Os dados não são animadores e pioram com a covid-19. De acordo com os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), em 2016, uma em cada seis pessoas tinham problemas de saúde mental. Esse número aumentou com a pandemia. Em 2023, uma em cada duas pessoas sentiam-se deprimidas ou ansiosas (46 % da população da União Europeia)
A ansiedade e a depressão eram os problemas de saúde mental mais comuns na União Europeia antes da pandemia, seguidos dos distúrbios associados ao consumo de álcool e de drogas, da perturbação bipolar e da esquizofrenia. Os distúrbios de ansiedade afetavam cerca de 25 milhões de pessoas (5,4 % da população total da União Europeia), seguidas dos distúrbios depressivos (21 milhões de pessoas, 4,5 %) e dos distúrbios associados ao consumo de drogas e de álcool (11 milhões de pessoas, 2,4%). E os mais jovens não escapam a esta tendência. Em 2019, mais de 14 milhões de jovens com idades entre os 15 e os 29 anos tinham um problema de saúde mental, mas o relatório “Health at a glance” (”Panorama da Saúde”) compilado pela OCDE diz que a percentagem de jovens com sintomas de ansiedade e depressão mais do que duplicou em vários Estados-Membros desde o início da pandemia. Já num relatório recente, a UNICEF afirma que o suicídio é a segunda causa de morte dos jovens na Europa, a seguir aos acidentes de viação.
O psicológico João Nuno Faria reconhece que no top da saúde mental surge a ansiedade e a depressão como as perturbações do humor mais prevalentes na população mundial e que se agravaram, na altura da pandemia, que está mais associada ao isolamento e à tristeza, mas lembra que, do ponto de vista da saúde mental, surgiram outras problemáticas que não eram tão prevalentes como se estão a manifestar atualmente, como são, por exemplo, as questões das adições comportamentais, ou seja, adições sem substância que registaram um aumento muito significativo, nomeadamente o jogo a dinheiro e os videojogos, enquanto perturbações. “Tudo isto foi potenciado pelo isolamento, pela falta de alternativas de as pessoas lidarem com a ansiedade e com o próprio isolamento em si, uma vez que não havia muitas fontes de entretenimento. As pessoas foram muito limitadas em termos de escolhas e estas experiências, quer do jogo a dinheiro, quer dos videojogos fornecem efetivamente às pessoas uma sensação de autonomia de poderem fazer escolhas, dá-lhes uma sensação de competência de se poderem comparar com outras e de verificarem que são melhores ou piores em relação às outras”.
Pandemia vs guerra
O responsável reconhece que a questão da pandemia foi muito impactante porque teve um impacto direto nas pessoas, referindo que “muito dificilmente alguém ficou de fora, quer fosse dos mais ansiosos, quer fosse dos mais resilientes”, no entanto, admite que, muitos desses problemas que existiam, na altura da covid, já tinham sido identificados. “Em relação aos videojogos, em 2018, a Organização Mundial de Saúde estabeleceu como perturbação identificada e validada a adição aos jogos que tinha uma certa prevalência em termos de problema, mas quando apareceu a covid, esses problemas subiram de forma muito significativa e passaram a ter outra dimensão”, diz ao nosso jornal.
Cenário diferente têm as situações de guerra. João Nuno Faria lembra que apesar de haver uma guerra à nossa porta continuam a existir várias no mundo inteiro, reconhecendo que são as que batem à porta da Europa, as que mais impactam no velho continente. “Este fenómeno de nos bater a guerra à porta é algo que mexe connosco. Não consigo de modo algum objetivar quais são os dados do antes e os depois da guerra, até porque a guerra da Ucrânia aconteceu em sobreposição com o própria covid”.
À beira de um ataque de nervos
É necessário distinguir uma pessoa nervosa de uma ansiosa, uma vez que esta última é considerada uma perturbação, nota João Nuno Faria. No entanto, lembra que para ter uma perturbação é necessário cumprir um conjunto de critérios. “Não é por dizer que estou ansioso que tenho uma perturbação da ansiedade. E o mesmo se aplica à palavra depressão”: alguém pode dizer ‘estou tão deprimido’, mas isso não basta, para uma pessoa estar deprimida tem de cumprir um conjunto de critérios. “Muitas pessoas dizem que estão deprimidas, mas na realidade o que estão a sentir é um humor um bocadinho mais para baixo naquele dia, porque o tempo não está tão bom, porque estão com uma carga maior de trabalho, mas não significa que a pessoa esteja verdadeiramente deprimida clinicamente falando”.
E não hesita: “Diria que estas perturbações do humor têm muito a ver com o dia-a-dia das pessoas. E a questão da ansiedade no mundo ocidental deriva muito do estilo de vida dos indivíduos relativamente à pressão entre o equilíbrio entre o trabalho e a família, o tempo que tem para si e para os outros, enquanto as questões depressivas estão muito associadas à sobrecarga que acarreta no seu dia-a-dia, à pressão sentida e acumulada e à diferença entre aquilo que gostaria de ser e aquilo que é, o que cria um fosso entre o ideal e o real, o que leva o indivíduo a ficar mais entristecido e a poder resvalar para uma perturbação depressiva”.
Quanto à ideia do clima poder contribuir para a saúde mental, o responsável afirma que não estamos perante um mito. “Há algumas coincidências que não completamente explicáveis, mas que apontam para uma maior incidência da depressão nesta época de outono/inverno”, salientando também que há épocas que marcam, nomeadamente a a época do Natal, que pode ser uma época muito festiva mas igualmente nostálgica. “Não esquecendo que é sobretudo na época invernosa e natalícia que há um aumento significativo do número de comportamentos suicidários, o que significa que há qualquer coisa nesta época que é muito ativador desta dimensão da tristeza do indivíduo, principalmente se olharmos para a família reunida, em que se lembra as famílias que se perderam, ou famílias completamente desestruturadas ou reorganizadas em outros formatos, resultados de divórcios, de casais com famílias reconstruídas, acidentes que acontecem por causa da maior circulação nas estradas”.
Muitos fatores apontam para um aumento exponencial da tristeza nesta altura em contraposição com os períodos de férias, em que não existe a pressão do trabalho: “Em determinadas altura do ano há uma maior propensão para a tristeza e, em outras, uma maior propensão para a alegria e para o relaxamento”.
Afeta também a economia
A par do impacto na saúde, os problemas de saúde mental também têm consequências económicas para a sociedade. Ainda antes da pandemia, os custos rondavam os 600 mil milhões de euros, ou seja, mais de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) aos 27 países da União Europeia. As despesas diretas com cuidados de saúde (consultas, produtos farmacêuticos, hospitalizações) fixam-se nos 190 mil milhões de euros ou 1,3 % do PIB, os programas de segurança social (baixa por doença, licença por invalidez, subsídio de desemprego) cerca de 170 mil milhões de euros ou 1,2 % do PIB e os custos indiretos no mercado de trabalho (perda de rendimentos devido à mortalidade, menor taxa de emprego, absentismo e menor produtividade): 240 mil milhões de euros ou 1,6 % do PIB europeu.