Os casos de depressão têm aumentado e existem no mercado vários medicamentos para ajudar a curar este problema. No entanto, há quem se queixe da sua eficácia e diga que os psicadélicos, nomeadamente o MDMA são uma melhor opção. Atualmente existem estudos em andamento mas os especialistas falam em alguns riscos e alertam para a toma destas drogas sem qualquer recomendação médica.
Aos 26 anos, Teresa confessa que já esteve no “buraco” duas vezes. “Na verdade, não sei bem se de uma vez para a outra tinha efetivamente saído dele”. Teve duas depressões. “Nunca pensei que iria sofrer com esse problema de saúde. Tive uma infância feliz e uma adolescência igualmente boa. Mas como acontece com toda a gente, nem tudo é perfeito”, começa por contar.
Foi em 2020 que os traumas “ou as coisas que estavam recalcadas vieram ao de cima”. Fala em problemas de família, dinheiro, “traumas daqueles que me rodeavam, momentos de violência que vivi e que pouco dei importância na altura… Sempre assumi que tinha de ser âncora e porto para toda a gente. Sempre me senti culpada por todas as coisas que aconteciam ao meu redor. Porquê? Não sei…”, confessa.
Foi então a uma psicóloga que lhe explicou que sofre de síndrome da cuidadora.
Teresa diz que demorou algum tempo a perceber o que se passava consigo. “A tristeza que sentia ia aumentando, apoderando-se da minha personalidade. Quando dei por mim – e agora a olhar para fotografias dessa altura –, perdi a luz. Era como se uma nuvem negra estivesse sempre por cima da minha cabeça”.
Dessa primeira vez, a psicóloga ajudou e melhorou. Mas depois deixou as consultas. Nessa altura já trabalhava e foram-lhe receitados antidepressivos e ansiolíticos. “Eu sabia que, na verdade, o que precisava era de conversar, ir ao fundo da questão. Mergulhar verdadeiramente nas entranhas, ‘regressar’ aos lugares, encaixar as peças e curar as feridas”. Mesmo assim, experimentou os medicamentos. E não gostou. “Deixaram-me uma zombie, muito mais triste do que aquilo que eu já estava. Sei bem que a medicação demora a fazer efeito, mas não consegui mesmo continuar e esperar”.
Foi aí que experimentou substâncias como ecstasy e o DMT. E não tem dúvidas que foi isso, em conjunto com a psicóloga, que a salvou.
O ecstasy é uma substância psicoativa sintética que ganhou notoriedade pelo seu uso recreativo em festas e festivais. “Para mim, utilizado no momento certo, com as pessoas certas, permite-nos aceder a lugares de consciência que, sóbrios, temos muito mais dificuldade”, conta-nos Teresa”.
Diz ter tido uma amiga que foi a sua “mestre”. “Que, muito experiente, nesses momentos, me colocava questões, fazendo-me pensar com profundidade e clareza sobre episódios do meu passado, sobre atitudes minhas, traços da minha personalidade”.
Nunca utilizou ecstasy em festas, só em casa, “num ambiente confortável e seguro”. E deixa um exemplo: “Nessa fase sentia-me muito feia, não via nenhum interesse em mim. No meu corpo e na minha personalidade. Num desses momentos, a minha amiga colocou-me em frente ao espelho e disse-me para me despir. Fiquei nua, observando o meu corpo, enquanto ela me dizia o quão eu era bonita. As lágrimas escorriam-me no rosto enquanto a ouvia. Vi uma luz a sair-me por todos os poros. O meu olhar começou a brilhar e comecei a pedir perdão a mim mesma. Depois desse momento, nunca mais fui má comigo”.
Quanto ao DMT, que é a abreviação de dimetiltriptamina, um alucinógeno também conhecido como “molécula do espírito”, Teresa explica que é “usada em alguns rituais religiosos, acredita-se que tem a capacidade de desencadear um despertar espiritual na pessoa que a utiliza. E foi isso que senti”. “Aquilo que outras pessoas chamam de visões e alucinações, para mim foi ver o mundo com todo o seu esplendor. As cores são mais vivas, os cheiros mais fortes. Permite-nos aceder a estados de consciência que podem ser dolorosos e perigosos para quem não utiliza da devida maneira e com o estado de espírito certo. Mas sob o efeito, o mundo mostra-te que vale por si só, que a vida é uma dádiva, que está tudo certo. Aprendi a relativizar as coisas, a aceitá-las como elas são. Percebi que nós não somos as nossas emoções. Somos um canal para que elas possam viver”.
Além destas experiências que garante terem ajudado a olhar para a pessoa que é de outra maneira, a jovem voltou para a psicóloga e começou a ter consultas de reiki. “Comecei a acreditar na espiritualidade e isso trouxe-me uma grande leveza. Acredito que essas experiências me deram muita da segurança, força e empatia que tenho hoje”.
Os convencionais
A verdade é que, para curar a depressão, os psiquiatras recomendam, claro, o que é mais convencional no mercado. O Prozac – que aumenta os níveis de serotonina no cérebro, resultando em melhora dos sintomas da depressão, associada ou não à ansiedade – é um desses medicamentos, mas não é o único. Outros haverá, consoante as necessidades de cada um.
No entanto, o uso de psicadélicos tem sido testado ainda que tenha suscitado muita polémica ao longo dos anos. O seu uso induz estados alterados de consciência, o que pode ser muito procurado para quem quer combater a depressão. Podem ser naturais, como é o caso do peiote, a ayahuasca e os cogumelos psilocibínicos ou sintéticos, como o LSD (ácido lisérgico) e o MDMA (ecstasy).
O seu uso costuma ser automedicado e os especialistas chamam a atenção para que apenas seja tomado com indicação do médico, o que muitas vezes não acontece porque não é legal.
Em janeiro deste ano, a Ordem dos Psicólogos Portugueses lançou a Análise de Investigação Emergente – Psicadélicos e Saúde Mental, onde tenta desmistificar os problemas do uso destas substâncias. E relembra que, no nosso país, a psicoterapia assistida por psicadélicos clássicos “apenas pode ser realizada em contextos de investigação, algo que também se deve ao regime jurídico no qual a psilocibina, o LSD, o DMT, mas também o MDMA, são consideradas substâncias controladas”.
Ao nosso jornal, Miguel Ricou, presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses, começa por explicar que “existe, à partida, uma diferença central na sua forma de utilização”, referindo-se ao Prozac e aos psicadélicos. O Prozac, “cujo princípio ativo é a fluoxetina, é um fármaco que pode ser classificado como anti-depressivo, é prescrito medicamente, devendo o seu uso ser orientado por um médico com objetivos terapêuticos bem definidos”.
Já o ecstasy, “cujo princípio ativo é o metilenodioximetanfetamina (MDMA), é um composto sintético derivado das anfetaminas e utilizado de forma recreativa, em contextos de festas, com objetivos de promover a estimulação da pessoa e a sua predisposição ao contacto”. Nesta perspetiva, Miguel Ricou explica que “o primeiro é um medicamento com um perfil de segurança bem estabelecido e com eficácia demonstrada em várias perturbações mentais, nomeadamente na depressão e na ansiedade, quando administrado regularmente e monitorizado” e que os seus efeitos terapêuticos “ocorrem gradualmente ao longo de semanas e são sustentáveis a médio e longo prazo”. Já o segundo, o especialista considera ser uma “‘droga’ de abuso, cuja utilização não tem nenhum tipo de monitorização e que visa promover alterações psicoafectivas imediatas e de forma aguda”, lembrando que pode ter “efeitos perigosos, incluindo desidratação severa, hipertermia, taquicardia e crises hipertensivas”. A longo prazo, continua Miguel Ricou, “o consumo repetido de MDMA está associado a possíveis danos neurológicos irreversíveis, nomeadamente degeneração dos terminais nervosos serotoninérgicos e deterioração das funções cognitivas”.
Ao nosso jornal, explica ainda que a sua comparação “está relacionada com o seu impacto serotoninérgico mas são substâncias muito diferentes em termos clínicos e éticos”. Ainda assim, “recentemente, têm sido explorados potenciais usos terapêuticos do MDMA, associados a intervenções psicológicas, especialmente com pessoas que sofrem de stress pós-traumático, embora ainda em fase experimental e muito controlada, com debates éticos intensos sobre os benefícios e os riscos associados”.
O que dizem os estudos
Recentemente, um grupo de cientistas internacionais, incluindo portugueses, analisou o potencial e os riscos das terapias psicadélicas para distúrbios psiquiátricos. “Temos sinais promissores de que os psicadélicos podem ser usados de forma responsável quando são tomadas as devidas salvaguardas”, referiu em comunicado a Fundação Champalimaud que cita Albino J. Oliveira-Maia, diretor da unidade de neuropsiquiatria da fundação e co-autor da análise.
Há outros estudos que, embora ainda estejam em fases muito iniciais, mostram que essas substâncias podem desempenhar um papel promissor na abordagem terapêutica dessas condições, até porque, por exemplo, podem reduzir muito os sintomas de ansiedade. Mas tudo isto é preciso ser tratado e analisado com pinças.
É preciso recuar até 1914 para perceber a importância desta “ajuda”. Nessa altura, a MDMA foi patenteada na Alemanha, pelos laboratórios Merck, como um medicamento supressor do apetite. Mas nunca chegou a ser comercializado. Voltou na década de 50 para fins experimentais (interrogatórios, psicoterapias). E, há cerca de dois anos, um estudo descobriu como o ecstasy pode melhorar a psicoterapia e ajudar no tratamento de doenças psiquiátricas.
Miguel Ricou diz que a investigação sobre o uso terapêutico de psicadélicos para o tratamento de doenças mentais “tem crescido significativamente”, defendendo que o interesse se deve, em parte, “ao seu potencial para induzir alterações qualitativas no estado de consciência, promovendo efeitos terapêuticos, especialmente em condições como a depressão resistente e a perturbação de stresse pós-traumático, independentemente de outros perturbações serem por vezes também referidas”.
Contudo, o psicólogo diz que, “na verdade, o objetivo nesta altura é procurar respostas para situações que não respondem às intervenções de primeira linha. Ou seja, os psicadélicos são utilizados para tentar responder a perturbações resistentes”.
E alerta que substâncias como a psilocibina (cogumelos), a Ketamina (já utilizada na área da anestesiologia), o MDMA e o LSD “têm apresentado resultados promissores na redução de sintomas depressivos e ansiosos, bem como na melhoria da flexibilidade psicológica”. O que é sugerido, acrescenta, “é que os psicadélicos podem promover um estado de maleabilidade cognitiva, o que facilita a reestruturação de padrões de pensamento disfuncionais através das intervenções psicológicas. Para além disso, os resultados são indicadores de que os psicadélicos podem potenciar os efeitos da psicoterapia”.
Só que tudo tem um mas. “Apesar do entusiasmo, os estudos ainda apresentam limitações significativas como seja a dificuldade de manter ensaios clínicos duplamente cegos, dado que os efeitos subjetivos dos psicadélicos são facilmente distinguíveis do placebo”. Além disso, adianta Miguel Ricou, “é necessário promover investigações de longo prazo para compreender melhor a duração dos benefícios e os potenciais riscos associados”.
Mas não é só. O psicólogo diz que o uso de psicadélicos no tratamento de doenças mentais “levanta, ainda, desafios éticos substanciais” e que um dos principais pontos “está relacionado com a capacidade de as pessoas conseguirem tomar decisões informadas, visto que os psicadélicos podem alterar a perceção e a cognição”.
Nesse sentido, o especialista diz que deve ainda ser bem estabelecida “a distinção entre o uso clínico e o uso recreativo para evitar riscos de banalização e potenciais abusos”, sendo necessário “um modelo de intervenção multidisciplinar que envolva psiquiatras, psicólogos e outros profissionais de saúde mental com formação específica nestas intervenções e treino nas intervenções associadas às perturbações em causa”.
Ainda assim, defende não ser claro se o efeito das intervenções psicológicas “é o mais central porque potenciado pelas substâncias, ou se é o efeito das substâncias em sim mesmo que é determinante. Na verdade, existem alguns (poucos) modelos que não incluem intervenção psicológica, ainda que a maioria o faça”.
Segundo Miguel Ricou, “não existe ainda um consenso sobre qual o modelo psicoterapêutico mais eficaz, sendo que são muitas vezes utilizadas diferentes técnicas de diferentes modelos”.
Outra questão central está relacionada com a acessibilidade, “sendo fundamental que estas intervenções venham a ser acessíveis a todas as pessoas que delas possam vir a necessitar, considerando que a administração destas substâncias no contexto da intervenção deve ocorrer em ambiente hospitalar, tem uma duração bem mais elevada do que uma intervenção tradicional e necessita do acompanhamento de vários profissionais. Nesta perspetiva, não serão intervenções baratas”.
E termina ao defender que é preciso que fique claro que os estudos sobre o uso de psicadélicos no tratamento de doenças mentais “são promissores, mas ainda não definitivos” e que existe um “potencial terapêutico considerável, sobretudo em quadros resistentes ao tratamento convencional. No entanto, desafios éticos, metodológicos e regulatórios devem ser cuidadosamente considerados antes da sua implementação”. “A investigação contínua e o estabelecimento de diretrizes rigorosas serão essenciais para determinar a viabilidade destas intervenções no futuro”.