Quartos-de-final da tal tão apregoada nova Liga dos Campeões: Bayern-Inter; Arsenal-Real Madrid; Barcelona-Borussia de Dortmund; Paris Saint-Germain-Aston Villa. Dois espanhóis, dois alemães, dois ingleses, um italiano e o francês do costume. Afinal o que é que mudou? Vejamos os quartos-de-final da última edição, ainda não tão modernaça como a UEFA cinicamente apregoou: Atlético de Madrid-Borussia de Dortmund; Paris Saint-Germain-Barcelona; Arsenal-Bayern; Real Madrid-Manchester City. Seis cromos repetidos em oito. E, neste caso, três espanhóis, dois alemães, dois ingleses e o francês do costume. Só um ingénuo menino de coro se surpreenderia se assim não fosse. A despeito de tudo aquilo que esse órgão tóxico que governa o futebol da Europa prometeu em contrario. A palavra seriedade nunca encaixou com a UEFA.
A falácia da ideia de democraticidade que vinha amarrada a este novo formato da prova maior do Velho Continente (e a única que interessa, convenhamos, já que nenhum clube com prestígio se satisfaz com ganhar uma Liga Europa e até incorre numa vergonha se conquistar a LigaConferência, que é pior do que uma Intertoto) não passa disso mesmo. Com mais uma eliminatória tornou-se fácil perceber que jamais uma equipa fora dos quatro principais campeonatos voltará a estar presente numa fase tão adiantada da prova – como aconteceu, por exemplo, há dois anos, com o Benfica, infiltrado entre Inter, Nápoles, Milan, Manchester City, Bayern, Chelsea e Real Madrid. A depuração, ao bom estilo estalinista, trata desse assunto com a frieza própria de quem não está para suportar a pequenez. Com a oferta de umas esmolas tristes aos palhaços pobres (e, nos circos da nossa infância os palhaços pobres ganhavam dinheiro a apanhar positivamente na tromba e a tropeçar nos atacadores dos sapatos de tamanho 54, ao contrário dos palhaços ricos, uns mistificadores aborrecidos que tocavam pífaro), foi preciso mudar para que tudo ficasse na mesma, seguindo o princípio de Lampedusa em Il Gattopardo. E, sejamos sérios, nem a esmola serviu para compensar os enxovalhos a que os pequenotes foram sujeitos. Ou talvez servisse. O proxenetismo tem destas coisas: há quem por 20 euros não se importe de passar uma noite numa esquina de uma rua sórdida. O dinheiro pode não aquecer a alma, mas aquece os bolsos.
Benfica como exemplo
Contabilizemos. O Benfica ganhou, segundo os contabilistas, 71,8 milhões de euros nesta Liga dosCampeões, tendo sido eliminado nos oitavos-de-final. Menos do que ganhou há dois anos quando atingiu os quartos-de-final – 72,5 milhões. Em 2022-23 fez dez jogos – seis da fase de grupos e quatro a eliminar; agora fez doze – oito da fase de grupos e quatro a eliminar. Ou seja, desta vez jogou mais para ganhar menos. Faz algum sentido? Claro que é preciso somar os valores pagos pelos empates e pelas vitórias. ComRoger Schmidt, nesses tais dez jogos, os encarnados ficaram-se por seis vitórias, dois empates e duas derrotas; com Lage cinco vitórias, dois empates e cinco derrotas. Pode vir o treinador do Benfica encher o peito dizendo que fez uma ótima prova, mas a realidade desmente-o inequivocamente. Ao deixar-se perder com o Feyenoord em casa e não conseguindo vencer nem Bolonha nem Mónaco na Luz, foi mais um punhado de euros deitado pela janela. Aliás, no seu estádio, os encarnados primaram pela pequenez apenas disfarçada com os 4-0 ao Atlético de Madrid, o único resultado que a história levará ao colo já que a vitória em Turim foi frente a um adversário para lá de medíocre.
Conseguiu a prepotente UEFA a proeza de inventar três confrontos entre Benfica e Barcelona em menos de três meses. Isto é, um fartar vilanagem! Porque o que interessa é fazer dos ricos cada vez mais ricos e utilizar os pobrezitos como ovelhas para hienas, o objetivo foi plenamente conseguido. A diferença de qualidade foi expressa em campo com as três vitórias dos catalães. Dir-me-ão que houve, aqui e ali, momentos de equilíbrio, sobretudo no primeiro jogo, o dos 4-5 na Luz. E eu digo, em contrapartida, que esses momentos poderiam até ter sido mais largos não tivesse o Bruno Laje, como é seu hábito, percebido muito pouco do que se passou em campo nesses 270 minutos, insistindo em jogadores inoperantes, que fizeram com que a sua equipa tenha chegado a jogar com dois e três a menos, e demorando eternidades a mudar o conjunto, já que para ele as substituições só se justificam a um quarto de hora do fim. Não, não vale a pena tapar o sol com uma peneira: o Benfica não fez uma boa Liga dos Campeões! Devia ter feito muito melhor, apesar de não ter argumentos para se bater com equipas da qualidade do Barcelona, algo que provavelmente nunca mais voltará a ter enquanto a gente da minha geração for viva. O caminho dos palhaços pobres da Europa só tem uma direção – para baixo, cada vez mais baixo. É assim que a UEFA quer enquanto não surge a salvação de uma super-liga que exclua os pequeninos e os ponha a jogar na II Liga dos Campeões uns com os outros. Até lá, que continuem a ser vítimas da fome.