Conta a história que eram 3h42 da madrugada do dia 28 de fevereiro de 1969 quando “o país tremeu de ponta a ponta”, causando danos e perdas, sobretudo na região do Algarve – onde ruíram cerca de 400 casas.
Em Lisboa caíram chaminés e paredes instáveis desabaram sobre os veículos estacionados. A energia e as telecomunicações falharam. O sismo de magnitude 7.9, com epicentro no mar, a sudoeste do Cabo de S. Vicente, causou alarme e pânico. Foi há 56 anos.
Mais recentemente, o sismo de 17 de fevereiro de 2025, de magnitude 4.7, com epicentro próximo da Fonte da Telha, causou alarme, mas, felizmente, não causou danos. O mesmo aconteceu com o de 26 de agosto de 2024, com epicentro a 60 km a oeste de Sines e magnitude 5,3. E, como não houve danos, a preocupação dissipou-se rapidamente. “Afinal, está tudo bem”, disseram as autoridades. E quando tudo parece estar bem, não há notícia para os jornais. E assim se mantém sossegada a população.
Ainda mais recentemente, a 11 de março, o sismo de magnitude de 5,1 foi sentido em praticamente toda a ilha de São Miguel, nos Açores. Foi o maior registado na região desde o trágico abalo de 1998, que causou danos avultados nas ilhas do Faial e Pico.
Mas estará mesmo tudo bem?
Em Portugal, muitos edifícios foram construídos antes da década de 90, período em que os regulamentos não exigiam o mesmo grau de segurança sísmica que o atual. Em caso de um sismo de maior intensidade, essas construções representam, em média, um risco acrescido em relação às atuais e, consequentemente, mais danos.
É crucial que os decisores políticos adotem estratégias concretas para mitigar este risco. Estudos e diagnósticos não faltam – ao longo dos anos, acumularam-se relatórios e estudos sobre a perigosidade e vulnerabilidade do parque construído, de norte a sul do país. Estudos e análises sobre o impacto físico, económico e social apontam sempre os mesmos resultados. No entanto, falta transformar conhecimento em medidas concretas. É necessário investir no reforço sísmico – investir hoje para proteger amanhã.
Não investimos em resiliência porque os custos iniciais são elevados, enquanto os benefícios se materializam ao longo do tempo. Como esses benefícios – como menor necessidade de manutenção e menor risco – não são totalmente valorizados na tomada de decisão pública e privada, o investimento em resiliência é visto mais como um custo a minimizar do que como uma fonte de valor. Essa visão de curto prazo compromete a capacidade de resposta e recuperação das cidades.
É fundamental definir programas de reforço sísmico a nível local e nacional (equipamentos, infraestruturas críticas), com prazos bem estabelecidos, incentivos e garantias de financiamento. Apenas assim as entidades públicas, o setor privado e o cidadão comum, poderão investir na resiliência dos seus edifícios. Reforçar edifícios prioritários e infraestruturas críticas, como hospitais, escolas, creches, esquadras de polícia e quartéis de bombeiros, é essencial para garantir uma resposta eficaz em situações de emergência. Além disso, incorporar sistemas de proteção sísmica, como o isolamento de base, em novos projetos hospitalares públicos ou privados, não deve ser apenas uma recomendação, deve ser uma exigência obrigatória para as zonas de maior risco sísmico do país – pois só assim se consegue garantir a operacionalidade e funcionamento dos hospitais.
O planeamento do território deve também ser feito com responsabilidade. Não se deve autorizar a localização de novas escolas, hospitais, museus ou outras instalações de importância elevada e grande concentração de pessoas em áreas sujeitas a inundação por tsunami, ou a outros riscos naturais – a implementação desta medida tem a melhor relação custo-benefício.
Educar e comunicar de forma clara, tem um papel essencial na prevenção e redução dos riscos.
Recordemos os efeitos da tempestade Martinho, que atingiu o país nos dias 19 e 20 de março de 2025: na estação meteorológica do Técnico-Alameda foi registada uma rajada de 167 km/h. Pelo menos quatro escolas, no concelho de Pombal, permaneceram fechadas no dia 20 devido à falta de eletricidade. As coberturas de vários estádios sofreram danos graves, como sejam o do Rio Ave, do Arcos (Vila do Conde), de Santo António (Nogueira do Cravo), o do GD Sourense e do Restelo. Escolas ficaram sem as coberturas em Odivelas e Boliqueime, no Algarve. Árvores caíram sobre veículos estacionados e habitações, um pouco por todo o país, causando prejuízos, muitas vezes não cobertos pelos seguros. Houve cortes de estradas e perturbações na circulação ferroviária nas linhas de Cascais, Douro, Vouga, Oeste, Beira-Alta e no comboio da Ponte 25 de Abril. Pelo menos 15 pessoas ficaram desalojadas e mais de 80 mil, nos distritos de Leiria, Coimbra e Viana do Castelo, tiveram falhas ou cortes de eletricidade. Certamente, os danos foram ainda mais vastos e causaram prejuízos significativos – muitos dos quais poderiam ter sido evitados com um investimento em prevenção e uma cultura de gestão de risco.
No entanto, um sismo de maior intensidade não é comparável a uma tempestade. É muito pior. Durante uma tempestade, há sempre um aviso prévio de algumas horas, permitindo que as pessoas tomem medidas preventivas, como estacionar longe de árvores ou estruturas vulneráveis e evitar deslocações desnecessárias. No caso dos sismos, a única forma de reduzir riscos é através da preparação antecipada – um processo que leva décadas.
Se há algo que a história nos ensina, é que os sismos de ontem são um aviso para os de amanhã.
Investigadora do Instituto Superior Técnico / CERis – Investigação e Inovação em Engenharia Civil para a Sustentabilidade
Engenheira do Território.
Especialista em risco sísmico