Economia deverá crescer mais apesar da turbulência

Economia deverá crescer mais apesar da turbulência


Banco de Portugal acabou por rever as projeções em alta ligeira para este ano. César das Neves diz que ‘estes dados mostram um crescimento razoável, fruto de circunstâncias inesperadas, que se têm mostrado positivas, mas temporárias’.


A economia portuguesa crescerá 2,3% este ano, mas deverá abrandar para 2,1% e 1,7% em 2026 e 2027. As contas são do Banco de Portugal (BdP). «No horizonte da projeção, antecipa-se o regresso a um padrão de crescimento mais assente no investimento e nas exportações do que no consumo que, em 2024, explica mais de metade do crescimento», diz em comunicado a instituição liderada por Mário Centeno. 

Números que não surpreendem João César das Neves. «Estes dados mostram para 2025 um crescimento razoável, fruto de circunstâncias inesperadas, que se têm mostrado positivas, mas temporárias. Por isso, no médio prazo, a previsão reverte para a tendência de fundo, que é fraca, como tem sido por cá há mais de duas décadas», diz o economista ao Nascer do SOL.

Em relação a este ano, as previsões feitas pelo banco central ficam aquém das estimativas do Governo, que apontam para um crescimento de 2,5%, mas por outro lado representam uma melhoria tendo em conta os números avançados pelo BdP em dezembro, e que apontavam para uma aceleração de 2,3%. Também nesta matéria, o economista tem uma explicação: «A previsão do Banco não varia praticamente face à anterior. Por outro lado, esta estimativa do Banco de Portugal pretende ser mais científica, enquanto a do Governo é mais política. Daí a diferença».

Os números não ficam por aqui. De acordo com o BdP, a inflação deverá recuar para 2,3% em 2025 e estabilizar em 2% nos dois anos seguintes, «beneficiando de um crescimento mais contido dos preços nos serviços».

Segundo o supervisor, «a evolução do consumo privado acompanha a do rendimento, mantendo-se a taxa de poupança elevada. Em 2024, o rendimento disponível real teve um crescimento elevado (7,8%), projetando-se uma desaceleração progressiva em 2025-27, que se traduzirá num abrandamento do consumo das famílias. Após um aumento de 3,2% em 2024, o consumo privado cresce 2,8% em 2025 e 1,8% em 2026 e 2027».

Também o investimento deverá acelerar durante este ano e no próximo, «impulsionado pela melhoria das condições de financiamento, da procura e do fluxo de fundos europeus. Para 2027, projeta-se uma estagnação provocada pelo termo do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]». 

O organismo acredita ainda que as exportações deverão avançar a um ritmo médio de 2,9% em 2025-27, mas reconhece que será a um ritmo «inferior ao seu desempenho recente, num ambiente de crescimento da procura externa, mas com menor dinamismo dos serviços e menores ganhos de quota de mercado», acrescentando que «com a entrada de fundos europeus, a capacidade de financiamento da economia atingirá níveis historicamente elevados».

Quanto ao mercado de trabalho, a taxa de desemprego deverá estabilizar-se em 6,4% e o emprego irá continua a crescer, mas a um ritmo progressivamente mais baixo, assim como os salários. 

‘Riscos significativos’

O BdP revela ainda que os «riscos da projeção são significativos» e aponta a invasão da Ucrânia, ao conflito no Médio Oriente e a nova orientação geopolítica e comercial dos Estados Unidos como fatores que podem baralhar as contas. «A materialização destes riscos pode significar aumentos do preço das matérias-primas, disrupções nas cadeias de abastecimento, menor crescimento do comércio mundial e flutuações cambiais marcadas. Não menos importante, a incerteza pode levar empresas e famílias a adiar ou cancelar decisões de investimento e consumo. Um cenário ilustrativo de agravamento de tarifas impostas pelos EUA às importações da União Europeia aponta para um impacto negativo relevante na economia portuguesa. Por outro lado, a aceleração do processo europeu de reformas pode estimular a atividade através, por exemplo, de um aumento da confiança», diz o regulador.

Uma preocupação também partilhada por César das Neves. «O risco económico subiu muito nas últimas semanas, devido a acontecimentos internacionais inesperados e extremamente perturbadores. Ainda ninguém sabe como eles se vão realizar, mas essa dúvida, em si mesma, é causa de grande instabilidade, algo muito negativo para a economia», referiu.

A somar, de acordo com Mário Centeno, há que contar com a crise política que, no entender do ex-ministro das Finanças, «não melhora» as perspetivas económicas do país. O governador acrescenta: «Temos de compreender que a situação de que beneficiamos neste momento, com um crescimento acima do potencial e um quadro previsível de estabilidade financeira, se estes pilares forem afetados por esta incerteza a situação pode tornar-se mais complexa».

Também César das João César das Neves reconhece que a economia está a crescer «razoavelmente, embora menos do que seria necessário para subir na ordem das economias europeias», mas admite que «o nebuloso quadro internacional torna muito difícil fazer uma previsão. A contração recente do investimento pode representar problemas na evolução próxima». Quanto à instabilidade política afirma: «Em si, pouco ou nada afeta os negócios», apesar de poder «acrescentar alguma incerteza, o que é negativo num quadro internacional que já é muito incerto. Pior é o facto de, num quadro de Governo minoritário, as medidas populistas terem precedência sobre as necessárias».

Já António Nogueira Leite tinha admitido ao nosso jornal que estava mais preocupado com o cenário internacional «e todo o risco que está envolvido em saber se vamos ou não ter uma guerra comercial com os Estados Unidos e o que isso possa fazer ao ambiente geral e à perspetiva dos investidores, por um lado. Por outro lado, em relação ao risco de haver eleições, talvez o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] progrida mais devagar ou tenha alguma dificuldade em continuar. Mas também a sua execução tem sido problemática desde o início, mas não penso que seja tão determinante para o futuro, dada a maneira como acabou por ser aplicada».

Defesa vai pesar

Outro alerta apontado pelo governador do Banco de Portugal diz respeito ao possível aumento das contribuições para a Defesa, o que no seu entender irá exigir que «os planos de despesa sejam coerentes, sejam consequentes e sejam bem desenhados», recordando ainda que é necessário ter em conta que estes planos «vão custar dinheiro», apesar de assumir que a Europa «tem condições e meios para responder ao desafio que se lhe coloca».

E, mesmo reconhecendo que a resposta às tensões geopolíticas e a aposta na Defesa deve ser feita da mesma forma que na covid – coordenada, coerente e ter propósito europeu – defendeu que «a contribuição para a União Europeia vai começar a subir porque vamos ter que fazer face aos financiamentos europeus que estiveram por detrás do NextGenEU».

Também César das Neves prevê que esses gastos vão pressionar os Orçamentos de estados europeus, «exigindo, para os compensar, cortes na despesa ou subida de impostos e/ou de endividamento. Em qualquer caso, o desvio de verbas para fins militares, mesmo indispensáveis, serão prejudiciais para a economia e sociedade civis. Portugal, longe dos eventuais conflitos, terá certamente mais inércia em avançar com esses gastos».

Recorde-se que Ursula von der Leyen anunciou recentemente um programa para reforçar a defesa na União Europeia. No total podem ser mobilizados 800 mil milhões de euros. No entanto, a presidente da Comissão Europeia garante que o investimento não vai agravar o défice. «Se os Estados-membros aumentassem as suas despesas com a defesa em 1,5 por cento do Produto Interno Bruto (PIB), em média, isso poderia criar uma margem orçamental de cerca de 650 mil milhões de euros durante um período de quatro anos», acrescentando que «esta medida permitirá que os Estados-Membros aumentem significativamente as suas despesas com a Defesa sem desencadear o procedimento por défice excessivo».