O conflito entre Israel e o Hamas parecia estar a serenar na sequência de um acordo de cessar-fogo conseguido nos primeiros dias da presidência de Donald Trump. Steve Witkoff, o enviado especial do Presidente americano, pressionou o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, a aceitar um acordo que tinha sido desenhado há pouco menos de um ano pela administração de Joe Biden.
O acordo consistia em várias etapas, mas, desde a sua implementação, e mesmo após cumpridos alguns dos primeiros passos, alertou-se para a fragilidade do mesmo. Esta semana, após várias fricções no que respeita aos reféns, o cessar-fogo foi quebrado.
O problema dos Houthis
No sábado passado, os Houthis, grupo do Iémen apoiado pelo Irão, anunciou que retomaria os ataques a navios israelitas após acusar Netanyahu de impedir a chegada de ajuda humanitária à Faixa de Gaza e garantindo ainda que se trata de um exercício de solidariedade para com o povo palestiniano. Por isto, os Estados Unidos levaram a cabo bombardeamentos ao Iémen. Segundo números apresentados pelo Ministério da Saúde, controlado pelo grupo rebelde, cuja verificação independente não parece ser possível, morreram pelo menos 53 pessoas, cinco das quais mulheres e ainda três crianças, com os ataques americanos a provocarem ainda cerca de uma centena de feridos em Sanaa, a capital do Iémen.
A escalada era iminente, com o Presidente americano, Donald Trump, a culpabilizar diretamente o Irão pelos ataques aos navios, e prometendo utilizar «força letal esmagadora» caso os Houthis mantivessem os ataques. Segundo a Euronews, os bombardeamentos americanos desta semana foram os mais intensos desde que o conflito eclodiu no Médio Oriente a 7 de outubro de 2023.
O Secretário de Estado americano, Marco Rubio, abordou a questão numa entrevista à CBS, garantindo que não vão «ter estas pessoas a controlar os navios que podem passar e os que não podem. A pergunta é: quanto tempo é que isto vai durar? Vai continuar até que eles não tenham mais a capacidade de fazer isso». No domingo, avançou a Euronews, o grupo terrorista anunciou que conduziu um ataque com 18 mísseis e 1 drone contra o porta-aviões USS Harry S Truman e outras embarcações de guerra pertencentes à marinha americana, tendo o líder Abdul-Malik al-Houthi declarado que enfrentariam «a escalada com a escalada». «Responderemos ao inimigo americano nas suas incursões, nos seus ataques, com ataques de mísseis, tendo como alvo o seu porta-aviões, os seus navios de guerra, os seus navios», continuou, garantindo também que ainda tem «opções de escalada. Se continuarem a sua agressão, passaremos a outras opções de escalada».
Perante a acusação da administração Trump, o Irão negou o envolvimento nos ataques.
Previsões para Gaza
Após todos os acontecimentos descritos antes, Israel voltou a bombardear a Faixa de Gaza, quebrando oficialmente o acordo de cessar-fogo. Os israelitas afirmam que se tratou de uma medida preventiva Segundo os números do Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, morreram mais de 430 pessoas em dois dias. Também as Nações Unidas comunicaram que um membro da organização foi uma das vítimas mortais do bombardeamento ao edifício da ONU em Deir al-Balah, que matou mais uma pessoa.
Para além do retomar dos ataques, as Forças de Defesa de Israel (FDI) confirmaram que as tropas israelitas estão de volta ao terreno, marcando presença principalmente no Corredor de Netzarim, que se encontra a meio do território de Gaza. O exército israelita explica que as «atividades terrestres específicas» têm como objetivo criar um «tampão parcial entre o norte e o sul de Gaza».
Mas os ataques israelitas «não são totalmente surpreendentes», escreve Ahmed Fouad Alkhatib numa peça para o Atlantic Council. «Afinal de contas, seguiram-se a vários prazos não cumpridos estabelecidos pelo Presidente dos EUA, Donald Trump, e pelo seu enviado Steve Witkoff, que tentaram repetidamente levar o Hamas a prolongar a primeira fase do acordo de cessar-fogo», continua, demonstrando a avaliação que deverá ter sido feita pelo Hamas: «Ao que parece, o grupo terrorista apercebeu-se da impossibilidade da sua sobrevivência política em Gaza se desistisse do último trunfo que lhe restava nas negociações, insistindo em avançar para a segunda fase do acordo». No momento de atribuir culpas pelo fim do cessar-fogo, o especialista garante que a responsabilidade não recai apenas numa das partes: «Embora Israel tenha efetivamente violado alguns dos termos do seu acordo ao restringir a entrada de fornecimentos e materiais na Faixa de Gaza e ao recusar-se a avançar para a segunda fase, o mesmo aconteceu com o Hamas, com a sua ingenuidade, após os seus desprezíveis desfiles de entrega de reféns, que não deveriam ter lugar como parte do acordo». «Sempre se entendeu que nem Israel nem os Estados Unidos jamais aceitariam a presença contínua do Hamas em Gaza, com o seu arsenal, as suas capacidades e os seus combatentes, como parte de um acordo pós-guerra. Há uma resignação quanto ao facto de Israel tentar recuperar o maior número possível de reféns vivos antes de, eventualmente e em última análise, regressar às operações cinéticas contra o grupo islamista», conclui Ahmed Alkhatib.
‘Netanyahu escolheu regressar à agressão’
Ainda assim, na mesma peça, a contribuição da especialista Gina Abercrombie-Winstanley é contrastante com a anterior. A ex-embaixadora dos Estados Unidos faz recair a culpa inteiramente em Benjamin Netanyahu e na extrema-direita israelita: «Netanyahu fez uma escolha deliberada de regressar à agressão. A guerra é um combate entre, pelo menos, duas partes, e o Hamas tem procurado, em grande medida, pôr um fim diplomático aos ataques. A decisão de Netanyahu acaba definitivamente com a esperança de que o bem-estar e o regresso dos reféns se tenham tornado a prioridade do governo – e continuem a sê-lo. Mas o recomeço das hostilidades reforça o apoio político do flanco direito do primeiro-ministro».
Os Houthis atacaram ainda o sul de Israel com um míssil balístico na tarde de terça-feira, algo que repetiram na madrugada de ontem. Também o Hamas, como medida retaliatória, lançou ontem, por volta das 13h30 locais, o maior ataque ao centro de Israel desde 7 de outubro de 2024 através de três rockets, segundo explicou uma fonte em Tel Avive ao Nascer do SOL.
Assim, o fim do conflito no Médio Oriente parece não estar para breve. Pelo contrário, os sinais apontam para uma escalada, num contexto em que o Irão e os seus proxies estão claramente fragilizados e Israel tem o apoio total americano, algo que não aconteceu, pelo menos nestes moldes, durante a administração Biden.