No castelo branco passa um rio amarelo

No castelo branco passa um rio amarelo


Vitória de Guimarães: na despedida da Europa contem-se os milhões e milhões de euros


A memória vive da sua mecânica prodigiosa. Ao observar ao pormenor a viagem do Vitória de Guimarães na Liga Conferência desta época, recebi em troca a imagem clara do ano em que a equipa então treinada por FernandoCaiado surgiu pela primeira vez nas taças europeias – frente ao Banik Ostrava. Não que tenha visto o jogo. Vivia em Santa Cruz, na Madeira, e nessa altura só se transmitiam alguns jogos aos sábados de manhã, e nunca com os grandes, só com malta como Académica, CUF, União de Tomar, Barreirense e por aí fora. Além do mais, em minha casa não havia televisão – vi o Mundial de 70 num café n oSanto da Serra pela TV Canárias. Mas A Bola chegava religiosamente todos os sábados por via da assinatura do meu pai, as três edições todas juntas, o que merecia umas boas tarde deitado no chão de taco do meu quarto com aqueles lençóis abertos à minha frente.

As presenças nas provas internacionais 

Por ter ficado em terceiro na época de 1968-69 atrás, respetivamente, de Benfica e FC Porto, e à frente, também respetivamente, de Vitória de Setúbal e Sporting, o Guimarães abriu lugar na antiga Taça dasCidades com Feira. No dia 10 de setembro, pelas 17h45, numa cidade entusiasmada que fechou o comércio às 17h00 para que todos pudessem rumar ao velho Municipal, o jogo histórico teve início. E a vitória do grupo de Costeado, Joaquim Jorge, António Francisco Jesus Moreira (o Peres, capitão), Augusto Martins, Bilreiro eCarlos Manuel venceu por 1-0, golo deste último ainda na primeira parte. Chegou. Em Ostrava, na então Checoslováquia, o empate (1-1), com Artur da Rocha a salvar os brancos aos 80 minutos, permitiu uma nova eliminatória que já não correu tão bem: Southampton (3-3 em casa e 1-5 fora). Era a primeira vez e estaria longe de ser a última, como se viu. Voltou em 1970-71 para fazer igual. E depois esperou para surgir naquela que já se chamava Taça UEFA em 1983-84. Pelo meio, duas passagens pela extinta Intertoto. No total vinte e três participações (uma das quais nas pré-eliminatória da Liga dos Campeões) e cento e doze jogos. Só este ano, na Liga Conferência, que é uma espécie de Intertoto que não se joga no Verão, catorze partidas efetuadas. Nunca o Vitória Sport Clube jogara tanto numa competição internacional.Embora tenha feito doze na Liga Europa de 2019/20. Seja como for, ao cair nos oitavos-de-final, repetiu a sua melhor classificação de sempre, igualando os oitavos-de-final da época de 1987-88.

Neste momento, sexto classificado à 26.ª Jornada, atrás deSporting, Benfica, FCPorto, Braga, e SantaClara, com apenas os quatro primeiros a terem lugar na Europa na época que aí vem, as hipóteses de poder voltar a competir internacionalmente estão seriamente comprometidas. Felizmente para o clube, a sua política económica atingiu o auge, pelo menos no que poderíamos chamar as suas reservas de ouro.

O rio amarelo

Este rio amarelo não tem nada que ver com o Huang Ho dos chineses. É um rio amarelo com veios de ouro. No castelo branco do Vitória deGuimarães entraram nos últimos três anos mais de cem milhões de euros, e há que dar o devido valor ao seu diretor desportivo, Rogério Pedro Campinho Marques Matias, natural de Vila Franca deXira, agora com 50 anos, simplesmente oRogérioMatias, um daqueles amigos para a vida do tempo em que eu trabalhava para a Seleção Nacional.

Os números são brutos e brutais. Repare-se nesta lista recolhida, olhando a nomes: Ibrahima Bamba (Al Duhail, Qatar) – 8 M€; André Almeida (Valencia, Espanha) – 8 M€; André Amaro (Al-Rayyan, Qatar) – 7,7 M€; Gui (Almería, Espanha) – 3 M€; Rochinha (Sporting) – 2 M€; Dani Silva (Hellas Verona, Itália) – 2 M€; Abdul Mumin (Rayo Vallecano, Espanha) – 1,5 M€; Falaye Sacko (Montpellier, França) – 1,3 M€; Anderson Silva (Alanyaspor, Turquia) – 1 M€; Alfa Semedo (Al-Tai, Arábia Saudita) – 800 mil €; Bruno Duarte (Dhamk, Arábia Saudita) – 600 mil €; Herculano Nabian (Empoli, Itália) – 450 mil €; Matous Trmal (Mlada Boleslav, Chéquia) – 300 mil €; Nicolas Janvier (Alanyaspor, Turquia) – 100 mil €; Matheus Índio – (Qingdao, China) – 250 mil €; Jota Silva (Nottingham, Inglaterra) – 7M mais 3M€ por objetivos; Mangas – (Spartak Moscovo, Rússia) – 2,5M€. 

Ufa! Quase duas equipas inteiras. Mas a coisa não se fica por aqui, já que o recente mercado de Inverno trouxe ainda mais dinheiro ao clube deGuimarães com a venda do treinador Rui Borges aoSporting por 4,1 M€, com o extraordinário negócio do jovem defesa direito (21 anos) Alberto Costa, que foi para a Juventus pela módica quantia de 12,5 M€, mais 2,5 M€ por objetivos, e finalmente com a compra do azarado Manu pelo Benfica – 9M€. 

Convenhamos que para um clube desta dimensão estamos a falar de valores bastante significativos. Dirão alguns, para os quais o dinheiro não é tão importante como parece, que os custos na competitividade da equipa principal do Vitória serão graves e que, de alguma forma, já se fazem sentir na maneira como se encontra tão distante dos lugares da frente. Mas, por outro lado, o desafogo da tesouraria permite ir ao mercado do próximo Verão com alguma desenvoltura. Para já há um rio amarelo que passa pelo castelo branco…