Nota prévia: A eloquente vitória do PSD e o naufrágio do PS na Madeira não são transponíveis para o todo nacional. É, porém, inegável que o resultado é uma vitamina política para Montenegro e uma dor de cabeça para Pedro Nuno Santos, ao ver o PS ser ultrapassado pelo Juntos Pelo Povo, que passou a segunda força. Pode-se analisar o assunto de muitas maneiras. A mais óbvia é que o eleitorado não gosta que se derrubem governos por motivos não ligados à sua ação e que a estabilidade é um valor eleitoral importantíssimo. Por isso, também penalizou ligeiramente o Chega, que foi quem apresentou a moção que derrubou Albuquerque. Se aconteceu lá, pode suceder no país todo. E basta isso para criar angústia a Pedro Nuno Santos e reforçar psicologicamente Montenegro. Já Albuquerque ficou mais à vontade do que nunca, desde logo porque faz maioria absoluta com o CDS e porque não se sente incomodado com os problemas que tem com a Justiça, apesar de serem grandes e complexos.
1. Nas legislativas antecipadas de maio, só a Iniciativa Liberal e o Livre é que não aparecem a correr atrás do prejuízo. É sobretudo o caso dos liberais que sempre proclamaram que a crise era absolutamente indesejável e, por isso, votaram a favor da moção de confiança que foi derrotada. Surgiram assim como gente que pôs o interesse do país acima do partido. O Livre não podia fazer o mesmo, mas percebeu-se que estava incomodado e que o seu voto contra teve mais a ver com a expectativa de amanhã poder ser a muleta dos socialistas, uma espécie de CDS da esquerda. A citada expressão popular, abundantemente ouvida no futebol, aplica-se como uma luva aos restantes partidos parlamentares que se apresentam. Para o PAN, é mais um exercício desesperado para manter a sua única representante, Inês Sousa Real, que transformou o partido numa organização política tão unipessoal quanto inútil. Nas últimas legislativas só conseguiu um lugar por pouco, não sendo óbvio que o segure. O PCP tem mais uma prova de vida que vai requerer um esforço colossal da sua abnegada militância, a fim de tentar suster a queda sistemática do partido. As sondagens não indicam nada de bom. Os comunistas têm de combater novas transferências de voto para uma série de quadrantes, inclusivamente o Chega, como já sucedeu. A pouca adesão à figura do secretário-geral e a apresentação pelos comunistas de uma moção de censura ao governo não terão ajudado. O PCP/CDU tem mesmo que garantir que todos os seus vão às urnas e esperar que a abstenção os favoreça e não tenha, depois, efeitos negativos nas autárquicas, que são o seu balão de oxigénio. Já no Bloco a situação é diferente, embora complicadíssima, para não dizer desesperada. É cada vez mais óbvio que o movimento (internacional) feminino a que o partido se entregou não rende. Há cisões e arrufos internos diários e a propósito de tudo. As manas Mortágua, Catarina Martins e Marisa Matias todas somadas não fazem uma liderança razoável. Vai daí foram buscar um triunvirato de seniores sábios, constituído por Francisco Louçã, Fernando Rosas e Luís Fazenda, para compor as listas e lhes dar credibilidade. É o regresso das velhas glórias, nomeadamente o goleador Louçã, que Araújo Pereira recebeu domingo numa inolvidável sessão de lambebotismo. Os três recuperados podem ajudar de facto ajudar as miúdas depois de elas terem dado cabo do instrumento político que lhes puseram nas mãos. Para o Chega as legislativas serão também um teste decisivo. Ventura tem esticado a corda da agressividade com tudo e todos. Cresceu muito em pouco tempo, o que gera dores inerentes ao processo. Poderiam ser cisões políticas, mas não é o caso. São assuntos mais graves, de contornos morais e criminais que envolvem prostituição infantil e pedofilia e o extraordinário enredo Arruda, o primeiro caso conhecido no mundo de “malofilia patológica” a atingir um político e deputado. O Chega é um partido caudilhista, sem outras figuras relevantes, embora não seja a tropa fandanga que alguns pensam. A sorte é que mesmo um muito mau resultado deverá sempre ser suficiente para manter um significativo grupo parlamentar, truculento e ativo. Venha o que vier a culpa ou a glória recairá apenas sobre Ventura, que poderá aspirar a governar se o PSD mudar de liderança, caindo para a direita. Quanto ao PS, é óbvio que a jornada eleitoral é decisiva para o seu líder. Um recuo ou a manutenção do quadro atual no parlamento pode permitir-lhe sobreviver, mas sem a mesma projeção nacional. Uma derrota significativa levará a uma convulsão imediata ou a prazo no PS, consoante os resultados da AD. Para Pedro Nuno Santos é vital uma vitória, mesmo que ela não se traduza na capacidade objetiva de formar um governo estável. O andamento das sondagens indica que PNS não conseguiu aproveitar a oposição para ganhar credibilidade pessoal para chefiar o governo. No fundo, é muito vocal e pouco construtivo. Há um ponto que joga a seu favor. É óbvio que não foi ele que geriu mal o caso Spinumviva ou que o inventou. E também não foi por falta de se saber desde sempre que ele nunca iria votar uma moção de confiança que o governo caiu. Nesse ponto, Montenegro só pode queixar-se de si próprio se as coisas lhe correrem mal. Pelo que já se sabe nesta altura através de esclarecimentos que forneceu ao Observador e que este testou e validou parcialmente, Montenegro podia ter evitado o desiderato eleitoral. Bastava ter fornecido as explicações que deu mais tarde. Foi isso de resto que fez, anteriormente, quando surgiram notícias sobre a casa de Espinho. É claro, porém, que o seu pecado original foi não se ter desligado da empresa antes de assumir o governo. Até ver, Montenegro conseguiu limitar os danos ao responder parcialmente a parte das perguntas que Pedro Nuno Santos colocou quanto à atividade da empresa. Para muitos, isso valida a tese de que Montenegro quis forçar eleições o mais depressa possível. Isto, talvez por ter consciência de que elas se tornariam inevitáveis em 2026, depois de um provável chumbo orçamental, de uma possível derrota autárquica e da eventual eleição de um imprevisível Gouveia e Melo. Se ganharem as legislativas, Montenegro e o PSD têm boas hipóteses de contornarem todas essas dificuldades. No fundo, o avanço para eleições pode ter sido uma espécie de golpe de judo em que se utilizou a força do adversário para o tentar neutralizar. As sondagens existentes não permitem antecipar nada. Todas as hipóteses são possíveis entre AD e PS. O número de indecisos é gigantesco, mas a circunstância da AD ir ligeiramente à frente indicia que a cartada arrojada de Montenegro lhe pode sair bem. A campanha vai ser decisiva. A governação vai obviamente ser avaliada, mas não se pense que a questão da empresa não pesa ou fica de fora, sobretudo nas redes sociais. Nesse território sinistro o jogo sujo está a assumir proporções inauditas. Aproveita-se o facto de, hoje em dia, o escrutínio pessoal ser ainda um fator importante. A moral e a ética permanecem essenciais na avaliação política. Não somos mesmo americanos ou brasileiros. É, entretanto, desejável que o ministério público aplique mesmo a maior rapidez no processo de averiguação prévia que abriu sobre a Spinumviva, a fim de evitar surpresas na campanha ou pós-eleitorais. Sabe-se que a Justiça tem o seu tempo, mas a realidade impõe-lhe responsabilidades específicas em face de certas circunstâncias. Não há razões para arrastar os pés e repetir o que levou à queda de António Costa.
2. O movimento de apoio a Gouveia e Melo começou a divulgar nomes de apoiantes do almirante reservista para Belém. É gente em geral conhecida e que manifestamente tem problemas mal resolvidos com a vida partidária pelas razões mais diversas. Lembra a amálgama da CNARPE, fundada para apoiar a reeleição de Eanes. Feitas as contas não há surpresas. Tirando, claro, um cavalheiro e ex-deputado, cujo nome foi lá enfiado sem ele saber, o que gerou um desmentido e respetiva retificação, mas não um pedido de desculpas. O recrutamento parece ser mais ad hoc do que estudado ideologicamente. É muito cada cor seu paladar e uma construção por despeito. Um pouco ao jeito dos primórdios do Chega, que, aliás, resultou.