A benevolência do leitor perguntará: que tipo de prontidão deseja a Comissão Europeia para a Defesa Europeia quando a remete para 2030? Infelizmente o Livro Branco, ao traçar os objectivos a atingir em 2030, acaba por pintar um cenário negro do que sejam as actuais capacidades de defesa dos Estados-membros da UE.
O alvo Livro, logo na primeira página, começa por identificar assustadores actores externos, ainda que não lhe dê um nome: “Estão a ameaçar directamente o nosso modo de vida e a nossa capacidade de escolhermos o nosso futuro por processos democráticos. Acham que somos politicamente incapazes de organizar uma resposta substancial e duradoura do ponto de vista estratégico.” O nome do inimigo – a Rússia – só surge por extenso na página 3, acompanhado da Bielorússia, Coreia do Norte e Irão e a par da China. Uns parágrafos abaixo surgem referências às ameaças provenientes do Médio Oriente (Israel/Palestina, Síria, Líbano) e África (Sahel, Líbia e Sudão). Por fim, são identificadas as ameaças híbridas, sem referir a autoria estatal ou não estatal (ciber ataques, sabotagens, interferência nos sistemas de GPS e telecomunicações, campanhas de desinformação, espionagem, fluxos migratórios forçados).
Lidas as entrelinhas do Livro, percebe-se que os EUA são o mais ameaçador actor externo, por via do recente desinteresse pela defesa (melhor, pelo respectivo pagamento) da Europa. Com a continuação da invasão da Ucrânia e a retirada dos EUA, a Comissão declara a bancarrota da defesa europeia. Ainda que gastem muito dinheiro nos respectivos orçamentos de defesa os europeus não conseguem assegurar o abastecimento dos ucranianos em munições de artilharia, sistemas de defesa antiaérea e INTEL relativa às posições e movimentos das forças russas. O estabelecimento de uma preferência europeia para as compras em defesa depara-se com a incapacidade de a indústria europeia as satisfazer.
A Comissão Europeia propõe que os Estados se endividem (num volume de 800 mil milhões de euros no período de 5 anos) para adquirirem mais equipamentos de defesa, quer para repor os stocks nacionais, quer para entrega à Ucrânia (“estratégia do porco-espinho”, Comissão dixit). Não havendo margem no pequeníssimo orçamento da UE para o volume esperado de despesa, a Comissão oferece a dispensa dos procedimentos de défice excessivo, caso o mesmo resulte de gastos com defesa, esquecendo que o aumento da dívida provoca de imediato o aumento dos juros pedidos pelo mercado (como os alemães descobriram assim que anunciaram a semana passada o abandono da frugalidade).
O branco Livro propõe um esforço de re-industrialização à escala do continente, transformando a falta de competitividade da indústria europeia (automóvel, aço, alumínio,…) em disponibilidade para a indústria de defesa. O regresso à economia planificada corre o risco de ficar no papel porque as decisões políticas de aumento da despesa com defesa são nacionais e, como se viu, com a meta dos 2% de PIB fixada pela NATO, perdem na competição com as despesas politicamente mais queridas (saúde, educação, segurança social, transportes). Arrependida, a Comissão Europeia anuncia agora a guerra à burocracia e à regulação excessiva, anunciando reformas legislativas modelo Omnibus para facilitar, no âmbito da defesa, o licenciamento ambiental e o financiamento (uma via verde ESG para a defesa).
Faire et défaire c’est toujours travailler.