Aqueles que já leram A morte de Ivan Ilitch, de Lev Tolstói, recordar-se-ão de como as coisas começam a correr mal para o protagonista. A princípio não parece nada de mais. Ilitch dá uma queda quando está a remodelar a nova casa para onde a família se mudou. Tolstói descreve a cena quase casualmente: “Uma vez subiu a um escadote para mostrar ao estofador, que não compreendia como ele queria as tapeçarias penduradas, recuou e caiu. Mas como homem forte e ágil segurou-se e apenas chocou de flanco contra o fecho de uma janela. A equimose doeu-lhe mas passou depressa.”
Passou depressa? Às vezes as aparências enganam. Aos poucos e poucos este pequeno incidente vai ganhando importância e centralidade na vida de Ivan Ilitch. O desfecho não é segredo para ninguém: está escarrapachado no título do livro.
Talvez seja por também meter a remodelação de uma casa que me lembrei da novela de Tolstói a propósito dos casos que envolvem o primeiro-ministro. Tudo começou com a notícia de que Montenegro era sócio de uma empresa que prestava serviços no ramo imobiliário. Ao princípio não parecia nada de grave. Tinha uma empresa? E então? Depois, veio a divulgação da lista de clientes e a revelação de que continuara a receber uma avença dos casinos Solverde mesmo depois de tomar posse enquanto primeiro-ministro. As explicações não foram convincentes e seguiu-se o que sabemos: o chumbo da moção de confiança e a queda do governo.
Curiosamente, a coisa não ficou por aqui. As notícias continuaram a sair a conta-gotas e nenhuma delas era abonatória. A mais recente diz respeito a obras num apartamento duplex da família do primeiro-ministro.
Só não vê quem não quer ver que estes casos sucessivos vêm minando a credibilidade do primeiro-ministro. E se com a jogada da moção de confiança pretendia forçar eleições e obter um resultado que reforçasse a sua legitimidade (porque ninguém acredita que esperasse ter o voto a favor do PS), a verdade é que os acontecimentos podem tomar outro rumo. A posição do primeiro-ministro está extremamente fragilizada – e, não desejando o mal a ninguém, não sei se politicamente não estará mesmo ferido de morte. Até porque quando teve de escolher entre o interesse pessoal e o interesse do país, o mínimo que se pode dizer é que hesitou. E isso é algo que muitos não lhe perdoarão.
P.S. Não percebo José Sócrates: normalmente as figuras públicas querem ser julgadas rapidamente para dissiparem todas as suspeitas. No caso do antigo primeiro-ministro, tudo tem feito para adiar e a sua reação à marcação do julgamento é reveladora – parece quase uma assunção de culpa. Não percebo? Se calhar até percebo muito bem.