É a universidade autossuficiente para educar os seus estudantes?
Não, não é. Não, se quisermos que os nossos licenciados, mestres e doutores estejam preparados para serem os empreendedores, os inovadores, os criadores de riqueza e os construtores de um futuro melhor. Para atingir a excelência, sempre foi essencial que a academia não se fechasse dentro dos seus muros, mas mantivesse uma estreita relação com a sociedade. A visão caricatural do professor ou estudante universitário fechado na biblioteca ou no laboratório a trabalhar sobre si mesmos já há muito que não faz sentido.
Felizmente, a universidade portuguesa está, mais do que nunca, aberta ao mundo. A universidade existe em resposta às necessidades da sociedade e tem a missão de produzir os seus quadros especializados, em ciência, cultura, pedagogia, engenharia, arquitetura, medicina, entre outras áreas. Para que cumpra a sua missão tem de produzir esses quadros de forma a que atinja, ou melhor, que exceda, as expectativas da sociedade. Para isso tem de conhecê-las bem e integrá-las na formação dada aos seus estudantes!
A abertura da universidade ao exterior tem-se notado em especial no que diz respeito à investigação conduzida nos seus centros. A investigação e inovação com impacto real tem de ser movida por um estreito conhecimento das necessidades sociais e económicas, e de uma estreita interacção com os outros intervenientes nos processos de investigação, inovação e desenvolvimento, nomeadamente a indústria, o tecido empresarial, a rede hospitalar e as instituições de investigação, nacionais e internacionais.
O mesmo grau de proximidade entre universidade e sociedade, contudo, não se tem verificado de forma tão frequente no que diz respeito à pedagogia. Incluir a sociedade nos processos de aprendizagem não é apenas desejável, é necessário. Prova disso, é o que acontece por vezes, quando os estudantes concluem os seus estudos universitários. Quando entram no mercado de trabalho, os recém-graduados são “convidados” a fazer formação. Parece contraditório, não é? Ao fim de 3, 5 ou 9 anos de educação superior (caso se conclua uma licenciatura, um mestrado ou um doutoramento), ainda é preciso fazer formação? Quando a formação se prende com detalhes muito específicos sobre o trabalho a desenvolver em cada empresa, tudo bem. A universidade nunca oferecerá as especificidades de formação de cada posto de trabalho. Nem se espera que o faça. Contudo, quando as formações têm como objectivo completar a educação que se esperava ter sido dada pela universidade, então a situação é preocupante.
A única forma de ultrapassar a eventual dissonância entre a formação universitária e as necessidades do mercado é convidar a sociedade a participar na formação dos estudantes universitários. Esta é prática corrente nas melhores universidades do mundo e nas melhores universidades portuguesas. Uma das formas de o fazer, fica patente na preocupação de Alfredo Bensaúde, fundador do Instituto Superior Técnico, ao refletir sobre o que esperava ao recrutar novos docentes, nas suas “Notas Histórico-Pedagógicas sobre o Instituto Superior Técnico”, de 1922: “é elemento primordial de preferência … o facto de o candidato ter colaborado em trabalhos da técnica ou da indústria durante alguns anos…”. Para além de valorizar o recrutamento de docentes que, além de investigadores, tenham também experiência profissional relevante, muitas universidades expõem os seus estudantes ao tecido empresarial, ao meio industrial ou hospitalar, entre outros, por meio de estágios curriculares nesses ambientes, incluindo os que de traduzem em contributos para dissertações de mestrado e de doutoramento.
Mais recentemente, contudo, o Instituto Superior Técnico quis levar a abertura à sociedade a um nível realmente inovador, numa iniciativa chamada projectos Capstone. Neste âmbito, o Técnico pede, anualmente, a empresas e instituições várias que lancem desafios aos seus estudantes de mestrado. Esses desafios devem ser reais, multidisciplinares e sem solução evidente. Em resposta aos desafios lançados pela sociedade, reúnem-se equipas plurais de docentes e de estudantes que durante um ano inteiro trabalham para encontrar as soluções melhores, mais inovadoras e mais sustentáveis para os desafios propostos. Este modelo dá aos estudantes de mestrado uma possibilidade excepcional de pôr em prática todos os conhecimentos adquiridos ao longo dos seus cursos, aplicando-os a desafios reais e estimulantes. Para além de desenvolver competências essenciais como trabalho em equipa, pensamento crítico e gestão de tempo, esta é uma excelente forma de enriquecerem o seu currículo e se destacarem no mercado de trabalho. Permite ainda criar ligações valiosas com profissionais da área e abrir portas para futuras oportunidades. É o impulso perfeito para uma carreira de sucesso e para uma sociedade mais próspera!
Mais do que nunca, a universidade deve estar de portas abertas à sociedade, incluindo-a nas suas iniciativas de investigação, mas também nas de formação. O Técnico está a fazer isso, e deixa o seguinte convite (adaptado da célebre canção de Zeca Afonso) às empresas e instituições que queiram participar na formação das próximas gerações: “Amigo, maior que o pensamento … Seja bem-vindo quem vier por bem … Traz outro desafio, também!”.
Professor e Presidente do Conselho Pedagógico do Instituto Superior Técnico