Psicologia e Psiquiatria. “O trabalho entre o psicólogo e o psiquiatra é uma dança coordenada”

Psicologia e Psiquiatria. “O trabalho entre o psicólogo e o psiquiatra é uma dança coordenada”


No campo da saúde mental, é comum surgirem questões sobre as diferenças entre um psiquiatria e um psicólogo. A verdade é que têm formações, abordagens e práticas distintas. No entanto, podem trabalhar em conjunto.


Apesar de, segundo vários especialistas, as pessoas ainda não atribuírem a mesma importância à saúde mental como atribuem à saúde física, e ainda continuar a existir algum preconceito e tendência para desvalorizar sintomas emocionais que resultam na resistência e adiamento na procura de ajuda, agravando muitas vezes os problemas, “é inegável que esse preconceito tem vindo a diminuir, muito em parte devido à pandemia covid19, onde se registou um aumento acentuado na procura de apoio psicológico”, afirma Diana Fonseca, psicóloga clínica. No entanto, no momento da procura de ajuda – se para muita gente é difícil entender o que sente –, é natural que também se tenha dúvidas a que profissional se deve recorrer. Aliás, no campo da saúde mental, é comum surgirem questões sobre as diferenças entre psiquiatria e psicologia. Apesar de ambos os profissionais estarem envolvidos no cuidado da saúde mental, têm formações, abordagens e práticas distintas.

Psicologia vs Psiquiatria

Segunda a especialista, o nome Psicologia tem origem no grego: psico = mente e logia = estudo. “Apesar do interesse pela mente humana ser muito antigo, a psicologia começou por estar associada a conhecimentos de outras disciplinas, como por exemplo a Filosofia. Passou a ser considerada ciência pelo ano 1879, após a abertura de um laboratório experimental de psicologia na Alemanha pelas mãos de Wilhelm Wundt, passando a mente humana a ser estudada cientificamente”, conta ao i. “A partir dessa época, muitas teorias e conhecimentos foram e são desenvolvidos ainda atualmente, originando várias áreas na psicologia que refletem várias formas de pensar e intervir na mente humana”, continua.

A psicologia atua assim, nas várias dimensões do ser humano, nomeadamente cognitiva, afetiva e comportamental e “ajuda a compreender a relação entre elas, de forma a que a pessoa se sinta melhor consigo própria e com os outros”. Além disso, explica Diana Fonseca, tem uma atuação “abrangente”, podendo ir desde problemas emocionais (ansiedade, depressão, etc.) a dependências químicas, alterações de comportamento, traumas, medos, dificuldades interpessoais, situações de vida (luto, divórcio, perda de emprego, etc.), entre outros. Já a psiquiatria é a especialidade médica que visa a prevenção, o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação dos distúrbios da mente.

“Um psiquiatra é um médico e tem, por isso, a sua formação académica (licenciatura/mestrado) em Medicina. Um psicólogo, por sua vez, é um profissional com formação académica em Psicologia”, esclarece Elsa Rocha Fernandes, Médica Psiquiatra. Em Portugal, o primeiro, levará seis anos para concluir o curso de Medicina, fará um ano complementar prático (ano comum) e, posteriormente, ingressará na sua especialização durante mais quatro/cinco ou seis anos dependendo da especialidade que escolher. “No caso da Psiquiatria, são cinco anos de especialização totalizando a formação completa de um médico psiquiatra os 12 anos. Como se percebe, falamos de uma formação bastante longa, altamente exigente, qualificada e que segue padrões formativos rigorosos, baseados num currículo científico atualizado. A sua atividade é orientada pela Ordem dos Médicos Portugueses”, revela. De acordo com a Médica Psiquiatra, a psiquiatria atual “não se rege por pressupostos vagos ou teorias explicativas não comprovadas”, mas “procura guiar-se pelo conhecimento neurobiológico vigente”, isto é, “o conhecimento de como a química cerebral funciona, de como as vias neuronais e outros aspetos interligados impactam o bem-estar psicológico das pessoas”.

Por sua vez, a formação (licenciatura) de um psicólogo leva três anos a ser concluída, acrescida de dois anos para o mestrado. “Totaliza cinco anos de formação académica, neste último caso, e deve realizar estágio prático para concluir a sua formação. O psicólogo intervém junto do paciente através da intervenção psicológica: psicoterapia, não realizando a prescrição de exames complementares de diagnóstico ou de medicamentos. A sua intervenção é orientada pela Ordem dos Psicólogos Portugueses”, acrescenta.

Uma dança coordenada e de sucesso

De acordo com Diana Fonseca, estados mais leves de sintomas psicológicos podem apenas necessitar de consultas de psicologia. No entanto, sintomas moderados a graves precisam normalmente de seguimento em consultas de psicologia e psiquiatria pois também podem precisar de terapêutica medicamentosa.

“Costumo dizer que o trabalho entre a pessoa, o psicólogo e o psiquiatra é uma dança coordenada e de sucesso!”, afirma. “Em consulta, já tive quadros graves de depressão, onde a pessoa estava incapacitada de trabalhar, isolada dos amigos e família e com sentimentos de tristeza e culpa permanente. Foi necessário encaminhar para consulta de psiquiatria, onde com ajuda de medicação houve uma melhoria no humor, concentração e motivação que foi facilitador do trabalho na consulta de psicologia, pois permitiu ao paciente ter uma maior flexibilidade em novas formas de pensar e consequentemente encarar os desafios diários de forma mais positiva e realista”, descreve.

Ou seja, “a articulação de ambos os profissionais pode beneficiar o tratamento de um paciente em circunstâncias em que a gravidade dos sintomas exige uma intervenção farmacológica rápida, enquanto a psicoterapia procura obter alterações de padrões comportamentais, e realizar um processo de autodescoberta, que é habitualmente um processo longo”, reforça Elsa Rocha Fernandes. “É de ressalvar que existem situações em que a intervenção farmacológica é a primeira linha e a única forma de garantir a segurança e o bem-estar de um paciente com patologia psiquiátrica grave – o que nos deve levar a refletir sobre a não diabolização do tratamento psiquiátrico; por outro lado, é verdade que o uso racional de medicação e o acesso a psicoterapia regular pode trazer grande sucesso terapêutico aos casos de gravidade moderada”, destaca.

Como atuam?

No que toca à intervenção, segundo Diana Fonseca, a base de trabalho em Psicologia é a relação que se estabelece entre a pessoa e o psicólogo. “É natural a pessoa sentir-se ansiosa na ida à primeira consulta e não saber o que dizer ou explicar… Mas não tem de se preocupar, o psicólogo saberá orientar as questões num ambiente terapêutico de aceitação e empatia, assim como também só explora até onde a pessoa desejar, respeitado o seu tempo e espaço”, garante. “Eu tenho vários pacientes que só mais tarde, com a relação de confiança bem estabelecida, me contam aspetos importantes da sua vida”, exemplifica.

Na primeira consulta, habitualmente a pessoa indica o motivo da sua ida e o psicólogo vai fazendo perguntas sobre a sua história de vida, “de forma a contextualizar a situação e a compreender o seu funcionamento”. “Em função dos motivos de vinda à consulta, é avaliada pelo psicólogo a situação clínica e são definidos os objetivos terapêuticos que vão acompanhar as sessões seguintes, com vista à recuperação do seu bem-estar”, detalha. Consoante a formação profissional e académica de cada psicólogo, continua a psicóloga, podem seguir-se diferentes métodos, como por exemplo, a terapia cognitivo-comportamental, a terapia dinâmica, psicanálise, entre outros.

A duração do tratamento depende da evolução, não existe um tempo definido. “À medida que se vão registando melhorias e os objetivos terapêuticos são alcançados, as sessões tornam-se mais espaçadas, até que deixa de existir necessidade de continuar o seguimento”, revela.

Quanto a ir a um psiquiatra… “Vejamos as coisas deste modo: vão a uma consulta médica, onde o médico vai realizar uma observação clínica da situação do paciente começando por colher uma história clínica completa, onde se incluem o histórico das doenças físicas, das cirurgias, da medicação realizada (ou não), dos hábitos do paciente, dos seus antecedentes familiares e do tempo de evolução e intensidade dos problemas que o paciente traz, e para os quais procura ajuda”, começa por descrever Elsa Rocha Fernandes, acrescentando que poderão ser solicitados exames complementares de diagnóstico (análises, eletrocardiograma etc.). “A especificidade da Psiquiatria prende-se, naturalmente, com o exame psicopatológico. O exame psicopatológico vai procurar descrever as alterações no estado psicológico do paciente, e junto com toda a informação recolhida levar à elaboração de hipóteses diagnósticas e, posteriormente, resultar num diagnóstico final (nem sempre definitivo)”, aponta.

De acordo com a médica psiquiatra, as primeiras consultas são compostas por todos estes passos, e são especialmente importantes, demoradas e detalhadas. “É preciso ouvir, escutar atentamente o paciente; garantir-lhe um espaço de atendimento tranquilo, aconchegante e sigiloso; garantir o seu conforto e uma relação de confiança, com empatia e respeito. É ainda necessário realizar um registo médico – a ficha do paciente, com a sua informação clínica relevante”, esclarece.

Elsa Rocha Fernandes garante ainda que o estigma em relação à doença mental permanece, “dificultando o acesso a cuidados adequados e a integração social e qualidade de vida dos pacientes”. “Pode manifestar-se no atraso da procura de uma consulta de Psiquiatria e, por vezes, na escolha deliberada por tratamentos alternativos; muitos dos quais não recomendados como tratamento de doença mental”, lamenta. “Os meios de comunicação social e a divulgação de casos de doença mental por figuras públicas/influenciadores tem procurado auxiliar na educação do público embora seja importante relembrar que a credibilidade destas fontes deva ser fonte de escrutínio pelo que me parece sensato que os profissionais de saúde – como os médicos psiquiatras – se tornem visíveis nesta intervenção, em assumir um papel de educadores sobre a saúde e doença mental realizando campanhas de sensibilização”, deseja.