Antidepressivos. Consumo tem aumentado em Portugal

Antidepressivos. Consumo tem aumentado em Portugal


Portugal é dos países que consomem mais antidepressivos e as farmácias comprovam que as vendas têm aumentado. Mas se olharmos para os ansiolíticos, sedativos e hipnóticos, o número tem diminuído. É preciso “uma reflexão crítica e aprofundada”.


O consumo de antidepressivos tem aumentado em Portugal. Pelo menos é isso que mostram os dados do Infarmed enviados ao i. É que, se em 2014 o número de  embalagens prescritas e comparticipadas de medicamentos antidepressores dispensadas nas farmácias comunitárias de Portugal Continental era mais de 7,2 milhões, até maio de 2024 esse número aumentou para quase 12,8 milhões. O consumo quase duplicou na última década mas, ainda que se possa dizer que a pandemia veio agravar a situação, a verdade é que nos últimos 10 anos não houve um ano em que o número não aumentasse, segundo os dados do Infarmed.

O mesmo não se pode dizer dos ansiolíticos, sedativos e hipnóticos. Aqui, o valor tem diminuído, ainda que marginalmente. Em 2014, o número de embalagens prescritas e comparticipadas era de cerca de 11,1 milhões, tendo caído para pouco mais de 10 milhões até maio do ano passado.

Portugal no topo

Portugal é o país da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) que conta com o maior consumo de antidepressivos. Os dados da OCDE mostram que são consumidas 14 doses diárias por cada 100 habitantes no nosso país. Portugal é também “um dos países da OCDE onde o consumo de antidepressivos mais cresceu desde 2015, apenas superado pelo Chile, Letónia e Estónia. Trata-se de um crescimento de cerca de 47%”. No total, cerca de 12% da população sofria de depressão crónica na altura do inquérito, o que seria equivalente a 1,2 milhões de portugueses. Apenas na Islândia o consumo de doses diárias por cada 100 habitantes é superior.

E se olharmos para dados do Eurostat – referentes a 2019 – 12% dos portugueses sofrem de depressão crónica, o valor mais elevado da União Europeia, cuja percentagem era, nessa altura, de apenas 7%.

Aumento nas farmácias

A Associação Nacional das Farmácias (ANF) garante que se verifica “uma tendência de aumento na ordem dos 2,4%  de dispensa de embalagens nas farmácias comunitárias (dados 2023-2024) no total do mercado de ansiolíticos e antidepressivos”. Quanto aos stocks, a ANF garante: “Não temos registo de problemas ou falhas por parte das farmácias”, lembrando que as farmácias e o farmacêutico, “têm um papel fundamental nos cuidados de saúde prestados à população, assegurando o acesso ao medicamento em segurança e a continuidade terapêutica quando necessário para o controlo da doença, o que é muito relevante no âmbito da saúde mental” e que a ANF desenvolve, “ao longo do tempo, inúmeras intervenções e materiais formativos que visam ações de formação e de sensibilização das farmácias, os seus profissionais e os utentes das farmácias portuguesas relativamente à utilização segura e efetiva destes medicamentos, com vista a dotar as farmácias das ferramentas necessárias para cumprirem e assegurarem os melhores cuidados de saúde à população”.

Má utilização dos fármacos?

Ao nosso jornal, Miguel Ricou, presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses, ainda que defenda que a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) “não deverá emitir opiniões sobre a utilização específica de psicofármacos, nomeadamente, antidepressivos e ansiolíticos, uma vez que a sua prescrição é da competência exclusiva de outros profissionais, nomeadamente os médicos” e que não compete à OPP fazer comentários que possam sugerir uma opinião crítica à prática de outros profissionais, refere que estes fármacos “apenas devem ser utilizados sob orientação médica especializada, devendo ser evitada a sua utilização de forma autónoma, o que poderá levar a situações de abuso e de dependência, bem como a uma cronicidade desnecessária, resultando em prejuízo para as pessoas que o façam, comprometendo gravemente a eficácia das intervenções adequadas e orientadas por especialistas em saúde mental e prejudicando as pessoas”.

Miguel Ricou é ainda claro ao garantir que não se pode esconder que existe “uma grande utilização destes fármacos em Portugal, sobretudo quando comparada com outros países, o que deverá merecer uma reflexão crítica aprofundada”.

Se por um lado, na opinião do psicólogo, “se poderá questionar sobre uma maior incidência ou prevalência de perturbações emocionais na população portuguesa”, por outro lado, “também se poderá refletir que estes números se possam ficar a dever a uma má utilização dos fármacos (excesso de dosagem ou tempo de utilização demasiado prolongado) e/ou a uma maior dificuldade de acesso a profissionais de saúde mental, nomeadamente psicólogos e psiquiatras”.

Miguel Ricou adianta ainda que é “amplamente sustentado por evidências científicas sólidas que, particularmente em perturbações emocionais mais graves, a combinação de intervenções psicofarmacológicas e psicológicas oferece resultados significativamente superiores a longo prazo, reduzindo as taxas de recaída e favorecendo uma recuperação sustentável”.

Já nas situações em que os sintomas são mais leves ou menos incapacitantes, “a intervenção psicológica pode ser a primeira linha de intervenção, mantendo, no entanto, sempre como central a autonomia e as preferências das pessoas”. Por isso, o psicólogo considera que “o que deve ser sublinhado é que qualquer intervenção em saúde mental deve, idealmente, ser multidisciplinar, envolvendo uma articulação próxima e eficaz entre diferentes especialidades profissionais, nomeadamente psicólogos e psiquiatras, e outros profissionais de saúde relevantes”.

Deste modo, alerta ainda, “é urgente promover a acessibilidade real e equitativa a intervenções qualificadas em saúde mental e à formação contínua dos profissionais envolvidos, com programas adaptados às necessidades de cada um”, acrescentando que “a concretização desta estratégia permitiria não só uma abordagem mais eficaz, segura e ética às perturbações emocionais, não empurrando as pessoas para o uso desadequado e não acompanhado dos psicofármacos”.

Os dados disponibilizados dizem respeito ao número de embalagens prescritas e comparticipadas de medicamentos antidepressores, ansiolíticos, sedativos e hipnóticos bem como de medicamentos antipsicóticos dispensadas nas farmácias comunitárias de Portugal Continental, entre janeiro de 2014 e 31 de maio de 2024.