A guerra dos ricos e a pobreza de mais de um milhão de portugueses


Uma sociedade em crise e com nenhuma ou muito fraca possibilidade de ver melhorada a sua situação conduzirá, necessariamente, a um momento de explosão social ou, pior, a um momento de vingança contra uma Democracia.


  1. Ouvi, recentemente, num programa da manhã, na antena 1 da RDP, uma crónica de Manuel Carvalho da Silva, antigo dirigente da CGTP.

Ouvi-o através da sua voz de sempre, uma voz escandalizada com a pobreza de mais de um milhão de portugueses e a injustiça dos salários e das pensões que muitos deles, no entanto, recebem e, mesmo assim, não lhes permitem viver com decência.

Há duas maneiras de olhar para essa pobreza.

Uma, mais tecnocrática e centrada na análise das estatísticas.

Esta pode até dizer que a situação está estabilizada, que o salário mínimo cresceu nos últimos anos, que as pensões foram atualizadas e bonificadas, que as casas onde os portugueses vivem, não sendo boas, nem suficientemente aquecidas, ainda assim são casas de que muitos desses portugueses não foram, até agora, despejados, não tendo, por isso, passado a viver de novo em barracas, como acontece já com muitos imigrantes.

A outra, mais exigente e, por muito estranho que isso hoje possa parecer, mais política: trata-se de uma leitura crítica da realidade, que se não contenta com a aparente objetividade dos números revelados na primeira.

Esta última tem por objetivo a análise dinâmica do conjunto integrado de atividades, ações e decisões levadas a cabo para organizar e governar a sociedade, de forma a que os cidadãos vão, continuadamente, melhorando a sua condição, permitindo-lhes alcançar níveis de bem-estar e felicidade sempre maiores.

O que acabei de dizer irritará, por certo, os que se consideram realistas, querendo com isso significar que, sem estados de alma, assumem o país como irremediavelmente pobre.

Por isso, entendem que, em matéria de Estado Social, se tem ido até onde se pode, tudo se tendo feito para evitar uma degradação ainda maior da situação.

Enfim, o costumado: habituem-se!

Contudo, para que a Democracia se estabilize como sistema de governação, não pode ser essa a leitura que se transmite do estado do país e da debilidade das soluções para o melhorar.

Não pode ser essa a mensagem que os que governam, com uma ou outra etiqueta, transmitem a toda a sociedade e, em particular, aos que vivem mal e sem vislumbrarem as possibilidades de alcançarem um futuro melhor para si e seus filhos.

A consciência de que os que governam sabem que assim não pode ser constata-se, aliás, no facto peculiar de terem optado, envergonhados, por uma autolimitação permanente na progressão dos proventos que recolhem da sua atividade púbica.

Eles têm consciência do clamor que levantaria uma atualização real do que recebem pelo exercício das funções políticas e de funções públicas com aquelas associadas.

É, igualmente, por tal razão que os políticos mais razoáveis e prevenidos evitam repetir a frase fatal de que, para rearmar a Europa para a guerra – que dizem estar para vir – é necessário reduzir os custos do Estado Social.

  1. Não conseguindo convencer politicamente os cidadãos da sua necessidade, da necessidade de uma guerra, nada fazem, entretanto, para a parar, dando, assim, prioridade ao investimento numa sociedade mais justa, em que, afinal, não acreditam.

E, todavia, existem instrumentos velhinhos de diálogo – recordemos a Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa – que permitiriam, se verdadeiramente, os nossos políticos quisessem, conduzir a atual discórdia para uma solução diplomática.

Uma solução que resolvesse as causas da insegurança e suspeita mútuas, levando ambas as partes a preferir uma paz negociada, a um conflito sem fim, nem remédio para nenhuma delas.

Porque a verdade é que nada se faz para alcançar uma paz verdadeira e justa, fundada em princípios por todos aceites e não em vantagens unilaterais e num estado de tensão político-militar permanente, que a todos – de um lado e de outro da guerra – parece, ilogicamente, contudo, interessar manter.

E nada se faz, realmente, porque os que dizem defender o Estado Social, apanágio das Democracias europeias, procuram em alguns casos, através do alarde da necessidade da guerra, acabar com aquele ou, pelo menos, reduzi-lo à sua expressão mais simples.

Ora, se há dinheiro, muito dinheiro, para armas – de cuja utilidade real se duvida – parece, assim, poder haver, também, dinheiro para proporcionar uma vida melhor aos que dessa melhoria realmente precisam, mas não beneficiam.

Até por que a despesa em tais armas convencionais, mesmo que muito avançadas e letais, não pode evitar uma destruição massiva se, em caso de guerra total, alguma das partes, sentindo-se encurralada, decidir utilizar o trunfo final: a arma nuclear.

Se, em vez desse investimento numa guerra que ninguém quer, ninguém ousa travar e, muito menos pode ganhar, se pensasse seriamente em resolver a situação de pobreza dos povos, talvez as perspetivas de paz se tornassem mais evidentes e desejadas.

Basta calcular o número de casas que se ergueriam com o custo de, por exemplo, cinco aviões F-35 – nada menos do que 400 milhões de euros – que, como Trump recentemente anunciou, devem ser considerados já ultrapassados, uma vez que aviões tecnologicamente mais avançados e mais letais estão já na forja.

O que teremos, assim, de concluir é que o que falta, pelos vistos, é consciência e vontade política de aplicar o dinheiro, que afinal sobra, no que verdadeiramente é importante.

Se isso não acontecer, indignados com o abandono a que serão mais uma vez votados, muitos cidadãos começarão, eles também, a voltar as costas à Democracia.

Uns voltarão as costas às preocupações com as liberdades mais elementares, pois as regras e restrições da guerra a isso conduzem.

Ouçam-se, por exemplo, os noticiários rigorosamente controlados dos nossos meios de comunicação social, quando, em coro, falam da guerra, para perceber o elevado e notório nível de censura já existente.

Outros, mais prosaicamente, por terem adquirido a consciência de que esta Democracia, que deles não cuida, não merece, neste caso, ser defendida com o sacrifício da sua vida, farão o mesmo, voltando-lhe, também, as costas.

Será que ninguém entende os resultados eleitorais mais recentes na Europa?

O que choca é, pois, a cegueira voluntária e a refutação do óbvio, de que os que mandam – e sempre mandaram – parece, hoje, padecerem quando, em vez de clamarem pela paz, apelam às armas.

São eles que, descontrolados, nos conduzem para um estado de guerra permanente, que ninguém, ou poucos, entendem e querem.

Um estado de guerra nunca declarado e, por isso, nunca concluído, que só serve, afinal, para encobrir mal a vontade política de continuar a erodir o Estado Social.

As próximas eleições estarão aí para nos dizerem quem tem ou não razão, quem ganha ou não com a degradação do Estado Social, da Democracia e da Paz.

Porque, convém lembrar: nas guerras, mesmo no lado dos perdedores, há sempre quem ganhe, quem continue a ganhar.

A guerra dos ricos e a pobreza de mais de um milhão de portugueses


Uma sociedade em crise e com nenhuma ou muito fraca possibilidade de ver melhorada a sua situação conduzirá, necessariamente, a um momento de explosão social ou, pior, a um momento de vingança contra uma Democracia.


  1. Ouvi, recentemente, num programa da manhã, na antena 1 da RDP, uma crónica de Manuel Carvalho da Silva, antigo dirigente da CGTP.

Ouvi-o através da sua voz de sempre, uma voz escandalizada com a pobreza de mais de um milhão de portugueses e a injustiça dos salários e das pensões que muitos deles, no entanto, recebem e, mesmo assim, não lhes permitem viver com decência.

Há duas maneiras de olhar para essa pobreza.

Uma, mais tecnocrática e centrada na análise das estatísticas.

Esta pode até dizer que a situação está estabilizada, que o salário mínimo cresceu nos últimos anos, que as pensões foram atualizadas e bonificadas, que as casas onde os portugueses vivem, não sendo boas, nem suficientemente aquecidas, ainda assim são casas de que muitos desses portugueses não foram, até agora, despejados, não tendo, por isso, passado a viver de novo em barracas, como acontece já com muitos imigrantes.

A outra, mais exigente e, por muito estranho que isso hoje possa parecer, mais política: trata-se de uma leitura crítica da realidade, que se não contenta com a aparente objetividade dos números revelados na primeira.

Esta última tem por objetivo a análise dinâmica do conjunto integrado de atividades, ações e decisões levadas a cabo para organizar e governar a sociedade, de forma a que os cidadãos vão, continuadamente, melhorando a sua condição, permitindo-lhes alcançar níveis de bem-estar e felicidade sempre maiores.

O que acabei de dizer irritará, por certo, os que se consideram realistas, querendo com isso significar que, sem estados de alma, assumem o país como irremediavelmente pobre.

Por isso, entendem que, em matéria de Estado Social, se tem ido até onde se pode, tudo se tendo feito para evitar uma degradação ainda maior da situação.

Enfim, o costumado: habituem-se!

Contudo, para que a Democracia se estabilize como sistema de governação, não pode ser essa a leitura que se transmite do estado do país e da debilidade das soluções para o melhorar.

Não pode ser essa a mensagem que os que governam, com uma ou outra etiqueta, transmitem a toda a sociedade e, em particular, aos que vivem mal e sem vislumbrarem as possibilidades de alcançarem um futuro melhor para si e seus filhos.

A consciência de que os que governam sabem que assim não pode ser constata-se, aliás, no facto peculiar de terem optado, envergonhados, por uma autolimitação permanente na progressão dos proventos que recolhem da sua atividade púbica.

Eles têm consciência do clamor que levantaria uma atualização real do que recebem pelo exercício das funções políticas e de funções públicas com aquelas associadas.

É, igualmente, por tal razão que os políticos mais razoáveis e prevenidos evitam repetir a frase fatal de que, para rearmar a Europa para a guerra – que dizem estar para vir – é necessário reduzir os custos do Estado Social.

  1. Não conseguindo convencer politicamente os cidadãos da sua necessidade, da necessidade de uma guerra, nada fazem, entretanto, para a parar, dando, assim, prioridade ao investimento numa sociedade mais justa, em que, afinal, não acreditam.

E, todavia, existem instrumentos velhinhos de diálogo – recordemos a Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa – que permitiriam, se verdadeiramente, os nossos políticos quisessem, conduzir a atual discórdia para uma solução diplomática.

Uma solução que resolvesse as causas da insegurança e suspeita mútuas, levando ambas as partes a preferir uma paz negociada, a um conflito sem fim, nem remédio para nenhuma delas.

Porque a verdade é que nada se faz para alcançar uma paz verdadeira e justa, fundada em princípios por todos aceites e não em vantagens unilaterais e num estado de tensão político-militar permanente, que a todos – de um lado e de outro da guerra – parece, ilogicamente, contudo, interessar manter.

E nada se faz, realmente, porque os que dizem defender o Estado Social, apanágio das Democracias europeias, procuram em alguns casos, através do alarde da necessidade da guerra, acabar com aquele ou, pelo menos, reduzi-lo à sua expressão mais simples.

Ora, se há dinheiro, muito dinheiro, para armas – de cuja utilidade real se duvida – parece, assim, poder haver, também, dinheiro para proporcionar uma vida melhor aos que dessa melhoria realmente precisam, mas não beneficiam.

Até por que a despesa em tais armas convencionais, mesmo que muito avançadas e letais, não pode evitar uma destruição massiva se, em caso de guerra total, alguma das partes, sentindo-se encurralada, decidir utilizar o trunfo final: a arma nuclear.

Se, em vez desse investimento numa guerra que ninguém quer, ninguém ousa travar e, muito menos pode ganhar, se pensasse seriamente em resolver a situação de pobreza dos povos, talvez as perspetivas de paz se tornassem mais evidentes e desejadas.

Basta calcular o número de casas que se ergueriam com o custo de, por exemplo, cinco aviões F-35 – nada menos do que 400 milhões de euros – que, como Trump recentemente anunciou, devem ser considerados já ultrapassados, uma vez que aviões tecnologicamente mais avançados e mais letais estão já na forja.

O que teremos, assim, de concluir é que o que falta, pelos vistos, é consciência e vontade política de aplicar o dinheiro, que afinal sobra, no que verdadeiramente é importante.

Se isso não acontecer, indignados com o abandono a que serão mais uma vez votados, muitos cidadãos começarão, eles também, a voltar as costas à Democracia.

Uns voltarão as costas às preocupações com as liberdades mais elementares, pois as regras e restrições da guerra a isso conduzem.

Ouçam-se, por exemplo, os noticiários rigorosamente controlados dos nossos meios de comunicação social, quando, em coro, falam da guerra, para perceber o elevado e notório nível de censura já existente.

Outros, mais prosaicamente, por terem adquirido a consciência de que esta Democracia, que deles não cuida, não merece, neste caso, ser defendida com o sacrifício da sua vida, farão o mesmo, voltando-lhe, também, as costas.

Será que ninguém entende os resultados eleitorais mais recentes na Europa?

O que choca é, pois, a cegueira voluntária e a refutação do óbvio, de que os que mandam – e sempre mandaram – parece, hoje, padecerem quando, em vez de clamarem pela paz, apelam às armas.

São eles que, descontrolados, nos conduzem para um estado de guerra permanente, que ninguém, ou poucos, entendem e querem.

Um estado de guerra nunca declarado e, por isso, nunca concluído, que só serve, afinal, para encobrir mal a vontade política de continuar a erodir o Estado Social.

As próximas eleições estarão aí para nos dizerem quem tem ou não razão, quem ganha ou não com a degradação do Estado Social, da Democracia e da Paz.

Porque, convém lembrar: nas guerras, mesmo no lado dos perdedores, há sempre quem ganhe, quem continue a ganhar.