Defendia que «um escritor não tem nenhuma obrigação política de se expressar, nem um professor, nem um médico. Mas numa sociedade democrática, quanto maior o número daqueles que se expressam, melhor». Acreditava que a corrosão do tempo derrota até os maiores feitos intelectuais, «tornando-os pálidos e esbatidos». No entanto, nunca esqueceu aquele que o inspirou. Foi o escritor Knut Hamsun que o fez apaixonar-se pela leitura e escrita, tinha apenas 16 anos. «Duvido que me tivesse tornado escritor se não o tivesse conhecido», contou numa entrevista à The Paris Review, em 2016.
Depois de ter começado a interessar-se pelos livros, não conseguia parar de ler. Ia à biblioteca várias vezes por semana para buscar mais livros emprestados. «Embrulhava-os habilmente no papel que usávamos para livros escolares, para parecer que estava a fazer os trabalhos de casa», admitiu.
Um tesouro para a literatura norueguesa
Quando começou a escrever, aos 23 anos, começou com contos. Um romance parecia-lhe «muito assustador»: «Não sabia por onde começar. Não podia começar um romance de 400 páginas e perceber, na página 250, que era inútil. Tenho muito bom senso, por isso optei por algo menor. Mudei-me para uma aldeia remota no norte da Noruega para trabalhar como professor. Disse às pessoas que ganharia dinheiro para continuar os meus estudos universitários, mas na realidade tinha decidido que queria escrever», confidenciou. O que não sabia, é que se transformaria num dos mais importantes escritores noruegueses contemporâneos.
Conhecido pela prosa que combina desespero existencial, temas políticos e um sentido de humor irónico, Dag Solstad publicou o seu primeiro livro de contos – Spiraler –, aos 24 anos, e não parou de escrever desde então: mais de trinta livros no total. A sua dedicação foi reconhecida em inúmeras ocasiões. O primeiro e mais claro exemplo é que é o único autor norueguês a ter recebido o prémio da crítica norueguesa de literatura três vezes, um feito sem precedentes.
O escritor que se destacou também pelo seu cabelo branco e rebelde morreu na passada sexta-feira à noite, aos 83 anos, após um breve internamento hospitalar, noticiou o jornal norueguês Aftenposten, citado pelo The Guardian.
No momento em que morreu, Dag Solstad estava acompanhado da mulher, a crítica e editora de teatro norueguesa Therese Bjørneboe.
Segundo o jornal britânico, permanentemente apontado como um dos nomes favoritos ao Prémio Nobel da Literatura, Solstad foi admirado por grandes nomes da literatura mundial, entre os quais Haruki Murakami, que o traduziu para japonês, e a norte-americana Lydia Davis, que aprendeu norueguês a ler o seu romance The Insoluble Epic Element in Telemark in the Years 1592-1896.
Um escritor de eras
Nascido no município de Sandefjord, no sudeste da Noruega, em 1941, começou a sua carreira de escritor como jornalista num jornal local. Além disso, na Universidade de Oslo, escrevia para a revista literária Profil que foi essencial para descobrir a sua escrita. «Foi uma sorte. Não tenho ideia de como a minha escrita seria sem isso. Tinha algum talento, mas era apenas um talento bruto. Faltava-me direção», contou.
Tal como referido, começou com um livro de contos, passando depois para livros de cariz experimental. Escreveu uns quantos romances de cariz político e, no começo dos anos 1990, os seus romances adquiriram um caráter mais existencialista. «Os meus livros já não são políticos, apesar de obviamente a política lá estar. Nos últimos romances, a minha única ideia política é a de não se poder confiar no capitalismo», revelou em 2018, numa entrevista ao Ípsilon.
«Os anos 70 foram a era dos contos e dos romances experimentais. Eu procurava uma nova forma de escrever, queria experimentar como a vanguarda fazia. Depois, nos anos 80, veio uma era mais política com romances como ‘Romano 1987’, que recebeu o prémio do Conselho Nórdico. Os anos 90 são o que eu chamo de período dos romances reflexivos, ou dos romances curto», detalhou numa outra conversa com o LetrasLibres. «Agora são os livros das horas extras. Sinto que já disse tudo o que queria, mas como ainda estou vivo, continuo a escrever. Mas de uma forma diferente. Agora estou mais livre, porque sinto que já cumpri o meu dever como escritor. Isso não significa que não coloque todo o meu esforço para fazê-los muito bons», assegurou.
Juntamente com o escritor policial Jon Michelet, escreveu ainda cinco livros sobre os campeonatos do mundo de futebol, entre 1982 e 1998.
Até aos anos 1980, Dag Solstad foi membro do AKP, o partido comunista maoísta norueguês, e alguns dos seus livros chegaram a gerar forte controvérsia. Aliás, as suas obras foram sempre alvo de aceso debate, graças ao seu radicalismo anticonformista. No seu 80º aniversário, o escritor revelou que gostaria de ser lembrado como comunista.
Relação com as personagens
As suas personagens habituais foram sobretudo homens solitários, professores, filósofos, escritores… Além disso, de acordo com o jornal britânico, Solstad apresentou frequentemente relacionamentos difíceis entre pai e filho. Para si, a infância não era algo literário. «Eu não escrevi quase nada sobre a infância. Simplesmente não há nada que possamos fazer com isso. É muito determinado, as posições são muito fixas. Eu prefiro colocar os meus personagens em situações onde eles têm uma chance razoável de escapar», explicou ao LetrasLibres.
O seu pai era um bom jogador de xadrez e o escritor acompanhava-o. Sabia todas as variações de cor e era capaz de calcular «todas as diferentes possibilidades na cabeça, dois ou três movimentos à frente». «Ficava acordado à noite a ponderar sobre essas variações. É muito assim que eu trabalho quando escrevo um romance», confidenciou à mesma publicação.
Apesar de não mapear os personagens e o desenvolvimento da história na cabeça – dizia não ser tão quadrado assim –, tinha sempre uma noção de onde eles estavam e como estavam posicionados, «sem definir posições com mais precisão». «Quando escrevo, há uma grande máquina que tenho que reiniciar todas as manhãs. Repito para mim mesmo tudo o que escrevi até aquele ponto, faço um esboço na cabeça dos possíveis desenvolvimentos. Por isso, há muito xadrez nisto», brincou.
Dag Solstad está publicado em 33 línguas.