais de 40 os municípios em Portugal que aplicam esta taxa.

Os valores variam, regra geral, entre um e os quatro euros por noite, por pessoa, consoante o município. São também diferentes os períodos nos quais a taxa é aplicada, as idades, as exceções, etc. «Esta dispersão de critérios e montantes é, em si, um problema. Cria desigualdades entre destinos e confusão, tanto para operadores como para turistas», alerta Cristina Siza Vieira.

Uma tendência que, de acordo com a vice-presidente da AHP, tende a aumentar. «Estamos a assistir a uma tendência de crescimento – não só no número de municípios que a aplicam, mas também no valor cobrado. O que nos preocupa é que esse crescimento esteja a acontecer sem um quadro nacional que regule esta matéria de forma coerente. Sem esse enquadramento, repete-se, corremos o risco de a taxa ser utilizada pelas autarquias como uma receita fácil, completamente desvirtuada do seu objetivo original», salienta.

A título de exemplo, Lisboa e Cascais são as autarquias a cobrar mais por esta taxa: quatro euros. Depois seguem-se o Porto (três euros) e Vila Nova de Gaia (2,5 euros).

As restantes autarquias, como é o caso de Braga, Coimbra, Sintra, Figueira da Foz ou várias regiões do Algarve, cobram valores entre um e dois euros. E é preciso ter em conta que nem todos cobram sempre o mesmo valor, alguns são sazonais, como é o caso da Figueira da Foz que cobra 1,5 euros entre outubro e março e dois euros entre abril e setembro.

Números recorde

A aplicação destas taxas ganha novos contornos com o número de turistas que chegam a Portugal e que, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), terão atingido os 29 milhões em 2024, um valor que representa uma subida de 9,3% face ao ano anterior.

O mercado espanhol manteve-se como a principal origem de turistas internacionais (quota de 24,7%), tendo crescido 7,5% face ao ano anterior. O mercado do Reino Unido (12,0% do total) manteve-se como o segundo principal mercado emissor, aumentando 4,5%, seguido pelo mercado francês (11,6% do total), que cresceu 2,3%.

Os dados mostram ainda que a generalidade dos meios de alojamento turístico registou 34 milhões de hóspedes que proporcionaram 88,3 milhões de dormidas em 2024, correspondendo a aumentos de 4,8% e 3,8%, respetivamente. O mercado interno gerou 32,3% das dormidas em 2024, 28,5 milhões, mais 1,7% do que no ano anterior. Os mercados externos deram origem a 59,8 milhões de dormidas, refletindo um crescimento anual de 4,8%.

Já as dormidas de não residentes representaram 67,7% das dormidas na generalidade dos meios de alojamento em 2024, tendo este sido o ano, desde 2013, em que se observou uma maior dependência dos mercados internacionais, apenas superado pelo ano de 2017, em que estes mercados totalizaram 67,8% do total. Face a 2023, assistiu-se a um aumento de 0,7 p.p. da dependência de mercados externos, em termos de dormidas.

As deslocações turísticas dos residentes atingiram 22,9 milhões, recuando 3,2%, em resultado da dinâmica das viagens em território nacional, que diminuíram 4,7% face ao ano anterior, atingindo 19,5 milhões. Pelo contrário, as deslocações para o estrangeiro aumentaram 6,2% em comparação com 2023, alcançando 3,4 milhões em 2024.

Em 2024, a despesa média por turista em cada viagem teve um acréscimo de 14,1% face ao valor de 2023, fixando-se em 276,6 euros. Nas deslocações domésticas, os residentes gastaram, em média, 176,7 euros por turista/viagem, +7,5% que em 2023. Nas deslocações para o estrangeiro, o gasto médio por turista/viagem cresceu 14,6% em 2024, tendo atingido 843,8 euros. 

O que esperar deste verão?

As previsões dos empresários hoteleiros para o verão que agora inicia são moderadas, segundo chegou a revelar a AHP com base num inquérito realizado recentemente. «As previsões para o verão são, em geral, positivas, mas ainda marcadas por alguma incerteza, com apenas um terço dos empreendimentos turísticos inquiridos a reportarem mais de metade da sua capacidade já reservada».

Comentando estes dados, Cristina Siza Vieira confirma: «As expectativas para o verão de 2025 são positivas, mas marcadas por prudência». Mas, apesar disso, acrescenta, «há sinais encorajadores, como a subida do preço médio por quarto e dos proveitos totais, e o crescimento de mercados como os EUA, Canadá, países nórdicos e Coreia do Sul, que estão a ganhar peso no panorama nacional».

No entanto, alerta para três desafios «significativos»: «A capacidade aeroportuária limitada – com Lisboa praticamente esgotada e Faro a operar com constrangimentos –, os efeitos das alterações climáticas, que podem afastar determinados perfis de turistas, e o contexto geopolítico instável, que tem impacto direto no comportamento do consumidor».

A juntar a isto, a responsável lembra os dados mais recentes da Comissão Europeia mostram que o Indicador de Confiança dos Consumidores em 2025 está cerca de dois pontos abaixo do valor registado em 2024, «o que indica uma maior contenção na decisão de compra e reforça a necessidade de uma gestão ainda mais cuidadosa do verão que temos pela frente».

E a Europa?

 Amesterdão  lidera a lista das cidades europeias com as taxas turísticas mais elevadas, cobrando 12,5% do valor total da reserva, numa estratégia para gerir o excesso de turismo e garantir que este contribui diretamente para os serviços públicos e a manutenção urbana, revela um estudo da Holidu.

Já cidades como Atenas, Rodes e outras na Grécia estão a aplicar uma taxa de resiliência climática para apoiar as infraestruturas e o turismo sustentável. A taxa não é uniforme e varia consoante o tipo de alojamento e a época do ano. Com taxas mais baixas durante os meses de baixa temporada (novembro a março).

Milão, Roma, Florença e Bolonha, em Itália, também ajustaram os seus impostos para 2025, com valores que podem chegar aos 10 euros por noite para alojamento de luxo. Em Berlim, o imposto aumentou para 7,5%, refletindo uma mudança significativa na política que se aplica a todas as estadias, incluindo as de negócios.

Projetos financiados

Em Lisboa, o financiamento de projetos ou atividades com verbas da taxa turística é gerido pelo Fundo de Desenvolvimento Turístico de Lisboa (FDTL). E da lista de investimentos que nasceram com estas receitas destaca-se  a Doca da Marinha, a Estação Sul e Sueste, o Museu Tesouro Real ou o Centro Interpretativo da Ponte 25 de Abril. Também a Web Summit é financiada, em parte, através do FDTL.

Já em Cascais, as taxas foram aplicadas para restauro de edifícios, eventos e salas expositivas, enquanto em Sintra teve como destino a realização de projetos, estudos, equipamentos ou infraestruturas com vista a promover um turismo sustentável e a preservação do património.

No Porto, as taxas revertem para a diversificação da oferta turística, com a criação dos quarteirões turísticos e novos roteiros, na regularização e qualificação do setor turístico com ações de capacitação junto dos profissionais e agentes turísticos, e na regulamentação da ocupação do espaço público com animadores de rua.

Cenário diferente aplica-se nas zonas de praia. Por exemplo, a verba arrecadada na Póvoa de Varzim  tem como objetivo melhorar equipamentos ligados ao turismo, como acessos, sinalética e espaços públicos. Já em Faro foi usado para reforçar as infraestruturas turísticas.