Tarifas podem tramar gigantes como Shein e Temu

Tarifas podem tramar gigantes como Shein e Temu


Os EUA e Bruxelas ameaçam com tarifas e quem poderá pagar no fim é o consumidor final. Marcas queridas de muitos consumidores podem ficar mais caras. E ainda só estamos no início


Marcas de comércio online muito conhecidas como a Temu, Aliexpress ou Shein estão com o cerco cada vez mais apertado. Em causa está uma decisão da Comissão Europeia em tomar medidas para fazer face aos riscos decorrentes das importações de baixo valor vendidas através de retalhistas online não pertencentes à UE e de mercados que acolhem comerciantes não pertencentes à UE. Mas não só. Também os EUA, com a presidência de Donald Trump, tomaram medidas, como é o caso da eliminação da isenção fiscal para as embalagens de baixo valor provenientes da China.

Ao Nascer do SOL, João Queiroz, Head of Trading do Banco Carregosa, alerta que o aumento da pressão regulatória nos EUA «pode levar a tarifas mais elevadas, restrições à importação e exigências de maior transparência nas práticas laborais e ambientais», acrescentando que a «revogação da isenção ‘de minimis’ (regime aduaneiro dos EUA que permite a importação de bens de baixo valor – até $ 800 – sem pagamento de tarifas alfandegárias ou com requisitos simplificados) e a imposição de tarifas de 10% sobre importações da China podem afetar o modelo de negócio da Temu e da Shein, reduzindo a sua competitividade de preços».

O especialista adianta que a Temu, em particular, «pode ter de aumentar os subsídios aos vendedores chineses para mitigar estas tarifas, impactando os seus lucros» e que o crescimento nos EUA «pode desacelerar, obrigando a ajustes estratégicos como diversificação da cadeia de fornecimento e maior investimento em logística para manter a presença no mercado global».

No que diz respeito ao plano de ação da Comissão Europeia, João Queiroz defende que «pode representar um desafio significativo», lembrando que a UE está a reforçar medidas contra a concorrência desleal, segurança dos produtos e impacto ambiental do consumo excessivo. «Restrições adicionais nas isenções alfandegárias e regras mais rígidas sobre a origem e qualidade dos produtos podem dificultar a estratégia de preços baixos da Shein e da Temu». Além disso, acrescenta o responsável, «regulamentos mais exigentes podem desacelerar a expansão da Temu na Europa, já que a sua acionista PDD está a reforçar os processos de avaliação dos vendedores para garantir conformidade com regras dos mercados internacionais, o que pode limitar a velocidade de crescimento e aumentar custos operacionais».

Também Henrique Tomé, analista da XTB, não tem dúvidas: A Shein e a Temu «enfrentam riscos com o cerco apertado por parte dos EUA, o que pode resultar em maiores custos de importação, perda de competitividade e danos à reputação devido a preocupações relacionadas com a ética das empresas».

Caso as tarifas sejam aplicadas, o analista alerta que «os preços podem subir, correndo o risco de haver um impacto para os consumidores que poderão ter de optar por outras marcas, acabando também por levar a uma redução das margens de lucro para as empresas».

No que diz respeito à decisão da Comissão Europeia, o analista diz considerar «que será um problema, uma vez que poderá agravar ainda mais os potenciais problemas destas empresas, sobretudo porque as vendas destinadas aos países europeus são de um valor considerável», recordando que, em 2023, a Shein alcançou vendas líquidas na ordem dos 8,8 mil milhões de dólares na Europa, enquanto nos EUA registou vendas na ordem dos 8,1 mil milhões de dólares. 

Produtores e fornecedores

Depois de Trump ter anunciado essa medida, soube-se – ainda que negado pela Shein – que as gigantes de retalho chinesas estavam a deslocar os seus fornecedores e distribuidores para outras regiões do Sudeste Asiático, como o Vietname. Segundo a Bloomberg, a Shein, por exemplo, estaria a oferecer-se para pagar 15% a 30% mais aos seus principais fornecedores chineses para abrirem novas linhas de produção nesse país.

A Shein nega e a Temu, sabe-se, pressionou os fornecedores a armazenarem os produtos em armazéns norte-americanos com o objetivo de minimizar o impacto de uma eventual eliminação da isenção fiscal para as embalagens de baixo valor provenientes da China.

João Queiroz revela que a diversificação da produção para fora da China «pode ajudar a mitigar riscos geopolíticos e tarifários, reduzindo a exposição a barreiras comerciais nos EUA e na UE». No entanto, adianta que «tal mudança envolve desafios como custos mais elevados de produção e adaptação a regulamentações locais». E diz que a «PDD está a investir significativamente na expansão global da Temu, incluindo subsídios aos vendedores e reforço da cadeia logística, o que pode ajudar a minimizar impactos negativos». Contudo, o especialista que «a necessidade de manter preços baixos pode levar a margens mais apertadas, exigindo um equilíbrio entre crescimento e rentabilidade».

Já Henrique Tomé adianta que esta decisão das empresas «trata-se de uma tentativa das empresas para tentar atenuar estas notícias e as medidas». No entanto, alerta que «a reputação continua a ser afetada; e as empresas, por consequente, deverão continuar a ser penalizadas nesse sentido». 

Consumidores vão pagar mais

É certo que Shein, Temu e Aliexpress são empresas que fazem milhares de vendas todos os dias e são as preferidas de muitos consumidores. Afinal, todos gostam de uma ‘pechincha’. Segundo a Deco Proteste, no ano passado, entraram na União Europeia cerca de 4,6 mil milhões de mercadorias de baixo valor, o que equivale a cerca de 12 milhões de encomendas abaixo de 150 euros por dia.

E o objetivo da Comissão Europeia é mesmo avançar com o fim da isenção de direitos aduaneiros para encomendas até 150 euros, provenientes de países fora da UE.

E, com isto, é certo que os preços aos consumidores vão aumentar. «Se as restrições comerciais e regulatórias se intensificarem, os custos adicionais com tarifas, conformidade e logística podem ser transferidos para os consumidores, tornando a Shein e a Temu menos acessíveis», diz o especialista do Banco Carregosa, adiantando que, no caso da Temu, «a PDD tem vindo a aumentar gastos com incentivos para manter a sua competitividade global, o que pode ajudar a conter aumentos de preços a curto prazo». No entanto, a longo prazo, «a necessidade de investir mais em marketing, logística e subsídios aos vendedores poderá pressionar as margens e levar a um aumento gradual dos preços, especialmente se as empresas não conseguirem compensar os custos adicionais com ganhos de eficiência», considera João Queiroz.

Por sua vez, o analista da XTB recorda que estas empresas «são as consideradas de fast fashion e low cost, o seu core business assenta em preços baixos de forma a conseguirem abranger uma quota de mercado mais ampla», defendendo que «mesmo se se registar uma subida nos preços, deverão permanecer abaixo dos seus concorrentes», adianta Henrique Tomé.

Já a Deco Proteste é defensora de medidas que protejam os consumidores e por isso defende que «o fim da isenção de direitos para as encomendas online com um valor até 150 euros é uma medida com um impacto muito positivo, uma vez que visa salvaguardar a proteção dos direitos dos consumidores europeus, bem como a proteção da indústria europeia»