A política romena atravessa um momento delicado. Calin Georgescu, candidato que venceu a primeira volta das presidenciais, que seriam anuladas pelo Tribunal Constitucional, foi impedido de se recandidatar às próximas eleições. A decisão vem após ter sido detido no trânsito da capital romena, Bucareste, e a justificação assenta em suspeitas.
Milhares de cidadãos romenos saíram à rua em protesto, mas há quem acredite que se trata de uma vitória da democracia. Por exemplo, a agência de notícias Reuters noticiou o seguinte: «A autoridade eleitoral central da Roménia proibiu no domingo o candidato pró-russo de extrema-direita Calin Georgescu de concorrer às eleições presidenciais de maio, uma decisão suscetível de agravar a crise constitucional». O The Guardian foi mais longe: «Georgescu, um populista anti-UE e amigo de Moscovo, saiu praticamente do nada para vencer a primeira volta das eleições presidenciais do ano passado, mas o resultado foi anulado pelo Supremo Tribunal da Roménia por suspeita de interferência russa». Mas será mesmo assim?
Categorizações são uma caricatura
Riccardo Marchi, investigador no ISCTE-IUL e na Universidade Lusófona que tem dedicado boa parte da sua investigação às direitas, principalmente às portuguesas, em declarações ao Nascer do SOL, afirma que tais categorizações não passam de «uma caricatura». Quanto ao sair «praticamente do nada», Marchi diz que «Georgescu vem da carreira diplomática e serviu como alto funcionário de instituições internacionais na área do desenvolvimento sustentável. A sua carreira política começou no Partido romeno AUR, filiado nos conservadores europeus do ECR, partido do qual saiu para prosseguir carreira individual».
EXTREMA-DIREITA, PRÓ-PUTIN E ANTI-NATO?
Já no que à conotação de extrema-direita que é frequentemente atribuída a Georgescu diz respeito, o investigador italiano discorda. «Podemos tranquilamente defini-lo como um populista de direita soberanista. Populista porque centra a sua visão política na dicotomia entre o povo romeno e a oligarquia que teria alegadamente raptado a soberania e a democracia romena desde os anos 90, ou seja, logo após a queda do comunismo quando o país deveria ter-se tornado uma democracia madura e não uma cotada privada de oligarcas nacionais e internacionais (a começar por George Soros que Georgescu ataca frequentemente). Conservador porque se opõe claramente à viragem progressista das últimas duas décadas das instituições europeias, nomeadamente na chamada ideologia woke, do politicamente correto e nas políticas LGBTQ+. Soberanista porque prioriza o interesse nacional face ao projeto federalista europeu, que visa passar cada vez mais fatias de soberania nacional para Bruxelas».
Ainda assim, Marchi argumenta que «isto não quer dizer que Georgescu seja antieuropeísta e anti-NATO», duas acusações também constantemente dirigidas ao político romeno, mas que estará no barco de outros países da Europa de Leste: «Como muitos líderes das novas direitas da Europa de Leste, Georgescu vê como uma oportunidade de desenvolvimento a integração romena na UE e na Aliança Atlântica. Não quer, contudo, que a Roménia se torne uma província da UE governada a partir de Bruxelas e principalmente um peão da política internacional anti-Russa da UE, com a sua viragem belicista dos últimos anos. Na senda de Orbán, Georgescu prefere uma relação de proximidade amistosa com a Rússia para os países de Leste mais próximos das fronteiras de Moscovo. Não querem voltar a enfeudar-se a Moscovo como nos tempos da URSS, mas também não querem ser a trincheira de Bruxelas contra Moscovo». E o mesmo acontece na relação com a NATO, sustenta o investigador, contrariando as sucessivas caracterizações da imprensa internacional: «Na verdade, Georgescu apoia a integração da Roménia na NATO como Aliança defensiva, mas opõe-se à transformação da NATO em aliança ofensiva anti-Rússia. Isso é particularmente evidente na sua oposição – nunca referida nos média – quanto ao alargamento da base aérea militar Mihail Kogalniceanu no Mar Negro que se tornará a maior base militar da NATO na Europa. Para Georgescu, isso vai expor a Roménia como ponta de lança europeia e atlântica anti-Rússia».
UMA MACHADADA NA DEMOCRACIA?
Riccardo Marchi acredita ainda que «as posições [como as de Georgescu], cada vez mais presentes nos Estados-membros na UE, devem ser consideradas legitimas no debate e no confronto político democrático e pluralista», não podendo ser «constantemente consideradas indicadores para a demonização e marginalização, principalmente quando alcançam 20%, 25%, 30% das preferências do eleitorado». Para o especialista, «o caso romeno ainda é mais grave porque não só foram consideradas dignas de demonização, mas causa de anulação de eleições e proibição do candidato de concorrer às [próximas] eleições. E isso com base em suspeitas. Não numa investigação com provas empíricas comprovadas e condenação proferida. Suspeitas. Isso abre um precedente gravíssimo na Europa, perante o silencio de Bruxelas, porque amanhã qualquer incumbente armado em autocrata pode levantar a suspeita de interferências externas para banir opositores políticos da corrida eleitoral». «Partir do pressuposto que uma interferência deste género (que não sei se e quanto incide no caso Putin-Georgescu) justifica que o candidato com 23% dos votos seja proibido de concorrer às eleições», continua Marchi, concluindo que todo este processo «é muito perigoso para a qualidade do pluralismo democrático. Isso sim acaba por minar a credibilidade das instituições europeias em silêncio absoluto e a credibilidade das instituições nacionais que se expõem aos ataques do soberanismo populista de direita por ser alegadamente capturadas por oligarquias que roubam a soberania do povo».
Por outras palavras, foi aberta a caixa de Pandora em Bucareste.