Agarrar-se a qualquer coisa


O desespero das circunstâncias faz com que muitos se agarrem a qualquer coisa para continuarem a esbracejar, a boiar ou a navegar, sempre em modo de sobrevivência. Estão assim os protagonistas políticos de turno.


Houve um tempo em que a política era feita mais de valores e de procura de resposta ao interesse geral do que de meras circunstâncias, mais individuais do que coletivas. Esse tempo foi-se, a toque das inconsistências vigentes, que não são apenas, dos protagonistas políticos, mas grassam numa sociedade pouco afoita à exigência ética, à observância das regras como parte da partilha de quotidianos, à clareza das opções, dos processos e da avaliação dos resultados e ao compromisso para a concretização de soluções e respostas sustentadas, não meros fogachos de governação facilmente substituídos pelo governo seguinte.

O desespero das circunstâncias, sem solidez de referências de pensamento, de lastro do percurso ou do trabalho realizado, num quadro de incertezas locais, nacionais e globais, faz com que muitos se agarrem a qualquer coisa para continuarem a esbracejar, a boiar ou a navegar, sempre em modo de sobrevivência. Estão assim os protagonistas políticos de turno, projetando na sociedade a perceção sólida de que os fins justificam todos os meios e o designado “bem comum” é coisa de rodapé.

A centralidade da presidência da República na monitorização do funcionamento das instituições e da democracia, perdeu-se no excesso de verbalização inicial e no recente apagão de contributo eficaz para monitorizar e salvaguardar mínimos de quase tudo. Marcelo intrometeu-se tanto e anulou-se de tal modo que ficará na história como o presidente da instabilidade, tantas foram as idas às urnas no período dos seus mandatos. O quadro de desespero com a situação leva os portugueses a quererem agarrar-se a algo diferente na presidência, restando saber se para a boia presidencial bastará aos portugueses só autoridade para um cargo não executivo ou se, à exigência ética, querem somar alguém com compromisso democrático sólido que fez parte do sistema sem ser contaminado pelas suas disfunções.

A minoria de governo, que conseguiu transformar uma questão pessoal do primeiro-ministro num problema político, ensaia a exaltação da obra realizada em menos de um ano com o exagero próprio de ébrios desapegados da realidade. A verdade é que nem tudo foi mau, mas não é tudo motivo de euforia quando continuamos a ter pilares da governação fundamentais, como a saúde ou a habitação, sem vislumbres de respostas que se impõem. A minoria de governo, que contou com diversas oportunidades de compromisso do Partido Socialista, posicionou-se sempre como se tivesse maioria não a tendo. Na verve, na atitude, na ocupação dos cargos públicos e até na dialética do debate político, o ataque foi sempre adotado como defesa, ora a abocanhar, ora a tentar entrincheirar quem tinha representação política e autonomia para escolher qualquer opção além da convergência com o cão que lhe mordia a mão. Em algumas matérias até estavam a fazer diferente, para melhor, e a projetar ajustes de posicionamento no maior partido da oposição, incapaz que estava de realizar a autocrítica da governação passada, mas, porque são de circunstância, facilmente caíram na desqualificação do exercício, levando à crise política. Os tacticismos, os maniqueísmos, os exageros da verve de Aguiar Branco e de Hugo Soares e o desespero da estratégia digital de tentar enlamear o passado de Pedro Nuno Santos para o nivelar por baixo no patamar de enleio pessoal, profissional e político em que se colocou Luís Montenegro são expressões de desespero degradantes. Estão, no seu conjunto, ao nível das generalizações do Chega sobre os 50 anos de democracia, em qualquer critério melhores que as suas adoradas décadas de ditadura. Cem por cento do que diz e faz, em modo de contra, não era possível antes do 25 de Abril. Se é a limpeza que está em causa, porque ainda não clarificou ainda se candidatos a Belém ou às Câmaras Municipais poderão ser antes candidatos a deputados nestas legislativas? Na sua terminologia, “vão agarrar-se aos tachos?”.

A oposição apanhada em início de ciclo pela crise política forçada pela minoria de governo, expectante que as medidas da governação e os anúncios produzam efeito eleitoral que as sondagens não demonstram, procurará aproveitar a mancha de bolor que Montenegro colocou na sua casa e apresentar propostas de governo alternativas. Para já, o PS parece ter adotado a regra ética orientadora de que candidatos a presidentes de câmara não serão candidatos a deputados nestas eleições, sendo esclarecedoras as hesitações e as desistências registadas em nome do certo na órbita do poder disponível. Diz quase tudo dos protagonistas em causa. O importante é que as alternativas políticas não se agarrem apenas às circunstâncias, onde se inclui a situação ética de Montenegro, surgida nos media, anuída pelo partido e avaliada com carinho pela justiça. Mais do que sobrevivências individuais, o país precisa de superar a atual crise política sem reforçar o entrincheiramento do debate parlamentar, sem perder pontes de diálogo e de compromisso para resolver problemas estruturais e emergências, estancando a espiral de degradação do ambiente político e do que esta sinaliza para a vida concreta das pessoas e dos territórios. Agarrem-se às boias, mas pensem um bocadinho no país.

NOTAS FINAIS

CHORAR SOBRE O LEITE DERRAMADO DAS PPP EM SAÚDE. É triste ver quem esteve calado no tempo certo, o da destruição das PPP de Braga, Loures e Vila Franca de Xira, reclamar agora mais. Destruir o que funciona, por razões ideológicas, sem cuidar primeiro do que não responde é um mau serviço a tudo. Foi o que foi feito e de algum modo continua. Com o governo em gestão, não era de haver um compromisso PS/PSD para um Plano de Emergência do SNS para o Verão?

GOVERNAR EM GESTÃO COMO SE NÃO HOUVESSE AMANHÃ. O atual governo acaba por estar como o anterior. Anteciparam o seu fim, havia para fazer e gastar, mas agora é tarde. O anterior deixou para o seguinte gastar, este parece estar como se não houvesse amanhã. Mas há, estão em gestão, é preciso senso e escrutínio (maldito!).

ACIMA DE TUDO E DE TODOS. O cidadão paga imposto. O cidadão não paga o empréstimo da casa, o banco leva-a. O cidadão tem dívidas, sobre execuções e penhoras. Mas há quem do alto do pedestal, na sociedade portuguesa, sobreviva a prejuízos de 66,2 milhões de euros, tente e concretize operações financeiras opacas, dite orientações de autoridade moral para os outros e seja intocável. Em nome dos passados e dos presentes, acima de tudo e de todos, sem investigação jornalística do milagre.

Agarrar-se a qualquer coisa


O desespero das circunstâncias faz com que muitos se agarrem a qualquer coisa para continuarem a esbracejar, a boiar ou a navegar, sempre em modo de sobrevivência. Estão assim os protagonistas políticos de turno.


Houve um tempo em que a política era feita mais de valores e de procura de resposta ao interesse geral do que de meras circunstâncias, mais individuais do que coletivas. Esse tempo foi-se, a toque das inconsistências vigentes, que não são apenas, dos protagonistas políticos, mas grassam numa sociedade pouco afoita à exigência ética, à observância das regras como parte da partilha de quotidianos, à clareza das opções, dos processos e da avaliação dos resultados e ao compromisso para a concretização de soluções e respostas sustentadas, não meros fogachos de governação facilmente substituídos pelo governo seguinte.

O desespero das circunstâncias, sem solidez de referências de pensamento, de lastro do percurso ou do trabalho realizado, num quadro de incertezas locais, nacionais e globais, faz com que muitos se agarrem a qualquer coisa para continuarem a esbracejar, a boiar ou a navegar, sempre em modo de sobrevivência. Estão assim os protagonistas políticos de turno, projetando na sociedade a perceção sólida de que os fins justificam todos os meios e o designado “bem comum” é coisa de rodapé.

A centralidade da presidência da República na monitorização do funcionamento das instituições e da democracia, perdeu-se no excesso de verbalização inicial e no recente apagão de contributo eficaz para monitorizar e salvaguardar mínimos de quase tudo. Marcelo intrometeu-se tanto e anulou-se de tal modo que ficará na história como o presidente da instabilidade, tantas foram as idas às urnas no período dos seus mandatos. O quadro de desespero com a situação leva os portugueses a quererem agarrar-se a algo diferente na presidência, restando saber se para a boia presidencial bastará aos portugueses só autoridade para um cargo não executivo ou se, à exigência ética, querem somar alguém com compromisso democrático sólido que fez parte do sistema sem ser contaminado pelas suas disfunções.

A minoria de governo, que conseguiu transformar uma questão pessoal do primeiro-ministro num problema político, ensaia a exaltação da obra realizada em menos de um ano com o exagero próprio de ébrios desapegados da realidade. A verdade é que nem tudo foi mau, mas não é tudo motivo de euforia quando continuamos a ter pilares da governação fundamentais, como a saúde ou a habitação, sem vislumbres de respostas que se impõem. A minoria de governo, que contou com diversas oportunidades de compromisso do Partido Socialista, posicionou-se sempre como se tivesse maioria não a tendo. Na verve, na atitude, na ocupação dos cargos públicos e até na dialética do debate político, o ataque foi sempre adotado como defesa, ora a abocanhar, ora a tentar entrincheirar quem tinha representação política e autonomia para escolher qualquer opção além da convergência com o cão que lhe mordia a mão. Em algumas matérias até estavam a fazer diferente, para melhor, e a projetar ajustes de posicionamento no maior partido da oposição, incapaz que estava de realizar a autocrítica da governação passada, mas, porque são de circunstância, facilmente caíram na desqualificação do exercício, levando à crise política. Os tacticismos, os maniqueísmos, os exageros da verve de Aguiar Branco e de Hugo Soares e o desespero da estratégia digital de tentar enlamear o passado de Pedro Nuno Santos para o nivelar por baixo no patamar de enleio pessoal, profissional e político em que se colocou Luís Montenegro são expressões de desespero degradantes. Estão, no seu conjunto, ao nível das generalizações do Chega sobre os 50 anos de democracia, em qualquer critério melhores que as suas adoradas décadas de ditadura. Cem por cento do que diz e faz, em modo de contra, não era possível antes do 25 de Abril. Se é a limpeza que está em causa, porque ainda não clarificou ainda se candidatos a Belém ou às Câmaras Municipais poderão ser antes candidatos a deputados nestas legislativas? Na sua terminologia, “vão agarrar-se aos tachos?”.

A oposição apanhada em início de ciclo pela crise política forçada pela minoria de governo, expectante que as medidas da governação e os anúncios produzam efeito eleitoral que as sondagens não demonstram, procurará aproveitar a mancha de bolor que Montenegro colocou na sua casa e apresentar propostas de governo alternativas. Para já, o PS parece ter adotado a regra ética orientadora de que candidatos a presidentes de câmara não serão candidatos a deputados nestas eleições, sendo esclarecedoras as hesitações e as desistências registadas em nome do certo na órbita do poder disponível. Diz quase tudo dos protagonistas em causa. O importante é que as alternativas políticas não se agarrem apenas às circunstâncias, onde se inclui a situação ética de Montenegro, surgida nos media, anuída pelo partido e avaliada com carinho pela justiça. Mais do que sobrevivências individuais, o país precisa de superar a atual crise política sem reforçar o entrincheiramento do debate parlamentar, sem perder pontes de diálogo e de compromisso para resolver problemas estruturais e emergências, estancando a espiral de degradação do ambiente político e do que esta sinaliza para a vida concreta das pessoas e dos territórios. Agarrem-se às boias, mas pensem um bocadinho no país.

NOTAS FINAIS

CHORAR SOBRE O LEITE DERRAMADO DAS PPP EM SAÚDE. É triste ver quem esteve calado no tempo certo, o da destruição das PPP de Braga, Loures e Vila Franca de Xira, reclamar agora mais. Destruir o que funciona, por razões ideológicas, sem cuidar primeiro do que não responde é um mau serviço a tudo. Foi o que foi feito e de algum modo continua. Com o governo em gestão, não era de haver um compromisso PS/PSD para um Plano de Emergência do SNS para o Verão?

GOVERNAR EM GESTÃO COMO SE NÃO HOUVESSE AMANHÃ. O atual governo acaba por estar como o anterior. Anteciparam o seu fim, havia para fazer e gastar, mas agora é tarde. O anterior deixou para o seguinte gastar, este parece estar como se não houvesse amanhã. Mas há, estão em gestão, é preciso senso e escrutínio (maldito!).

ACIMA DE TUDO E DE TODOS. O cidadão paga imposto. O cidadão não paga o empréstimo da casa, o banco leva-a. O cidadão tem dívidas, sobre execuções e penhoras. Mas há quem do alto do pedestal, na sociedade portuguesa, sobreviva a prejuízos de 66,2 milhões de euros, tente e concretize operações financeiras opacas, dite orientações de autoridade moral para os outros e seja intocável. Em nome dos passados e dos presentes, acima de tudo e de todos, sem investigação jornalística do milagre.