Ouvem-se discretos passos de coelho


Há um estudo de opinião que mostra que os portugueses acham que Montenegro não devia recandidatar-se.


Nota prévia: É notório que Trump e a sua gente cumprem a estratégia de fortalecer a Rússia de Putin. Dificilmente a conversa de hoje entre os dois líderes será desfavorável ao novo czar que no terreno consolidou posições desde o regresso do americano. Já nos Estados Unidos e na Europa Ocidental surgem movimentos destinados a travar os planos da nova administração americana. Multiplicam-se atos de cidadania e há instituições e estados federais que não se deixam capturar, nem abdicam da sua autonomia. Na Europa, toma-se consciência de que a aliança estratégica de defesa coletiva em que os EUA servem de grande cobertura tem de ser revista, com ou sem Trump. Foi um erro fatal que permitiu a Putin ameaçar a democracia da Ucrânia e acabar com os movimentos libertários que se desenvolveram nos países vizinhos da Rússia. Desenha-se uma coesão inovadora europeia e, vendo bem, na América do Norte, Trump está cercado pela resiliência do Canadá e do México. São bons sinais, embora incipientes. O mundo multipolar é uma nova realidade na qual a Europa tem ainda um papel relevante a jogar, se souber atuar em equipa tanto política como economicamente.

1. Falta bastante para as legislativas, mas pensa-se quase tanto no que acontecerá depois como naquilo que vai ser a campanha ou no que a originou. Em primeiro lugar, é provável que a dura luta entre Montenegro e Pedro Nuno Santos leve a que tanto o vencedor como o derrotado tenham uma vida complicada. Ganhar ou perder pode na mesma permitir formar governo, consoante o resultado dos outros partidos concorrentes do PSD e do PS. Porém, há limitações. Do lado de Pedro Nuno Santos, é improvável que uma vitória permita repetir uma “geringonça”, pelo que a hipótese de governar em minoria seria a mais provável, mas teria de contar com a benevolência inicial dos sociais-democratas. Seria, portanto, mais um governo a prazo. Quanto ao PSD de Montenegro, a probabilidade de ele reafirmar o seu “não é não” ao Chega (e vice-versa de Ventura) e a garantia de não constituir governo se não for o mais votado (mesmo que em AD), limita as suas opções. Se flexibilizasse o conceito e admitisse que pode governar sendo o segundo partido, então aí poderia procurar um acordo com os liberais, seja de governo ou de incidência parlamentar. Claro que nunca daria para uma maioria absoluta, mas tornaria a estabilidade governativa numa possibilidade alcançável. Até ver, Montenegro tem o PSD atrás de si a cerrar fileiras formalmente. Mas basta falar com qualquer militante empenhado ou político ativo do partido para se perceber que muitos antecipam um cenário que pode passar pelo regresso de Passos Coelho e um acordo com o Chega. São passos quase impercetíveis e discretos, dados com pantufas forradas e que se tornarão bem audíveis, se a situação mudar, mesmo que o ex-primeiro-ministro nada faça por isso e mantenha a sua reserva atual. Pelo lado de Ventura, a aceitação de uma eventual coligação de governo com o passismo não oferece dúvidas a ninguém, desde que lhe deem pastas concretas e influentes, tipo administração interna e justiça. Passos tem-se mantido distante da política. Cumpriu sempre a promessa solene de nunca disputar o poder a Montenegro. Quem o conhece, garante que a situação assim se manterá e que uma sucessão só ocorreria com a saída de Montenegro pelo seu pé. É um cenário possível em caso de derrota. Passos é uma reserva política, goste-se dele ou não. Há estudos consistentes que mostram que os portugueses consideram que Montenegro já nem deveria recandidatar-se, depois de tudo o que aconteceu à sua volta e da desastrada gestão que ele e o seu núcleo duro político fizeram de um caso possível de estancar quando surgiu. Em vez disso, a opção foi subir a parada com uma moção de confiança que fez cair o governo. As eleições de maio são uma jogada de alto risco, desde logo para o futuro do país e num contexto mundial complicadíssimo. Os seus resultados são incertos. Os cenários posteriores são múltiplos. Seguem-se autárquicas e presidenciais, sendo possível que saiam situações pouco claras das primeiras e alguém sem a preparação e a bagagem política de um Marcelo e dos seus antecessores nas segundas. Tenha ou não tenha ido a votos, quem for ou quiser ser protagonista a partir de maio terá de aceitar o quadro que resultar das legislativas e saber cozinhar uma solução governativa, que tanto pode ir para a direita, para a esquerda ou mesmo para um bloco central. Este último foi uma solução que tirou Portugal de um quadro ainda mais complicado do que nos trouxe a louca gestão socrática. Muita gente não se lembra ou não sabe, mas Mário Soares e Mota Pinto, nos anos 80, souberam pôr o país à frente dos seus egos, estabilizando a situação, enquanto negociavam a entrada para a então CEE, que Cavaco Silva viria a aproveitar como ninguém para reformar e desenvolver profundamente o país. Eram tempos diferentes dos atuais, com protagonistas de primeira e segunda linha que nada tinham a ver com muitos dos que agora rasgam as vestes por Montenegro e por Pedro Nuno Santos, mas que há poucos meses exaltavam o brilhantismo de António Costa ou o banho de ética de Rui Rio.

2. A dias da dissolução do parlamento, o seu presidente, Aguiar Branco, tornou-se inesperadamente polémico por ter afirmado que Pedro Nuno Santos fez mais mal à democracia em seis dias do que Ventura em seis anos. O PS reagiu indignado e aos gritos a uma afirmação feita numa reunião do PSD falsamente fechada a jornalistas e que é um ponto de vista legítimo, embora dele se possa obviamente discordar. O PS aproveitou e esqueceu-se das sinuosas, sibilinas e provocatórias presidências de Ferro Rodrigues e de Santos Silva. Esses, sim, foram desastres sectários e públicos na condução dos trabalhos, o que Aguiar Branco nunca fez. Foi sempre paciente, moderado, sensato e um grande senhor na representação do Estado português. Na sua intervenção, Aguiar Branco limitou-se a uma análise pessoal e clara da situação, sobretudo quando disse que depois de ter visto o que se passou “não há uma pessoa de bem que não tenha dito: eu na política? Nunca!”. Lapidar e inegável!

3. Em Setúbal, aguarda-se com expectativa que o PSD proponha um nome para candidato a presidente da Câmara. O atraso na decisão está a criar expectativas aos apoiantes de Maria das Dores Meira de ela poder liderar uma coligação alargada, integrando o PSD, o que seria inédito e até estranho. O facto é que algo semelhante sucedeu, no mesmo distrito, em Santiago do Cacém, onde PS e PSD se aliaram a um movimento local, numa rara prova de fraqueza. Como militante comunista, Maria das Dores Meira foi a edil de Setúbal três mandatos. Por ter atingido o limite imposto por lei, concorreu pela CDU em Almada, onde perdeu por pouco para Inês de Medeiros, ficando como vereadora. A meio do mandato demitiu-se e abandonou o PCP, tornando-se independente. Agora quer voltar e dava-lhe um jeitão a boleia do PSD. Será que consegue? O Chega espreita.

4. Embalado pelo sucesso de ter revelado a existência das empresas do ex-secretário de Estado Hernâni Dias, que por arrastamento desembocou no caso da Spinumviva e consequente queda do governo, o programa A Prova dos Factos da RTP seguiu a via justicialista na sua mais recente edição. Foi atrás da pista de uma jovem não licenciada que é adjunta de uma secretária de Estado. A criatura é filha de um deputado do PSD e ex-autarca. Em tempos, fez um biscate no recenseamento no município do pai. Qual 60 Minutos da CBS, o nosso programa foi averiguar, no pressuposto de que um não licenciado não pode ser adjunto no governo. Chamou um advogado e levou sopa de ponta a ponta. Depois tentou mostrar que a jovem tinha exercido uma profissão sem habilitações, o que também não era verdade na data em que ela obteve a respetiva licença de osteopata. Se tivessem pegado no caso pelo lado da endogamia, era sustentável. Mas assim não! Parecia bullying. Evidenciou preconceito ao relacionar a capacidade apenas com a formação académica, o que não é muitas vezes o caso. Se assim fosse, Saramago não teria passado de revisor, John Major não teria sido primeiro-ministro, Carlos César não poderia ser o brilhante presidente do PS que é, e Carlos Coelho não era o Reitor da Academia de Verão do PSD.

Ouvem-se discretos passos de coelho


Há um estudo de opinião que mostra que os portugueses acham que Montenegro não devia recandidatar-se.


Nota prévia: É notório que Trump e a sua gente cumprem a estratégia de fortalecer a Rússia de Putin. Dificilmente a conversa de hoje entre os dois líderes será desfavorável ao novo czar que no terreno consolidou posições desde o regresso do americano. Já nos Estados Unidos e na Europa Ocidental surgem movimentos destinados a travar os planos da nova administração americana. Multiplicam-se atos de cidadania e há instituições e estados federais que não se deixam capturar, nem abdicam da sua autonomia. Na Europa, toma-se consciência de que a aliança estratégica de defesa coletiva em que os EUA servem de grande cobertura tem de ser revista, com ou sem Trump. Foi um erro fatal que permitiu a Putin ameaçar a democracia da Ucrânia e acabar com os movimentos libertários que se desenvolveram nos países vizinhos da Rússia. Desenha-se uma coesão inovadora europeia e, vendo bem, na América do Norte, Trump está cercado pela resiliência do Canadá e do México. São bons sinais, embora incipientes. O mundo multipolar é uma nova realidade na qual a Europa tem ainda um papel relevante a jogar, se souber atuar em equipa tanto política como economicamente.

1. Falta bastante para as legislativas, mas pensa-se quase tanto no que acontecerá depois como naquilo que vai ser a campanha ou no que a originou. Em primeiro lugar, é provável que a dura luta entre Montenegro e Pedro Nuno Santos leve a que tanto o vencedor como o derrotado tenham uma vida complicada. Ganhar ou perder pode na mesma permitir formar governo, consoante o resultado dos outros partidos concorrentes do PSD e do PS. Porém, há limitações. Do lado de Pedro Nuno Santos, é improvável que uma vitória permita repetir uma “geringonça”, pelo que a hipótese de governar em minoria seria a mais provável, mas teria de contar com a benevolência inicial dos sociais-democratas. Seria, portanto, mais um governo a prazo. Quanto ao PSD de Montenegro, a probabilidade de ele reafirmar o seu “não é não” ao Chega (e vice-versa de Ventura) e a garantia de não constituir governo se não for o mais votado (mesmo que em AD), limita as suas opções. Se flexibilizasse o conceito e admitisse que pode governar sendo o segundo partido, então aí poderia procurar um acordo com os liberais, seja de governo ou de incidência parlamentar. Claro que nunca daria para uma maioria absoluta, mas tornaria a estabilidade governativa numa possibilidade alcançável. Até ver, Montenegro tem o PSD atrás de si a cerrar fileiras formalmente. Mas basta falar com qualquer militante empenhado ou político ativo do partido para se perceber que muitos antecipam um cenário que pode passar pelo regresso de Passos Coelho e um acordo com o Chega. São passos quase impercetíveis e discretos, dados com pantufas forradas e que se tornarão bem audíveis, se a situação mudar, mesmo que o ex-primeiro-ministro nada faça por isso e mantenha a sua reserva atual. Pelo lado de Ventura, a aceitação de uma eventual coligação de governo com o passismo não oferece dúvidas a ninguém, desde que lhe deem pastas concretas e influentes, tipo administração interna e justiça. Passos tem-se mantido distante da política. Cumpriu sempre a promessa solene de nunca disputar o poder a Montenegro. Quem o conhece, garante que a situação assim se manterá e que uma sucessão só ocorreria com a saída de Montenegro pelo seu pé. É um cenário possível em caso de derrota. Passos é uma reserva política, goste-se dele ou não. Há estudos consistentes que mostram que os portugueses consideram que Montenegro já nem deveria recandidatar-se, depois de tudo o que aconteceu à sua volta e da desastrada gestão que ele e o seu núcleo duro político fizeram de um caso possível de estancar quando surgiu. Em vez disso, a opção foi subir a parada com uma moção de confiança que fez cair o governo. As eleições de maio são uma jogada de alto risco, desde logo para o futuro do país e num contexto mundial complicadíssimo. Os seus resultados são incertos. Os cenários posteriores são múltiplos. Seguem-se autárquicas e presidenciais, sendo possível que saiam situações pouco claras das primeiras e alguém sem a preparação e a bagagem política de um Marcelo e dos seus antecessores nas segundas. Tenha ou não tenha ido a votos, quem for ou quiser ser protagonista a partir de maio terá de aceitar o quadro que resultar das legislativas e saber cozinhar uma solução governativa, que tanto pode ir para a direita, para a esquerda ou mesmo para um bloco central. Este último foi uma solução que tirou Portugal de um quadro ainda mais complicado do que nos trouxe a louca gestão socrática. Muita gente não se lembra ou não sabe, mas Mário Soares e Mota Pinto, nos anos 80, souberam pôr o país à frente dos seus egos, estabilizando a situação, enquanto negociavam a entrada para a então CEE, que Cavaco Silva viria a aproveitar como ninguém para reformar e desenvolver profundamente o país. Eram tempos diferentes dos atuais, com protagonistas de primeira e segunda linha que nada tinham a ver com muitos dos que agora rasgam as vestes por Montenegro e por Pedro Nuno Santos, mas que há poucos meses exaltavam o brilhantismo de António Costa ou o banho de ética de Rui Rio.

2. A dias da dissolução do parlamento, o seu presidente, Aguiar Branco, tornou-se inesperadamente polémico por ter afirmado que Pedro Nuno Santos fez mais mal à democracia em seis dias do que Ventura em seis anos. O PS reagiu indignado e aos gritos a uma afirmação feita numa reunião do PSD falsamente fechada a jornalistas e que é um ponto de vista legítimo, embora dele se possa obviamente discordar. O PS aproveitou e esqueceu-se das sinuosas, sibilinas e provocatórias presidências de Ferro Rodrigues e de Santos Silva. Esses, sim, foram desastres sectários e públicos na condução dos trabalhos, o que Aguiar Branco nunca fez. Foi sempre paciente, moderado, sensato e um grande senhor na representação do Estado português. Na sua intervenção, Aguiar Branco limitou-se a uma análise pessoal e clara da situação, sobretudo quando disse que depois de ter visto o que se passou “não há uma pessoa de bem que não tenha dito: eu na política? Nunca!”. Lapidar e inegável!

3. Em Setúbal, aguarda-se com expectativa que o PSD proponha um nome para candidato a presidente da Câmara. O atraso na decisão está a criar expectativas aos apoiantes de Maria das Dores Meira de ela poder liderar uma coligação alargada, integrando o PSD, o que seria inédito e até estranho. O facto é que algo semelhante sucedeu, no mesmo distrito, em Santiago do Cacém, onde PS e PSD se aliaram a um movimento local, numa rara prova de fraqueza. Como militante comunista, Maria das Dores Meira foi a edil de Setúbal três mandatos. Por ter atingido o limite imposto por lei, concorreu pela CDU em Almada, onde perdeu por pouco para Inês de Medeiros, ficando como vereadora. A meio do mandato demitiu-se e abandonou o PCP, tornando-se independente. Agora quer voltar e dava-lhe um jeitão a boleia do PSD. Será que consegue? O Chega espreita.

4. Embalado pelo sucesso de ter revelado a existência das empresas do ex-secretário de Estado Hernâni Dias, que por arrastamento desembocou no caso da Spinumviva e consequente queda do governo, o programa A Prova dos Factos da RTP seguiu a via justicialista na sua mais recente edição. Foi atrás da pista de uma jovem não licenciada que é adjunta de uma secretária de Estado. A criatura é filha de um deputado do PSD e ex-autarca. Em tempos, fez um biscate no recenseamento no município do pai. Qual 60 Minutos da CBS, o nosso programa foi averiguar, no pressuposto de que um não licenciado não pode ser adjunto no governo. Chamou um advogado e levou sopa de ponta a ponta. Depois tentou mostrar que a jovem tinha exercido uma profissão sem habilitações, o que também não era verdade na data em que ela obteve a respetiva licença de osteopata. Se tivessem pegado no caso pelo lado da endogamia, era sustentável. Mas assim não! Parecia bullying. Evidenciou preconceito ao relacionar a capacidade apenas com a formação académica, o que não é muitas vezes o caso. Se assim fosse, Saramago não teria passado de revisor, John Major não teria sido primeiro-ministro, Carlos César não poderia ser o brilhante presidente do PS que é, e Carlos Coelho não era o Reitor da Academia de Verão do PSD.